o real dos pais

o real dos pais passa a ser ignorar o erotismo das crianças

Retirado do meu livro de 2008: A ilusão de sermos pais.

Durante anos de textos, em todos eles, como ao proferir conferências, costumo dizer que toda a sociedade tem duas culturas, a do adulto e a da criança e que ambas as culturas estão entrelaçadas e que para entender uma, é preciso entender a outra no seu comportamento e na sua epistemologia. Ao escrever este livro as minhas dúvidas fizeram-me pensar outra vez e hoje eu diria que toda sociedade tem adultos e crianças, hierarquizados pela forma de materializar os seus sentimentos em emoções diferentes, como acontece em diferentes culturas em todo o mundo. Por outras palavras, há comportamentos emotivos diferentes nas diferentes cronologias que cruzam um ser humano, há formas de exprimir sentimentos com variações, como uma sonata: allegro, jocosso, minuet, bourrée, dança, contradança, ou serenidade, divertimento, alegria, tristeza, fugir, ser punido, punir, explicar, entender, calcular, pedir, depender. Mas, principalmente, depender: o mais novo, dos cuidados, alimentação, agasalho, vigilância, correcção, carinho, amor, raiva, engano, ensino, formas de se estar juntos



Tchaikovsky – The Nutcracker (O Quebra-nozes) – Dança da Fada

enquanto um facto muito importante acontece: a mudança do tempo entre todos os seres humanos: os mais novos crescem, é dizer, aprendem o cálculo das contas da vida, lucro e mais valia, a ganhar autoridade e independência, autonomia, enquanto os mais velhos começam a perder a lembrança, a agilidade das mudanças culturais, até passarem a depender também, do antigo subordinado. é uma dança com duas pontas: a subordinação do mais novo durante um tempo, a subordinação do mais velho, em tempos posteriores, ao seu descendente e antigo subordinado. Há, porém, ascendentes e descendentes ao longo da vida que: ou estão em cantos extremamente diferenciados, com uma supremacia e autoridade absoluta do mais velho, passando pela paridade de actividades, ao ser o mais novo adulto independente e com a sua própria família, até ao dia de velhice da antiga autoridade. Factos que observamos e nos parecem evidentes, factos aos quais nos habituamos. Desenvolve-se em cada cultura um processo de lidar com as diferenças, que muda na História, na genealogia, no contexto económico da cultura, com as descobertas científicas, novas maneiras de tratar o corpo e de saber procurar uma alta auto estima pessoal, a nossa própria mais valia, o nosso próprio objecto do desejo ou de aceitar as infelicidades desenvolvendo o nosso entendimento[15].

Mas, nem todas as culturas ou comportamentos de interacção nas sociedades do mundo regulamentam essa conduta de forma semelhante. Há toda a análise de grupos não europeus ou europeizados mais tarde, tratados como etnias e não como Nação ou Estado, que a Antropologia estuda[16]. A Psicologia é parte desta análise de comportamento e entendimento do comportamento cultural e a Etnopsicologia é uma parte desta ciência, um método para entender uma mente cultural, suas ideias, ritos, mitos, organização social, estrutura de parentesco, processo de interacção social e as suas abstracções em representações simbólicas e semióticas.

Cada grupo social tem uma ideia diferente da serenidade e de paz na interacção entre adultos e crianças, assim como cada grupo social define o que é a vida adulta e a vida da criança, de forma diferente e heterogénea, com uma cronologia de idade que varia conforme os costumes e a lei. Grupos sociais que recebem no seu seio pessoas que analisam a realidade cultural e o seu comportamento a partir da sua própria teoria – como tenho analisado no texto – experimentando retirar das formas normativas dos povos analisados, conceitos que condigam com a teoria europeia, psicanalítica ou comportamental[17]. Em síntese, pode-se dizer que a heterogeneidade de sentimentos e emoções que existem dentro de uma sociedade, são vividas de forma diferente entre os indivíduos de diferentes idades e hierarquias e entre as diferentes culturas. Há os grupos que definem a idade a partir da iminente maturação do indivíduo que entra na época pré-púbere, com a menstruação nas raparigas e o começo de sinais de pêlo púbico nos rapazes, que anuncia a sua necessidade de começar a receber sémen dentro do seu corpo, da maneira analisada por Maurice Godelier[18] para os Baruya da Nova Guiné.

