as minhas memórias-6-a aplicação da lei

a memória existe e é escrita e para obedece à lei

Pareciam-me uma ignomínia as formas de tratamento dos patrões aos inquilinos, especialmente se eram da Nação Mapuche. Porque denomino Nação ao que se designa normalmente uma etnia na nossa ciência da Antropologia? Primeiro, porque eram os proprietários da terra tomada pelos invasores estrangeiros, pelos huinca. Porém, para os Mapuche, eu não era chileno, era estrangeiro ou huinca. Este conceito não está definido no Dicionário Da Real Academia da Língua Espanhola, por não ser palavra da mal chamada Língua Espanhola. Como também não aparecem as palavras usadas pelo luso – galaico da Galiza, ou o Bable das Astúrias, denominado pelo arrogante Dicionário citado de dialecto de los asturianos, ou o euzkaro das Províncias Bascas que a real academia da língua não reconhece como idioma do Reino de Espanha, tal como a língua Catalã, que define como Lengua romance vernácula que se habla en Cataluña y en otros dominios de la antigua Corona de Aragón, apesar disto, o meu avô paterno, aragonês, falava um Castelhano quase imperceptível. A língua aragonesa foi apropriada pelo Catalão e pertence a essa ordem de sintaxes, como a língua das ilhas Baleares e de Valência, todas elas definidas como as que se falavam no antigo reino e principado de Aragão, título hierárquico adjudicado ao filho do rei, com vista à sua preparação para um dia ser rei e governante. Os tempos passam, os factos históricos mudam, os Reis Católicos unificaram Espanha, retirando das suas coroas todo o rei ou rainha que não fosse Castelhano. Espanha ficou unificada pelos Castelhanos, por outras palavras, pelo Reino de Castela, governado por Isabel I de Castela, casada com o Rei Fernando de Aragão, que renunciou à Coroa para ser, conjuntamente com a sua consorte, o Rei da Espanha unificada, como analiso no meu livro Esperança, uma história de vida, editado por Carlos Loures em Estrolabio.

A partir da unificação de todos os reinos e califados árabes e mouros, nasce o Estado Espanhol, justo na época em que um Novo Mundo foi descoberto, como referi no Capítulo 5 deste blogue, o denominado, primeiro Índias Orientais, mais tarde as terras de Américo, para acabar por ser o Continente americano ou América. Como Isabel falava Castelhano e o seu povo também, a nova Espanha foi confrontada, pela primeira vez, com a substituição das línguas maternas pelo castelhano. Castela-Mancha faz fronteira com Castela-Leão, Madrid, Aragão, Valência, Múrcia, Andaluzia e Estremadura e é composta pelas províncias de Toledo, Cidade Real, Cuenca, Guadalajara e Albacete.
A capital de Castela-Mancha é Toledo. São parte dos reinos anexados a Castela por Isabel I e obrigados, pela primeira vez na história do Estado Espanhol, a falar a língua da Rainha e dos seus súbditos. A segunda vez, foi na época do Ditador da Espanha, que governou o Estado, durante quase 40 anos, desde 1939 até 1975.
Isabel de Castela acautelou a liberdade dos reinos unidos a Castela – La Mancha, mas sob a sua soberania. Unificou Espanha, acabando com os invasores mouros e sentando na Nova Espanha, um conjunto de castelhanos e de outros reinos, sucedâneos de Isabel. A lei foi sempre respeitada, permitindo aos seus súbditos reger as suas terras e relações sociais e integrando nas novas leis os costumes dos antigos reinos (veja-se, a título de exemplo, os éditos da Espanha unificada).
É o que me interessa neste ensaio: quem governa a quem e como são tratados os súbditos ou empregados, qual a sua hierarquia e respeito, isto é, qual a divisão em grupos sociais e as guerras, no caso de Espanha, exercidas sobre os mouros que tinham vivido durante Séculos, no que era a Península Ibérica. Isabel de Castela não teve piedade, mandou-os, derrotados, de volta ao norte de África,  bem como confinou, os que não tinham para onde voltar, em bairros próprios; fez de Granada e Sevilha judiarias, isolando os judeus nessas ruas estreitas e mal tratadas. Simbolicamente, cristianizou os locais de culto antes israelitas e islâmicos, o que se manteve até à morte do ditador, em 1975, tão ou mais cruel que Isabel de Castela, ambos invadiram, expulsaram pessoas, mandaram construir monumentos em sua glória, arquitectura que serviu também de túmulo para os que não suportavam os trabalhos e as faltas de comida.
