I love you, you pay my rent: comentários sobre a banalidade.

Sabe Deus o que me custa comentar notícias em cima do joelho. Bem sei que o ferro deve malhar-se enquanto está quente, mas eu, apesar de descender desta ilustre cepa de oficiais mecânicos, não aspiro, hoje, às artes da ferragem. Por isso, dispenso correr para cronicar sobre factos que a comunicação social atira à cara dos leitores, à espera que o barro pegue e seque.

As presidenciais são assunto que não interessa. Já o disse aqui. De resto não há grande assunto para falar. Os candidatos podem prometer (e prometem) mundos e fundos. Mas a única coisa que farão será cortar fitas, fazer discursos bonitos e limitar-se a cumprir a constituição. Dissolver o Parlamento? Para quê? Isso são resquícios de um anti-parlamentarismo que não combina com a ideia constitucional. Ao contrário do que diz o senhor Cavaco Silva, que faz homem do povo,  ele não é a aduela no arco institucional da república, nem a sua figura moderadora. O senhor Cavaco Silva é uma criação ideológica. Foi primeiro ministro, conhece muito bem o Estado e pertence ao aparelho partidário do PSD. É um hábil manipulador por detrás daquela imagem de wannabe-salazar, filho do gasolineiro de Boliqueime, pobre e honrado, como o de Santa Comba Dão que o país tanto amou, durante tanto tempo.  Não é, nem nunca vai ser o presidente de todos os portugueses; não é minimamente imparcial, nem transmite confiança a uma grande parte dos eleitores. Em república, querer ser aquela figura congregante, paternal, independente, só pode resultar numa aberração, num Frankenstein ideológico. De resto, isto serve para qualquer um dos candidatos, desde o tristemente Alegre, vago marxista reformado, até ao tresloucado José Manuel Coelho, que acha que a política é um circo (e, de todos, talvez seja o que está mais próximo da razão). Todos estão vinculados a partidos, a promessas que não podem cumprir e a uma figura que é uma espécie de gato Cheshire: aparece aqui e ali, de vez em quando, sorrindo e soltando proverbiais sentenças que a ninguém interessam.

Este pretenso sistema democrático só funcionaria se cada um de nós pudesse votar em cada um de nós. Se um processo electrónico qualquer permitisse que todos os cidadãos votantes portugueses fossem realmente elegíveis, ainda compreenderia a pertinência do acto. Mas chegar a presidente da república, desconfio, é mais difícil do que ir ao “Quem quer ser milionário”.

Depois, não tenho jeito nenhum para comentar crimes. Sou um fã incondicional de Poirot e da sua criadora, mas sou inábil no que toca a deslindar enredos policiais. Como tal, a história de Carlos Castro e Renato Seabra, embora não me passe ao lado e, vá lá, nos coloque a um nível cosmopolita de L.A. ou Miami, não é assunto que me instigue a grandes comentários. Mas a histeria está incontrolável. Eduardo Pitta e Guilherme de Melo vieram logo gritar: a culpa é da Igreja, pelo ulterior estado acolitável do moço Seabra, esquecendo-se, porém, que homicidas existem desde o início dos tempos (mesmo antes da invenção da túnica branca de acólito), ou que a JSD de Cantanhede, que já entrou na história pela mão nervosa e provavelmente imbecil de um daqueles cronistas, é completamente irrelevante para aquilatar deste axioma: amor e morte andam sempre de mãos dadas. A hipocrisia de ambos os lados não me surpreende (deve ser do ofício de Historiador, que quanto mais perscruta o Passado, menos se espanta com o Presente): que fosse uma relação desequilibrada, não é preciso ir muito longe e é certo, certinho, que o oportunismo faz parte destas simbioses, como a música dos Pet Shop Boys: “I love you, you pay my rent (It’s easy, it’s so easy)”. Mas, por favor, nem endeusem os que partem, nem elogiem os que ficam. Outro crime virá que não olha a sexo, nem idade, que morrer, felizmente e infelizmente, é acto mais democrático do que escolher um presidente para a república.

Dou afinal comigo a pensar como este país é tão pequeno para grande comentários. Ao menos Bernardo Soares fez da banalidade uma obra de arte e Raúl Brandão, com o seu próprio livro desassossegado, o Humús, descreveu para Guimarães, como ninguém, o que podia ser descrito para Portugal –  uma enorme vila, onde mudam apenas os actores. Os diálogos de hoje, esses são iguaizinhos aos de ontem, repetidos, monocórdicos e mesquinhos.E isto não é problemas de uns. Em Portugal, o tal “povo” não tem formação e as elites são mal formadas. E isso é que é trágico…

Post scriptum: Este é o meu primeiro post no Aventar, para onde fui convidado e com gosto aceitei. Já por várias vezes aqui vim discordar (e concordar, também, embora o não tenha deixado expresso) e espero continuar a fazê-lo, participando nesta discussão comum, desde que com recurso ao fair-play e à lealdade, algo que muito prezo e quanto a mim tem faltado no espaço global da Rede… Cumprimentos a todos.

Comments

  1. Bem vindo, Nuno. Gostei, venham então esses posts malhados em ferro frio. 🙂

  2. carlos fonseca says:

    As minhas boas vindas também, Nuno. Creio que o pluralismo do Aventar fica reforçado.

  3. A. Pedro says:

    Benvindo Nuno, bons posts.

  4. Obrigado, a todos 🙂

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