as mortes da doença

a solidão é outra forma de morte

Nunca, mas nunca, pensei que uma doença pudesse ter tantas mortes e todas elas diferentes. De índole diferente. Conhecia apenas uma, a que todos sabem: a do corpo que fica sem alma como definiam os gregos clássicos antes da nossa era. Ou essa morte física em que a alma, como define Agostinho de Hipona no seu texto As Confissões, do ano 398, editado primeiro em pergaminho, para passar a suporte de papel a partir do Século XVI, editada a versão, que guardo comigo, em 1937 por Thomas Nelson & Sons, Ltd, London, Edinburgh, Paris, Melbourne, Toronto e New York; não é a mais antiga, mas sim, após pesquisa na Biblioteca da minha Universidade de Cambridge, a que usa o significado das palavras latinas da época traduzidas para o inglês antigo: Great art Thou, and greatly tobe praised; great is Thy power, and Thy winsdom infinite, morre pelas ofensas causadas à Divindade que a tinha criado. Em XIII pergaminhos, confessa publicamente os seus pecados e manifesta o seu arrependimento, afirmando estar certo de gastar muito da eternidade às portas do paraíso (o Purgatório ainda não tinha sido criado, pois surge no Concilio de Trento, Século XVI, após a separação das

igrejas cristãs pelo alemão Martin Luther, o suíço francês Jean Calvino e o escocês John Knox). Apenas cabia o arrependimento e a espera entre a morte e a entrada na eternidade. Do africano Bispo de Hipona, é, de momento, tudo o que interessa saber. Caso esteja interessado, pode o leitor consultar os meus textos de 2002: A economia deriva da religião, Afrontamento, Porto e A Religião como Teoria da Reprodução Social, Fim de Século, Lisboa, 2ª Edição corrigida e aumentada (1991, Escher). Fundamental para entender um tipo de morte é Tomas de Aquino, que escrevera, entre os anos de 1262 a 1273, com a teoria escolástica de perguntas e respostas, o seu texto, composto actualmente por seis volumes, intitulado Suma de Teologia, sendo Suma compêndio ou síntese. A leitura do livro revela que a morte da alma com o corpo ainda vivo, é a cobiça, os altos juros cobrados por empréstimos em dinheiro, a usura, o ultrapassar os limites do livre arbítrio e a lei natural pela luxúria e o estupro que praticam, e, ainda, relações sexuais com crianças ou pedofilia, prazeres usados em abundância na Grécia Clássica, na moderna, na Roma Imperial e outros sítios que especifico no meu texto A religião é a lógica da cultura, escrito para o Aventar na semana anterior, ainda Dezembro de 2010, retirado de A religião nas Sociedades Contemporâneas, publicado como livro em 2004, Afrontamento, Porto, resultado de um Seminário na Universidade da Beira Interior, 2003, coordenado por Donizete Rodrigues. Ora, ninguém quer estar perto de pessoas desse tipo fugindo do que consideravam ser a morte (da alma) em vida. Como qualquer doença física ou somática. É evidente que Aquino retira as suas leituras para esta Suma, dos textos do teólogo Muçulmano Al-Farabi, que tinha lido Aristóteles, como explico no texto citado, publicado em Afrontamento e em Aventar.

Cito Aristóteles e Al-Farabi, por não ser delito nesses tempos manter relações de adultos com crianças, até Aquino as condenar e as tornar pecado. Ainda hoje há prostituição de crianças, exceptuando-se desta situação os actos rituais.

Estas ideias fazem-me pensar que a doença não é apenas a falta de saúde de um corpo vivo, doença que não lhe permite trabalhar nem interagir com os outros. A doença corporal pode causar repulsa entre os pares e, certos já de que essa pessoa não deve morrer tão brevemente e perdidos os laços de trabalho em conjunto, é considerado um ser inútil, como define Adam Smith em 1776: An inquiry into the resaons and causes of the wealth of Nations, o trabalho é a produtividade do ser humano, o seu afazer, o seu destino, definido pela divindade. Como Hipona, o Bispo cristão africano, os autores citados correspondem à ideia de ser a salvação ou vocação para morar, após a morte do corpo, com a divindade. Quem assim não faz, sofre os castigos do esquecimento social e as chamas do inferno Como presbiteriano que era, sabia que o trabalho é a salvação do ser humano, que existe uma vocação para o trabalho definida pela divindade no dia em que a humanidade foi expulsa do jardim do Éden, como diz a Bíblia, comum para todos os Cristãos, com diferenças apenas em rituais de sacramento, como a confissão, que entre luteranos é pública e inexistente entre presbiterianos e anglicanos. Apenas entre os Romanos Católicos é uma obrigação de vida ou de morte.