Lembro-me bem do dia que visitei, na companhia de um grupo de ingleses, esse monumento imenso, que levou vinte anos a ser construído, El Valle de los Caídos, sepultura dos franquistas e do ideólogo do fascismo espanhol, José Primo de Rivera, com um mausoléu inocupado para servir, no dia adequado, de túmulo ao Ditador, como de facto aconteceu, e o guia fantasiava sobre a monumental construção, o que me levou a pedir a palavra, explicando aos britânicos, que nada sabiam da história de Espanha, qual a ideologia e os objectivos subjacentes à edificação do Vale dos Caídos, e a quantidades de mortos republicanos, inimigos de guerra, que repousavam sem caixa nem sacramentos, que lhes servia de alicerces. O guia, que sabia que eu também falava castelhano, afastou-me do grupo, e falou em segredo comigo: O senhor está a correr um grande risco, eu sou republicano e a guarda civil infiltra pessoas à civil para saber o que se fala e se comenta. Se o senhor não tem medo da morte, e é também republicano e tem parentes soterrados neste solo, pelo menos pense em mim, na minha mulher e nos meus filhos: posso ser detido, encarcerado e perder o meu posto de trabalho.
Foi assim, nos meus juvenis vinte anos, que aprendi uma lição sobre a lei. Calei, o guia agradeceu.
No caso do Chile, foi Andrés Bello quem pôs ordem num país tão devastado pelas guerras civis, as políticas, até à venda de matéria-prima, organizando as hierarquias sociais, através do seu Código Civil. Andrés Bello, natural da recente República Bolivariana da Venezuela, foi um dos membros que lutou, ao lado de Simón Bolívar, pela sua independência da coroa de Espanha, o que veio a ocorrer em 5 de Julho de 1821 e o reconhecimento internacional em 1845. A Venezuela, oficialmente República Bolivariana da Venezuela (em espanhol: República Bolivariana de Venezuela), é um país tropical, na costa norte da América do Sul. O país possui várias ilhas fora do seu território continental situadas na costa do Mar do Caribe. A república é uma antiga colónia espanhola que conquistou a sua independência em 1821. Antes da chegada dos europeus, a Venezuela era habitada por vários povos dos quais se destacam os índios caribes, os aruaques e os cumanagatos.
Em 1498 Cristóvão Colombo chegou à costa da Venezuela durante a sua terceira viagem ao continente americano. A colonização espanhola iniciou-se em 1520, incidindo nas ilhas e na região costeira. Em 1567 foi fundada a cidade de Caracas, que se tornaria o centro mais importante da região.
O território que é hoje a Venezuela esteve dividido entre o Vice-Reinado do Peru e Audiência de Santo Domingo até ao estabelecimento do Vice-Reinado de Granada em 1717. Em 1776 a Venezuela tornou-se uma capitania-geral do Império Espanhol.
Pareceu-me importante abrir este parenthesis para dar as coordenadas do país natal de quem pôs ordem dentro do meu país, Andrés de Jesús María y José Bello López (Caracas, 29 de Novembro de 1781Santiago de Chile, 15 de Ouctubro de 1865) foi um filósofo, poeta, filólogo, educador e jurista venezolano, considerado como um sábio humanista importante da América. Era de uma profunda educação autodidacta, tendo nascido na cidade de Caracas, capital da  Capitania General de Venezuela, onde morou até 1810. Foi professor do Libertador de Latinoamérica Simón Bolívar, participou no processo revolucionário que levaria à independência de Venezuela. Como parte do bando revolucionário, participou na primeira missão diplomática a Londres, cidade na que residiria por quase duas décadas. Em 1829 embarca para o Chile, onde foi contratado pelo governo, desenvolvendo grandes obras no campo do Direito e das Humanidades. Como reconhecimento do seu mérito humanístico, o Congresso Nacional de Chile outorgou-lhe a nacionalidade por gracia em 1832. Fonte para as duas citações: Vargas, Francisco (2008-2010), Nacionalidad por gracia de Andrés Bello, Revista Chilena de Historia y Geografia, Santiago de Chile: Sociedad Chilena de Historia y Geografia; e Prado, Juan Guillermo (2008-2010), Reflexiones en torno a la nacionalidad chilena de Andrés Bello, Revista Chilena de Historia y Geografia, Santiago de Chile: Sociedade Chilena de Historia e Geografia, Andrés Bello en la Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes e Association Andrés Bello des juristes franco-latino-américains.
A minha ideia não é escrever a historiografia, mas sim referir duas obras importantes, de entre tantas que realizou no Chile, foi o fundador de dois jornais, Senadorpor la ciudad de Santiago entre os anos de 1837 e 1864 e  Reitor da primeira Universidade de Chile, em 1842. Antes desta data, existia a Real Universidade de San Felipe, para nobres espanhóis e criollos (descendentes de espanhóis nascidos na colónia do Chile, mais tarde Reyno do Chile). La Real Universidad de San Felipe fue la primera universidad del estado, creada durante la pertenencia del actual territorio chileno a la Monarquía Hispánica por el Rey de España en 1738, fundada en Santiago de Chile en 1747 e iniciadas sus actividades docentes en 1758. É a imediata antecesora de la Universidad de Chile.