Esta análise de Godelier não apenas refere a fellatio como forma de adquirir sémen transferido de um corpo novo já com ejaculação, mas sem ter tido intimidade com mulheres, dando a beber do seu pénis esse sémen á criança, cuja irmã será a mãe dos seus filhos, muito embora a vida deles continue na casa dos homens apenas com a obrigação de penetrar a mulher de tempo em tempo: existe o mito da vagina dentada, que define o perigo do pénis ser cortado se ficar muito tempo dentro da mulher, ou se a mulher for a própria vagina dentada vestida de mulher. Pensou-se que era ideia de selvagens, até o Antropólogo Robertson Smith[19], ter descoberto que o mito existe também no Continente Europeu, o que justifica que no Velho Continente os coitos sejam rápidos e curtos, sem interessar o orgasmo da mulher que pode procurar o seu erotismo com outros homens ou mulheres, ou pensar que é assim e a sua missão é apenas ter filhos e amamentar[20]. Fora da Europa, é obrigação das mães tratar das crianças até estas serem transferidas para a casa dos homens por um padrinho escolhido pelo pai entre os membros do clã; no Capítulo 4 refiro e lembro que em 1905 e 1913, Freud denominou aberração sexual esta actividade que ficou classificada como neurose de comportamento até aos dias de hoje. A questão é: se uma cultura orienta a sexualidade á maneira da análise de Freud e seus discípulos, como é que a lógica da História, ou Religião, permite no catecismo não apenas a fellatio, bem como a masturbação – primeira forma de entrar na vida erótica da maior parte dos povos – e a homossexualidade? Talvez seja preciso distinguir o que Malinowski faz no seu texto de 1929 ao denominar “punição ás aberrações sexuais” referindo os comportamentos sexuais não heterossexuais – zoofilia – com animais e pessoas do mesmo sexo, que denomina homossexualidade. No entanto, não adscreve nem analisa doença nenhuma a estes comportamentos, porque os Massim não apenas praticam sexualidade “aberrante”, os pais permitem essa realidade e é o dever das mães ensinar sedução ás filhas e dos pais formas de penetração aos filhos. Apesar de não serem sempre bem sucedidos, não há punição nem para os ascendentes nem descendentes. O nome do homossexual entre eles é Albino e entende-se que é um comportamento devido a falta de pigmentação quer no corpo, quer nos genitais. [21].

A análise de Freud, incluída na mesma nota de rodapé (5), é mais estrita. Toda a sua teoria sobre a sexualidade está orientada para a definição de um verdadeiro processo reprodutivo. Bem entendido, estas ideias não apenas são retiradas das suas ideias religiosas e de classe social, bem como da teoria que separa entre o que parece ser o que mais orienta eroticamente o ser humano dentro da sua cultura, e as lembranças esquecidas do Idque parecem empurrar e orientar as pessoas para um comportamento não definido por essas normas. O ascetismo freudiano reage contra a descoberta da procura de prazer entre os seres humanos que sabem que vão morrer e, antes de falecer, o erotismo como a alimentação devem ser os mais importantes comportamentos entre todos eles. Comparando a sua teoria de 1905, acrescentada até 1920, com a sua análise estática de 1913, ele separa os seres humanos entre civilizados e selvagens que não têm outra orientação que o seu instinto – o que leva a pensar que não conhecia, apesar das fontes, as normas de vida dos não europeus. A sua teoria da sexualidade de 1905, é uma defesa das formas de vida calmas, serenas, normativas, pacíficas, especialmente ao analisar o comportamento sexual das crianças que podem ser vítimas de atropelos de adultos, sem entender o que é uma emoção libidinosa. A sua teoria de 1913, é a análise de adultos que têm comportamentos de crianças na sua vida sexual, é dizer, não distinguem entre opções, que continuam com a espécie de opções infantis que levam a acudir permanentemente ao totem – ao patrão do clã – para desculpar, com sacrifícios, jejuns e oferendas. Para Freud o acto mais temido pelos povos australianos: o incesto é um conceito que ele deriva da teoria evolutiva que marcava o pensamento desde Darwin. O comportamento sexual de hoje, seria um escândalo permanente para o autor, especialmente pelas mudanças, das denominadas aberrações a comportamentos legais e lícitos, permitidos, excepto em povos dentro dos quais os textos sagrados são cumpridos com rigidez e podem causar psicoses entre os que se separam dessa maneira de ser, definida pelos Muçulmanos, Cristãos Romanos e Israelitas. O livro está destinado a salientar um Pater Famílias interiorizado, incutido, subsumido no consciente e inconsciente de todo indivíduo e que comanda no super ego de toda criança e, mais tarde, do adulto. A teoria Romana das Doze Tábuas, como analiso no Capítulo 2, o Código de Justiniano, os éditos de Constantino, O Direito Canónico e a Catequese, são a base da análise, apesar de ser apenas Bion a reconhecer a base religiosa do comportamento psíquico, consciente ou inconsciente. Este é o interesse de entendermos a teoria psicológica e a compararmos com o nosso próprio comportamento activo e público ou de interacção, como gosto denominar. A autonomia existe até um certo ponto, quer para este autor, quer para Malinowski: a interacção é regulamentada pela procura de felicidade na vida. Felicidade associada a emoções, sentimentos e fornicação ou amor com orgasmo, ou simplesmente, carinho e respeito que, por não serem naturais, passam a ser parte de um sistema que denominamos cultura. Esta é a base da análise de todos os autores que tratam de crianças e adultos das suas emoções e formas de as materializar, no curto espaço de tempo que medeia entre o nascimento e a morte, e a ideia central de toda a teoria cultural.