Aquino, como Agostinho de Hipona, no livro, de 432, La Ciudad de Dios, Porrua, Buenos Aires-Madrid, considera a falta de solidariedade e seriedade no trato entre seres humanos – esse falar mal de outros na sua ausência, opinar como um juiz sobre o comportamento alheio -, um pecado, que eu próprio defino como garantia da reprodução social em O Pecado como garantia da reprodução social, editado por Henrique Gomes de Araújo, no livro de 1991, Portugal e a Europa ASA, Porto.

Todavia, quem mais analisou e comparou as doenças éticas e corporais, foi Max Weber, especialmente no seu texto, de 1904 e 1905, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, que analisei detalhadamente em vários dos meus livros.

A doença, porém, é o medo de morrer e não viver de novo ao pé da divindade, especialmente se esse temor causa infecções somáticas que dão cabo da vida de uma pessoa.

Entre todas as teorias que tenho estudado em várias partes do mundo, a procura da caridade como o acolhimento do outro, é o mais ansiado. No há parábola ou metáfora em religião nenhuma, como a Baloma dos Massim da Oceânia, até os comentários de Marx ao definir em 1848 a religião como o ópio do povo e os comentários de Ratzinger (Bento XVI), que louva Karl Marx por este ter entendido o que é a alienação: esse retirar do produtor a peça fabricada e o alto preço a que é vendida, denominada mais-valia, da que se apropria o proprietário dos meios de produção, pagando um salário muito baixo ao operário que criou a obra o que acaba por ser uma felonia que brada ao céu e faz adoecer as pessoas.

A doença é esse resultado da espoliação da obra, ao seu fabricante.

Eis porque intitulei este texto as mortes da doença. Não existe apenas uma doença, são várias e a morte é apenas uma, há que o ser humano tem terror.

Eu acabaria por dizer que há várias formas de morrer por causa da luta em se confrontar com os maus tratos pela diferença de classes e porque o saber doutoral não entende a religião para a aplicar como parte da sua cura. A morte física, é apenas uma; a social, todas, e ainda mais das que tenho enumerado ao longo do texto. O luto é o que manifesta essa tristeza real, enquanto as outras mortes, causam em nós desespero, abandono, desânimo. É a morte em vida da que tanto falam os luteranos, anglicanos e, de forma mentirosa, como sabemos hoje, que durante o ano 2010 a pedofilia foi descoberta entre curas católicos e em internados laicos.

A doença é definida como falta de saúde. Eu diria, que a doença é o comportamento antiético dos seres humanos, quando não há motivo para ela…excepto a falta de domínio da libido como Freud nos ensinara em 1922: O Ego. O superego e o isto ou Id. A sexualidade é brincadeira que faz temer morrer em pecado, e pensar na predestinação. Toda a religião pensa que o seu comportamento é pecaminoso por…doença ética. Testemunha desse abandono, sou eu próprio, entre seres humanos estudados e estes dois anos de sobre vida que tive que ganhar acompanhado apenas por uma pessoa: a mulher que amo e pela minha «Santa Ana» a quem pago para tomar conta da minha casa e da minha pessoa. Os trabalhos parecem ser duros e esta casa, antes cheia, é hoje um ninho vazio….Essa doença que mata em vida….

Pensamos já no nosso comportamento intersocial, já pensamos nele? Doença, morte em vida? A realidade do abandono por não termos poder sobre outros.

Chopin – Sonata en si bemol menor Op 35 (3er Mov – Marcha Funebre

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