Albano Martins

Como toda a gente sabe, Albano Martins é um grande poeta, reconhecido nacional e internacionalmente, tendo realizado também magníficas traduções de poesia grega, italiana, sul-americana e espanhola. Licenciado em Filologia Clássica, é professor na Universidade Fernando Pessoa. Tem poemas seus traduzidos em espanhol, francês, inglês, italiano, chinês e japonês.

Foi galardoado pela República Chilena com o prémio “Diploma da Ordem de Mérito Docente e Cultural Gabriela Mistral ”, no grau de Grande Oficial. Este galardão chileno, considerado o Nobel da América Latina, foi entregue pelo Embaixador do Chile em cerimónia realizada na Universidade Fernando Pessoa, cerimónia organizada pelo Centro de Estudos latino-americanos, a que tive a honra de assistir.

Albano Martins é uma voz maior da nossa poesia, sobretudo pela sua rara qualidade e pela sua coerência estético-literária. Uma poesia discreta, que absorve da vida a sua luminosidade, uma poesia em que o autor se empenha na valorização da palavra, depurando-a e procurando dela extrair a sua essencialidade rítmica e significante.

Pertenço a esta

geografia, ao lume branco

da resina, ao gume

do arado. A minha casa

é esta: um leito

de estevas e uma rosa

de caruma abrindo

no tecto do orvalho.

No livro de José Fernando Castro Branco, cuja capa em baixo se mostra, há um capítulo intitulado “A Pintura dos Poetas e A Poesia dos Pintores”, capítulo que sobremaneira me agrada, pois, como diz o autor, se nota que em Albano Martins, a direcção do movimento metamórfico está bem determinada numa poesia visualizante, em que ele procura  dar-nos a visão e não o retrato.

Também os olhos

são de calcário e a pomba

dos lábios a que apenas

falta um sorriso

para se erguerem em voo

rasgado sobre as têmporas.

E de calcário

é a luz

aprisionada

no ouro

das pupilas, o secreto

verniz das pálpebras.

Encimam-lhe

a cabeça duas luas

estreladas e, no rosto

e na cinta

que lhe modela os cabelos, quem pensa

é o próprio pensamento. O da beleza

que de si mesma

nasce, a si mesma

se contempla ou de si mesma

se enamora e a si pertence

unicamente. Ou ao tempo que,

discretamente,

a possui.

Foi este título “A Pintura dos Poetas e A Poesia dos Pintores”, que me fez lembrar este grande poeta, e trazer aqui, sobre ele, estas minhas singelas palavras. Mas esta lembrança aflorou em mim, sobretudo por haver duas coisas que a ele me ligam particularmente. Sem qualquer tipo de presunção, mas com muita honra e orgulho, permitam-me que aqui as transcreva.

A primeira foi a escolha de um quadro meu para a capa deste livro sobre Albano Martins:

A segunda é um belo texto que Albano Martins escreveu sobre a minha pintura e poesia, texto de que muito me orgulho, vindo de quem vem:

Adão Cruz

O Canto da Arte e da Vida

Albano Martins

Das pinturas de Adão Cruz se poderá dizer com propriedade o que dos desenhos de Federico Garcia Lorca disse um dia Miró: que eles parecem obra de um poeta, sendo esse, nas palavras do pintor catalão, o melhor elogio que pode fazer-se a toda a expressão plástica. No caso de Adão Cruz (como, de resto, no de Garcia Lorca), o dito encerra o seu quê de redundante, uma vez que, além de pintor, ele é também autor de alguns livros de poemas, em prosa e verso.

De um poema seu, precisamente “Dedicatória”, é este verso: “Continuo a pintar o vento”. Eis uma declaração que soa como profissão de fé do pintor, mas se serve dos instrumentos do poeta: a linguagem das metáforas. Pintar o vento é acordar “o sonho adormecido”, é dar vida e movimento ao papagaio triste ancorado no chão, à espera do impulso – do vento – que o solte, lhe dê asas e o transforme em pássaro azul. É pôr na boca de um “deus caído” o grito de revolta contra os “sonhos desfeitos” e sacrificar no “altar da utopia” as últimas reses dum carnaval de sombras e de luzes.

A história que invariavelmente as telas de Adão Cruz contam é esta: a da caminhada do homem em direcção à “utopia do real absoluto”. E se este, como queria Novalis, é a poesia, então é a poesia, isto é, a essência do real, que Adão Cruz busca através das suas criações pictóricas.

Entre a “luz e a sombra”, “a morte da razão” e a “ditadura do tempo”, há uma lua ao alcance da mão. Caída, espera a luz que a restitua ao espaço de onde veio e a que pertence. Tarefa do pintor, essa de, com os instrumentos da arte, resgatar do luto e do vazio os “sonhos perdidos”. Consciente do seu destino, mas também da sua força, por reduzida que seja comparada com a grandeza do universo de que é parte integrante, ao artista cabe (sempre coube, ao que supomos) reencontrar – reinventar – os elos perdidos da cadeia, a decifração dos enigmas que sustentam a casa dos homens e interpretar os sinais que todos os dias nos chegam do cosmos onde, afinal, “risível partícula de poeira”, nos situamos e movemos. Como para Jorge Pinheiro, também para Adão Cruz “não se trata já (…) de procurar um sentido no seio da pintura, mas de, através da pintura, tentar compreender o sentido da vida”. Ou talvez – quem sabe? – inventar “o caminho do sol” com a ajuda de algumas tintas e umas gotas de sangue retiradas do coração ferido do real.

Comments

  1. graça dias says:

    auto… auto… auto biográfia em triplicado. Será triplex a zezinho socrates! …

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