Não há apenas os casos referidos. Há mais como por exemplo o caso dos Maconde de Moçambique, analisado por Jorge Dias, mas que me foi também relatado por um nacional de Moçambique, do povo Maconde[22]. Parece que a hipótese procurada por Freud e analisada mais á frente é mais universal do que se pensava. émile Durkheim na sua obra de 1912, estuda o ritual Intichiuma da etnia Arunta da Austrália Central[23]. Ritual que ele denomina positivo e que consiste em ensinar aos mais novos, já não crianças, mas sim pré-púberes, a tomar conta do alimento do qual subsistem, larva de lagarto que habita ao pé dos rochedos do deserto, sítio ao qual se dirigem com o sacerdote Aleteucha, em jejum e por vários dias, até aprenderem a subsistência da tribo. Como a análise de Durkheim sobre as formas totémicas de reprodução humana, ao estudar o Totem Exogâmico de Mana, que fixa as regras matrimoniais entre clãs e proíbe o incesto causado por intimidade erótica entre parentes[24], formas de comportamento ensinadas pelo Aleteucha com o consentimento do grupo doméstico e a sua colaboração.

Os rituais de iniciação são um processo central dentro da vida das etnias. No caso Maconde, as raparigas são transferidas para uma casa de mulheres, dentro da qual as mais velhas e não parentes ensinam formas de fornicação, cujo primeiro objectivo é agradar ao homem, para o conquistar, seduzir, tê-lo mais vezes com ela, e assim assegurar o nascimento de novos seres humanos. Especialistas do grupo abrem os lábios da vagina com uma incisão para facilitar a penetração do homem e a entrada do esperma no denominado ninho da vagina. Como acontece no mito do Eufuko entre as raparigas Handade Angola, relatado por Rosa Maria Melo [25] na sua tese de doutoramento no ISCTE. Entre os Maconde, os rapazes são retirados na época da puberdade para a casa dos homens e ensinados por jovens e outros membros clãnicos, a masturbar-se e como entrar no corpo duma mulher, para o que é usada a narração oral ou desenhos ou, ainda, o recto de um homem maior. O objectivo é sempre a reprodução, biológica e social como acontece de forma mais complexa, pelo detalhe da análise, entre os Baruya da Nova Guiné, no momento de começar a criar sémen, hierarquia e relações parentais entre os membros da tribo sempre com a ideia da relação exogâmica que permite não apenas a circulação de pessoas, bem como a circulação dos bens, como analisa em detalhe Malinowski no seu texto de 1926. Detalhe que destes grupos salienta, a união familiar, definida como crianças que são filhos de todos, todos tomam conta de cada pequeno como se o tivessem parido ou engendrado [26]. Uma paternidade amável, amante e amada, como refere a nota de rodapé desta página. Uma maternidade cuidada, descrita quer por Malinowski na obra citada e nas outras analisadas no texto, quer por Sir Raymond Firth[27], quer ainda por Sir Archibald Reginald Radcliffe-Brown[28]: amamentam, tomam conta, ajudam, colaboram nos trabalhos umas das outras e, conforme a análise de Firth, a mãe tem um papel de carinho, mas económico principalmente: é quem dá a terra aos filhos que nascem do seu matrimónio num outro grupo familiar ou Hapu, trabalha de forma igual ao marido, seja o matrimónio monogâmico ou poligâmico. Homens e mulheres trabalham juntos e o cuidado dos descendentes está dividido entre a época da amamentação do mais novo e o aprender a desembrulhar se entre os membros da família. O Hapu – que são normalmente muitos, é praticamente uma aldeia, até á época de trabalhar de forma autónoma, época na qual torna ao Hapu da mãe, caso o matrimónio tenha sido patrilinear, ou fica no Hapu maternal, caso o matrimónio seja matrilinear. Diferente do caso analisado por Malinowski na Melanésia, é o estudado por Radcliffe-Brown na África do Sul e na Ilha de Tonga na Melanésia. Analisa os Ba-Thonga, os Nama e os Tongan e encontra uma paternidade inexistente, razão pela qual o seu primeiro texto é denominado “O irmão da mãe” ou, de facto, The Mother”s Brother in South Africa [29]. A realidade da paternidade, como Malinowski analisa em vários textos estudados no Capítulo IV deste livro, é inexistente. Há, sim, uma genealogia clãnica -totémica que delimita as possibilidades de reprodução de forma exogâmica, como referi. O papel da mãe passa a ter uma importância emotiva e económica muito marcada. Apesar da genealogia ser matrilinear, a autoridade é patriarcal, mas pela linha do irmão da mãe. Muito embora seja o homem quem faz a criança no corpo da mulher, crianças que, na idade da puberdade vão circular para a casa do irmão da mãe – tal e qual os filhos da mulher do irmão vão para a casa do irmão desta, a autoridade, enquanto o grupo é de procriação e trabalho é a do homem da mulher, quero dizer é patriarcal, apesar de este ter que obedecer, por sua vez, ás instruções do irmão da mãe, autoridade suprema dentro do seu grupo doméstico. Como referi num outro texto meu, não há Baloma nem reprodução para uma mulher que não tenha irmãos, como analiso mais á frente. Este facto, que o autor vê acontecer entre os povos estudados na África do Sul, que inclui os Banto, acontece também noutros sítios do mundo não Europeu. A realidade dos pais, podia dizer neste parágrafo, é heterogénea e múltipla. No caso dos Maori, há tantos pais como consanguíneos colaterais e ascendentes tenha o homem da casa, e tantas mães como consanguíneos do mesmo tipo tenha a mãe; e cada um deles, pelo facto de viverem muito unidos, exerce as funções que nós denominamos da paternidade dele ou dela. O próprio comentário do autor refere a impossibilidade de aplicar o nosso sistema de parentesco entre grupos baseados na concentração da família e não na sua dispersão. Não apenas porque no Hapu podem morar mais do que cem pessoas, todas elas parentes e possibilitadas de celebrar matrimónio – excepto se são filhos dos mesmos pais, mas se um dos ascendentes é diferente, já a relação é possível. Porque o problema não está centrado na ideia de incesto que Malinowski analisa ao debater com Freud e Ernest Jones: estes últimos reclamam a universalidade do tabu do incesto. O próprio Radcliffe – Brown dedica um opúsculo ao conceito Polinésio de tabu ou proibição, ao referir proibições além das matrimoniais, como refere no texto, página 13, como evitar o nome da pessoa que não é apreciada. O conceito tapu ou tabu para nós, é a infracção que denominamos pecado na linguagem religiosa que abrange a palavra, como por exemplo, tratar das crianças e as ensinar, como comenta ao falar de Frazer[30]. A universalidade para Radcliffe-Brown não está no facto da relação sexual, está na proibição de trespassar o que o sistema religioso define como pecado. Ideia muito próxima de Freud, Charcot e outros, mas bastante longínqua das análises de Malinowski, cujo interesse é entender o dever de exogâmia entre os Massim, não por pecado. Sejamos justos com o texto sobre repressão sexual de Malinowski, que não acertei no Capítulo 4: o incesto é apenas entre pessoas que têm relações íntimas endogâmicas porque os bens não circulam, ficam parados dentro do mesmo grupo que não vê incrementar a sua riqueza ao estabelecer alianças com outros indivíduos cuja obrigação é auxiliar, trocar, emprestar, e, de forma mais importante, incrementar uma população em permanente risco de extinção por causa das tecnologias fisiológicas, bem como pela crença na reencarnação. As ideias de Freud especialmente e mais tarde as de Lacan, baseiam-se na genética do Século XIX; hoje em dia, muito embora o incesto seja um delito para acabar e nasça a legislação que permite a união entre irmãos nos Países do Norte de União Europeia – e, de facto, em qualquer um sítio da terra – as de Malinowski estão baseadas na ideia por ele sempre negada da economia: circular pessoas para outras terras, é circular Direito de Propriedade. O incesto […] esse problema da realidade dos pais de hoje em dia, que lutam para o evitar mas nem sempre com muito sucesso, até entre ascendentes e descendentes, como comento no Capítulo respectivo e ao longo de todo o livro. Aliás, os pais de hoje, para entrar na realidade, devem entender que há sucessivas levas de incesto permitido e incesto proibido [31]. Como sabemos, a relação de incesto é punida entre nós com prisão, para evitar o que se denomina abuso sexual intra familiar. Aliás, conforme a pesquisa net, parece não ter havido movimento nenhum em procura da relação incesto: há outras emotividades em jogo, especialmente a hierarquia familiar, a autoridade que orienta a transferência de bens e saberes, a abertura a interacção social e outras actividades. Muito embora, o incesto tenha sido, e ainda seja uma forma de relação que conserva o símbolo do poder, não apenas entre os sabidos Inca e Faraós, bem como em grupos aldeãos do Egip
to actual, como diz o recentemente desaparecido (12 de Março 2004) Historiador Britânico Keith Hopkins [32]. O incesto para a análise de Malinowski é um complexo familiar e não pessoal: é a batalha entre o direito paternal que orienta o nosso comportamento, e o direito maternal que orienta a exogâmia entre os Massim que estuda para definir o problema. De resto, mais á frente trato do assunto.