Como Primeiro Reitor da Universidade do Chile, 1842, o seu primeiro ensejo foi desenvolver a Filosofia, Filologia, Língua Castelhana e Direito. Este conjunto de saberes leva-o a esboçar e a escrever, mais tarde, o primeiro Código Civil do Chile, uma legislação revolucionária para o seu tempo. Estabelece a livre vontade para celebrar contratos, punindo o dolo como artimanha para enganar a outrem ou en los actos jurídicos, voluntad maliciosa de engañar a alguien o de incumplir una obligación contraída. Antes deste artigo, o dolo formava parte da habilidade da vontade para estabelecer contratos e não era punido pela lei, nem com o cumprimento do contrato, o pagamento da importância do engano, ou penas de prisão, que ele remete para o Código Penal, promulgado a 12 de Novembro de 1874 e actualizado em 2010. Por outras palavras, foi Andrés Bello quem impusera a necessidade da criação de um Código Penal e, mais tarde o Código de Processo Penal, que trata dos castigos, encarceramento, caso o delito seja de lesões, e a pena de morte para quem assassina outro, punição (pena de morte) que só é retirada do Código de Processo Penal na primeira década do Século actual. Ainda me lembro, era eu criança, do caso de um pai que, em 1954, matou a sua filha, após violação da mesma, habituado aos comentários da casa de jantar e impressionado ainda por esta atrocidade, comentei à mesa que tinha visto passar o o criminoso, ao sair do Colégio. O pai, com os olhos azuis tornados verdes pelo divertido da situação, perguntou: Como é que foi, bateram-lhe muito? Como criança de treze anos, a cursar o terceiro ano do secundário, altura em que, nesses tempos não se ensinava direito nem se fazia referências à educação cívica. Ia saber eu! Estava, sim, impressionado pelo facto, defendi o criminoso que tinha chorado, estava arrependido e sofria as penas do inferno por causa de uma bebedeira, ter cometido um crime hediondo. Eu defendia o Tucho e orava por ele para ser salvo do fuzilamento. Nem por isso! Era o Código de Procedimento Penal que determinava as penas. A pena de morte deixou de poder ser aplicada no Chile, que se juntou assim às duas dezenas de países da América Latina e Caraíbas que abandonaram a pena capital. Um exemplo que muitos outros países da região – nomeadamente os Estados Unidos – deviam seguir.
O Chile juntou-se ao grupo dos abolicionistas em 2001 , tornando-se o 20º país na América Latina e Caraíbas a abolir a pena de morte. A Câmara dos Deputados chilena votou a favor da abolição da pena capital no dia 18 de Abril, com 77 votos a favor e 11 abstenções, na sequência de um voto favorável do Senado. Segundo a nova lei, que o Presidente Ricardo Lagos assinou e promulgou no mesmo ano, a pena mais dura a aplicar no Chile será a prisão perpétua, com um mínimo de 40 anos a serem cumpridos antes que pelo menos 11 dos 21 juízes do Supremo Tribunal possam optar pela liberdade condicional.
No que se refere à filiação e à herança, Andrés Bello, como legislador internacional e venezuelano, acabou por entender que havia várias classes de filhos, especialmente nos países da América Latina: os do casal, com todos os direitos de suceder aos seus pais, e terem ambos os apelidos, do pai e da mãe; os denominados naturais, filhos do acaso, que apenas têm um apelido, o da mãe, escrito duas vezes; os ilegítimos ou descendentes de concubinatos ou amancebamentos; os sacrílegos, filhos de sacerdotes e de uma mulher da sua freguesia, estes não têm quaisquer direitos, nem dizer pai ao sacerdote, bispo ou cardeal que os engendrou; os filhos legitimados, pelo matrimónio civil e/ou religioso subsequente dos pais, têm diferentes acesso aos bens dos ascendentes. O pai pode ou não dar uma parte da herança, é a denominada livre disposição, uma quota-parte dos bens, ou a viúva que herda um terço da herança e vive da caridade dos filhos, ou a um filho especialmente escolhido.
Eram os tempos de Bello, entre povos de ética libidinal e respeito subjugada à santidade do matrimónio. Como senador, advogado, escritor e filósofo, Bello lutou pela igualdade de todos, mas perdeu a sua corrida, que aconteceu apenas no Século actual, época em que as pessoas nem casam. Em Portugal e no Chile, nos anos dois mil, todos os filhos, face à lei, são iguais.
Continua com a análise da lei da herança e da filiação.

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