Contudo, não é do incesto que queria falar. é apenas da realidade com que se confrontam os pais, onde figuram abusos sexuais dentro da família, violações, pedofilia, incesto, adultério, violência física, abandono de pais e filhos enquanto pai e mãe devem trabalhar. Assunto de ocorrência que transcende a privacidade quando se fala das relações do lar fora de casa, apesar da proibição familiar ou da vergonha que pode acontecer entre os outros membros do grupo social pelo escândalo causado quando o grupo familiar não se comporta como é esperado. Porque, de facto, estas comparações feitas entre comportamentos paternais entre outros grupos, esse romance incrível que aparece na história dos etnógrafos que vão visitar grupos alheios, pode até não ser uma verdade. Mas, pelo menos, é o que a mente do investigador foi capaz de apreciar a partir do modelo usado para analisar a realidade desses pais. Uma mente, como denomino nos meus textos ao pensamento da cultura, que varia conforme o seu próprio contexto pessoal, histórico, experiência de vida, modelo que usa e, especialmente, a cultura á qual pertence. O caso mais típico que me lembre, é o de Meyer Fortes. Passeava pela aldeia Lo-Wiili na qual trabalhava, do grupo Tallensi da antiga Costa de Ouro, hoje Ghana, enquanto o chefe de aldeia, avô, relatava um caso de incesto familiar perante a sua neta de cinco anos, colada á sua mão. Meyer, esse Senhor de África do Sul, expulso após ser encarcerado num campo de concentração por defender a igualdade, teve a gentileza de dizer ao seu amigo se era conveniente falar assim em frente da sua neta. Para Meyer, o incesto era um delito e, como homem religioso, um pecado; para o Lo-Wiili era um facto que acontecia: a criança nascida do incesto era reclassificada na família da mãe, passava a ter o sítio da mãe, era a sua irmã e não havia divindade a punir o facto. A divindade é, entre eles, para orientar e dizer o que deve ser o futuro, com ou sem azar. Pelo que a resposta foi simples: “Porquê? Não é bom que ela saiba o que acontece para depois lembrar e guardar na memória o que acontece na aldeia? Ela não fica mal, estes meios-irmãos são de permanente ocorrência entre nós e é melhor saber a nossa genealogia”[33]. Meyer Fortes, antropólogo, psicólogo, educador, ficou sem palavras e calou, mas aprendeu e ajudou, junto com o seu discípulo Jack Goody, a organizar The People”s Party, partido a ganhar a independência do Ghana nos anos 40, a seguir á II Guerra Mundial do Século XX. Como o próprio Jack analisa nos seus textos sobre estrutura social e politica dos Lo-Dagaaba, clã dos Tallensi, as suas formas de organizar o governo e a suas relações parentais, em conjunto com formas de aprendizagem de leitura e escrita ocidental – as que existiam eram formas e notas de tipo local, entendidas apenas pelos grupos, o que não facilitava a sua união , como a escrita denominada universal ou árabe, tem conseguido no meio dos povos do mundo, tarefa á qual Jack Goody se dedicou como membro do Governo Britânico na Colónia da Costa de Ouro, a seguir á sua libertação dos campos de concentração alemães, que lhe ensinaram muito método de observação participante e muitas formas de interacção social, nem sempre amáveis ou em favor do prisioneiro. Refiro este facto, por serem, Meyer Fortes e Jack Goody os que desde a Grã-bretanha me resgataram também de um campo de concentração fascista, como o deles. Os textos importantes de Jack para este debate estão em nota de rodapé[34].

E a nossa realidade, orientada pela ética das relações? Bem diz um membro do meu seminário de doutorandos que há várias ideias que levam ao entendimento social da criança, antes de ser passada pelo crivo da terapia, psicanálise, entendimento normal do inconsciente e observação punida do consciente. Ideias retiradas do quotidiano que nos governa.

Não é que todo o dito até este parágrafo não pertença á nossa cultura e ao nosso modo de ser, pensar, sentir. Fala-se imenso do mundo globalizado, pelo que não é possível abandonar a ideia da influência em nós, dos grupos sintetizados por mim até esta página e desenvolvidos de forma prudente e sintética, nas seguintes. O mundo é apenas um e a dita globalização não é apenas de economias, mas também de emoções deveres e pensamentos. Pelo menos, Tony Giddens fala assim no seu texto sobre essa Terceira via [35]: como ultrapassar as desigualdades económicas dos diversos países do mundo, por meio de estratégias de organização estatal, politica e económica e organizar o mundo em apenas uma forma de comportamento quanto á manipulação de recursos, como comento no meu livro sobre reciprocidade e mais valia, no prelo. é parte do real dos pais preparar suas crianças na ideia de interagir com grupos além fronteiras, classe social e género, para poder ensinar a essa criançada as formas de interacção entre grupos sociais tão diferentes. Talvez os Muçulmanos Árabes, Xiitas e Sunitas do Paquistão, os Palestinianos e Israelitas da Faixa de Gaza, não tenham a paciência para se juntarem, pelo menos os seus maiores. é dever dos membros destes diferentes grupos da maior religião do mundo, ensinar a diferença teórica e teológica, os planos políticos que fazem dos Sunitas grupos Talismã para a guerra, políticas de investimento que cada grupo tem, o que os obriga a manter uma distância entre si, incluindo disputas de território sobre bases históricas, lei e hierarquia estatal. Tal e qual como acontece entre Cristãos Romanos, Cristãos Ortodoxos Russos, Cristãos Arménios, Cristãos Curdos do Líbano, Ortodoxos Gregos, Luteranos, Calvinistas, Anglicanos e outros grupos da mesma religião, que mal se entendem ou conhecem uns aos outros. é histórica a ideia de dividir o mundo do Século XV em dois grupos, conforme quem seja, assim fala: os Romanos englobavam tudo o que não estava com eles, no conceito Protestante, enquanto os outros denominavam os Romanos de Imperialistas. Nem falo da diferença entre Benfica e Sporting e os debates que causam. Muito mais relevante que esse é o caso Casa Pia, e a pedofilia que tem acontecido, dizem, desde há vinte anos. Mas o que o senso comum nos leva a pensar e a saber é que os mais velhos procuram crianças para prazer físico dentro da linha definida por Charcot, Freud, Klein, Miller, Winnicott e outros que, tal como eu nos meus textos, representamos uma análise e um grito de protesto, um levantamento do protesto queria dizer, dando voz aos mais novos, que não têm epistemologia adequada para se defenderem dos abusos dos adultos. Levantamento de protesto perante as autoridades e os pais que não tiveram atenção com o que acontecia com as suas crianças

Quais destas ideias são as que os pais, na vida real, devem ensinar ao seu rebento? Será pensar antes de julgar, procurar antecedentes e factos, como na pesquisa que tem sido feita e que me tem levado a mim e a um grupo a entender os comportamentos eróticos e dar a voz aos pequenos para os pais entenderem que sentem desejo desde a nascença? Será que os pais, na vida real, debatem com os seus filhos o que acontece no mundo, com a dúvida natural que exprimem de não estarem certos sobre se deve ganhar o defensor da criança denominada abusada, ou se na circulação da criança há uma vantagem para a sua família, quanto ao dinheiro que ganham ao prostituir os mais novos? Freud, como Malinowski, ao falarem de Aberração Sexual, definem o conceito e não adjectivam os factos. Há a ética emotiva que pode fazer pensar que as fellatios referidas por mim são abusos de poder sobre as crianças. O pensamento contrário nunca tem sido ouvido por mim: se a criança gosta ou não da relação erótica com um adulto. No amamentar, por exemplo, estabelece-se, sabemos hoje, uma luta entre um embrião e um adulto que, sem saber, lhe está a tirar o seu alimento, quando o pai penetra a mãe grávida, de um ser humano de três meses. Até onde a rapariga deve ouvir dos seus pais esta realidade e qual a cronologia adequada para saber que amar é também fornicar? Ou, como entender que o conceito adultério não é apenas um facto criminoso, bem como uma rebelião maior do bebé dentro da mulher por ter entrado no liquido amniótico uma química desconhecida para quem não tem capacidade de entendimento, mas sim sempre muita fome e come pela passagem passiva de líquido da mãe ao bebé, por meio do cordão umbilical? Porque, como diz Malinowski nos Argonautas, ou Godelier para os Baruya, ou Iturra ao analisar os Picunche, não há relação carnal entre progenitores enquanto dura a gravidez? O motivo de tanta mulher a viver com ou o marido, se é Maori, ou o homem da mãe se são Melanésicos ou de Samoa, Silva Pereira nos Mapuche Rauco, não tem relação, como relatam pessoalmente os Hugh-Jones, meus colegas e amigos de Cambridge, para os Barasana da Amazónia Colombiana, se não é para evitar termos adultos de mau humor no crescimento, a seguir a luta com o mundo desde o ventre materno? Qual a opinião sobre incesto, a seguir á morte em Março de Keith Hopkins, ou o silêncio da televisão portuguesa sobre a minha defesa da sua existência em sítios de Portugal? O comportamento humano, a sua relação com a sexualidade, é apresentado como um romance dentro do lar e a intimidade, a libido dos pais, um segredo de portas fechadas ou incontinência enquanto se pensa que a criança dorme. Como mais uma narrativa desse outro meu amigo Christopher Hann, quem devia dormir na única cama dos camponeses polacos, por ordem de hierarquia: os pais numa ponta, a carreira de filhos a seguir e, no fim, o meu amigo, hoje catedrático de Antropologia na Universidade de Bona na Alemanha.

Um número inacreditável de questões brota na minha mente, ao pensar apenas na temática. A análise de Etnopsicologia da Infância, como diz Leopold Szondi na sua obra, trata de entender os elementos da cultura por meio dos quais a realidade é impulsionada – fala de pulsões. Mais um Húngaro a contribuir para o entendimento do comportamento das crianças por parte dos adultos e, especialmente dos eruditos, para desenvolver um comportamento que não retire esse novo ser da proximidade dos seus progenitores. Uma modalidade de entendimento usada por émile Durkheim, na base de testes, organizados pelo mal conhecido autor[36], salvo de um campo de concentração e que até aos 90 anos trabalhou com crianças. Este teste criado por ele foi usado e impulsionado por émile Durkheim para o seu texto sobre O Suicídio. Trata o autor de explicar, a seguir aos seus testes em crianças, que o introspectivo das pulsões nessa idade, não é apenas a transferência de factos do exterior para o interior mas, sim, uma interpretação do real que a criança é capaz de desenvolver. Tal como Durkheim prova no seu estudo do suicídio, denominado por ele anômico, causado pelo sentimento do delírio de perseguição que o baixo salário provoca no adulto e na sua família. “Le grand mérite du test de Szondi, c’est á nos yeux qu’il souléve des questions pertinentes davantage qu’il n’apporte de réponses “malheureuses” – “La réponse est le malheur de la question”, comme l’a écrit Maurice BLANCHOT dans “L’Entretien infini” – dans le sens oú elles ferment les possibilités de dialogue.

La structure du moi “primitif” peut trouver un éclairage utile á la lumiére de la théorie kleinienne du fonctionnement psychique.

On sait que Mélanie KLEIN confére un poids particulier au second dualisme pulsionnel de FREUD (Eros-Thanatos) et au mécanisme de clivage en tant qu’il aboutit á distinguer radicalement le bon (objet) du mauvais, premiers représentants représentations des pulsions érotiques et thanatiques comprises dans le sens strict de l’acception freudienne: est érotique ce qui lie, unit et rassemble, est thanatique ce qui sépare, détruit et morcelle.

Mélanie KLEIN prolonge et enrichit les développements de la pensée freudienne inaugurés avec l’introduction de la pulsion de mort dans “Au-delá du principe de plaisir “.[37]

Em conjunto com os outros autores apresentados, Szondi é capaz de entrar pela capacidade de pensamento das crianças e as suas reacções perante o mundo que faz parte delas. O contexto da criança é salientado pelo autor, contexto que na realidade não é considerado pelos pais, o que permite, como diz em parte da sua obra, a existência de adultos narcísicos, psicóticos, ou, mais delicado ainda, omnipotentes como ele e Klein primeiro e Bion a seguir tinham estudado. Ser divindade passou a ser um dos problemas das crianças – já nem falo dos adolescentes que Daniel Sampaio analisa – que, nas minhas próprias palavras, criam aos pais um problema de não saber como agir. As crianças têm a pulsão da morte junto á da felicidade, mas a realidade, como relatava na sua analise o pequeno Richard com Mélanie Klein e Hans com Freud, eram e são capazes de não ouvir os seus pais, os seus progenitores ou adultos que, para eles, devem desaparecer das suas vidas, como refiro no capítulo 4 E, também nas minhas palavras, a partir da minha observação de campo, desejam ver desaparecer os seus adultos. Já longe da ideia de édipo, pelo problema de globalização que nasce em 1775, Adam Smith ao lançar essa ideia da divisão do trabalho e que toda a população deve participar de forma autónoma e individual na riqueza da nação. Sabemos, e tenho explicado em outros textos, que Durkheim rebate a ideia em 1893,porque a divisão do trabalho é social, não apenas porque um faz o que o outro não sabe, bem como porque depende das capacidades, habilitações, formas da economia dentro da vida política e social, que permite ás crianças, ultrapassar os ciúmes Edipianos, entrar nos ciúmes da concorrência, do consumo, das formas de vestir, do gasto para além das possibilidades e recursos. Situação que Szas tinha previsto com os seus estudos de teste e que Durkheim desenvolve para adultos e eruditos, em toda a sua obra , incluindo a que ajuda Lenine a derrubar o Império do Czar. Esta análise passa pela de Piaget, que experimenta apenas saber o conhecimento dos pequenos, porque entronca com a política contextual do objectivo de vida e de auto-estima. Se o leitor passar os olhos outra vez pelo texto que acabo de citar, será capaz de entender que a criançada coloca os adultos contra a parede: tenho estes meios, tenho este desejo, o meu grupo gasta em corridas, há quem passe droga e dinheiro, a minha inteligência e o meu corpo vão com eles. As pulsões tanáticas estão presentes dentro de um mundo que está sempre em guerra ou em debate entre classes sociais, pelo que procuram refúgio dentro das pulsões eróticas, organizadas dentro do comércio globalizado, facilitado pela queda do simbolismo que ajuda a entender hierarquias e formas de pensamentos que alimentam o saber erudito. A criança, desde a idade denominada do fim de édipo, acaba por entrar numa corrida que pára na falta de simpatia solidária entre seres humanos.

Bem entendido, não tenho percentagens para basear a minha hipótese, mas tenho essa percentagem do método qualitativo do trabalho de campo, da observação participante retirada da vida com gente miúda faz já mais de 25 anos. Eis porque as análises de Durkheim e de Zsas despertam em mim um grande entusiasmo. é impossível não juntar a estes autores as ideias de Bion sobre aceitar a dor para desenvolver o entendimento. Quase como uma ideia religiosa de mim para com os outros, dentro da qual o símbolo exogâmico acaba por ter um valor que me leva a afirmar, sem hesitação, que o objectivo da interacção social e da acção do inconsciente é não ferir bebés com adultérios, nem aceitar dois factos que acontecem facilmente nos lares: a pedofilia e o incesto. As etnias que tenho analisado têm resolvido o caso com rituais clãnicos e mitologia que apura a forma de agir.

Não é outra, para nós próprios, que o mito da Génese, Capitulo 4, sobre Caim e Abel[38]. é apenas um exemplo de várias actividades: para começar, da existência de uma divindade que sabe punir conforme entende, essa que Feuerbach tinha analisado em 1841 e da qual quer Marx, quer Freud, retiram a teoria da alienação, como analiso mais á frente e noutros textos. E, em segundo lugar, estamos a falar duma actividade denominada sacrifício, oferenda, que significa derramar sangue, esse sangue derramado que faz parte do acreditar nas normas culturais dos cristãos, a maior parte da população que nos interessa para este texto, ideia de sangue que retira a ideia de pecado e de crime e facilita a corrida actual entre Eros e Thanatos, num processo religioso civil, sem importar se vive ou morre, se mata, rouba ou engana, como fez Caim na sua oferenda: retira bens não adequados para tamanha magnificência, como uma divindade sem nome, que tinha punido os seus pais. Não há o problema de édipo no caso do mito, mas sim de falta de cumprimento da lei de respeito á consanguinidade e ao parentesco. Caim é um Thanatos que Freud não usou, muito embora tenha usado o Tora em grande parte da sua teoria, como Klein e Bion os Evangelhos. No mito referido, Abel aparece apenas num verso, pelo facto de a sua conduta ser normal, a que corresponde: entregar o melhor do seu gado e sacrificá-lo, como acontece em todas as Bíblias, num prenúncio da morte de um outro mito ainda, Jesus, que é morto como cordeiro e é usado no caso pelos terapeutas franceses, como analiso mais á frente: um anti – édipo que ama o pai que o mata, mito acreditado por milhares de pessoas e comemorado, especialmente entre nós, todos os dias. Vivemos, como se depreende da Génese, dentro da sociedade do sangue, do sacrifício, da entrega, não para entender, mas para atingir á Massim, uma outra vida e fugir do conhecido Thanatos. Caim é o melhor exemplo do caso. O contexto cultural é a forma de entender o pensamento, desde que se leiam os textos, se comemore o ritual como tantos antropólogos fazem, se entendam os símbolos e os mitos sejam respeitados dentro da verdade que levam em si, como esta do pecado e do bem e do mal de Caim e Abel, útil para analisar o saber das crianças e o seu imaginário sem os pais terem que entrar pelas raivas e pelas formas de punição que Evangelhos e Bíblia definem com detalhe. é suficiente observar Fátima em Portugal e a Faixa de Gaza no Oriente, para sabermos que é muito diferente dos Baruya, a nossa relação de resiliência, definida por Boris Cyrulnik – como analiso no Capítulo 2-, para desenvolver o amor ás crianças que são “pequenos patos canalhas“, e também para os pais entenderem o seu dever de amar com respeito esse bebé chorão que quase não lhe permite trabalhar no dia seguinte. Há uma excelente contradição entre o dever de amar e o de ser agasalho da descendência: na nossa sociedade, como no Jardim do Edén e fora do mesmo ainda mais, não é permitida essa definida capacidade de entender, que é denominada inaudita capacidade de amar apesar do peso da criança e da sua educação como filho e ser humano

É o mito que faz lembrar essa descendência de Bion, incrustada em Cyrulnik, analisada no Capítulo 2, de forma sintética: a resiliência precisa de muita análise e trabalho de campo com bebés e com os seus progenitores. E, da parte dos pais na realidade, de uma grande paciência para entender o produto da sua paixão e saber que um dia cresce e acaba por não ser a filiação á qual nos tínhamos habituado, como comento no Capítulo 3. Os filhos largam os pais e estes, devem ver, ouvir e calar e permitir que a geração seguinte, seja capaz de melhorar essa relação tão complexa, essa de sermos pais, sem entrarmos pelas ilusões, mas dando força ao real.

Normalmente, pensa-se que o que interessa para a Etnopsicologia é entender porque os pequenos não devem chorar, uma minha orientada de tese de doutoramento colocou-me no Seminário quatro questões que me fizeram pensar: a primeira uma frase já consagrada: “os meninos não choram”, primeira ideia da repressão das emoções que sofre parte de humanidade que nos acompanha na vida. O pranto é o resultado dos sentimentos feridos ou frustrados e cura toda e qualquer pessoa que faz luto por uma actividade mal construída, ou, pior ainda, pela perca de um ser humano que ama. A seguir, a repressão dos pais na realidade, está consagrada ainda numa outra frase: “se te portas mal, apanhas”. Por outras palavras, há uma vara de medida do que se deve e não deve fazer que, na sua sabedoria infinita, omnipotente, os progenitores conhecem: é o facto de se ser bem visto porque a nossa descendência é amável, gentil, atenciosa….conceitos distantes de uma epistemologia a crescer. Mas, para os pais, adultos que optam – e nem sempre bem – os seus mais novos devem fazer como eles e assim ganham a resiliência, moeda grátis, e não trinta denários de prata, sempre ao pé do pequeno que já sofre imensa raiva e a exprime á sua maneira. Um adulto tem uma ironia simpática suficiente para aceitar pulsões que podem ferir o ego e os outros. Esse outro tão importante de analisar na Antropologia, que converte a Etnopsicologia numa ciência de direito próprio, sem um método previsto para classificar o comportamento, como faz a psiquiatria. Daí que tenha escolhido Etnopsicologia: não tem clínica, observa e aprende e abstrai para propor mais compreensão na relação adulto criança. Como essa outra frase dita, a terceira, que pretende regulamentar a conduta rebaixando os pequenos: “meninos que não lavam as mãos são porcos”, é dizer, uma metáfora dura, suja, que dita com zanga, acaba por deixar cair o pequeno dentro de uma grande melancolia a ser paga nas depressões do adulto. E digo assim tão forte, porque estas frases, com punições e gritos, são parte do quotidiano da criança que apenas deseja fugir dos pais: um édipo social, com libido emotiva ferida, a ser guardada para a vida adulta, queira ou não o indivíduo. Como a outra fatalidade que indica o desapreço de quem apenas sabe procurar carinho: “já viste esse menino tão sossegado e tu tão irrequieto, que mete nojo? Não sabes fazer como ele”?

Grande dor que nos acompanha desde a concepção até á morte e que tento analisar nas poucas páginas que hoje em dia uma editora permite.

Quais as crianças? Estão definidas mais em frente: essas que são pensadas, a mãe engravida e até os 4 anos, não sabem muito bem por onde andam, excepto que têm um conjunto de inimigos em casa, e talvez fora dela, se o seu alimento e carinho primário lhes forem retirados.

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