Basta! Revolução ou renovação?

Circulam, na internet, vários textos que salientam o exemplo da Islândia como um caso de sucesso no turbilhão da crise económica. Porém, à parte de nos esclarecer sobre a redacção de uma nova Constituição ou, antes, sobre uma reescritura do documento constitucional ad fundamentis (por um grupo de cidadãos extra-partidários), os textos em causa pouco mais nos informam sobre a verdadeira situação social islandesa, rematando, contudo, que aquele país insular saiu da bancarrota pelo seu pé. Ora isto não é verdade: as contas estão por pagar, as ruínas bancárias por reedificar e o futuro não parece brilhante para os cidadãos da pequena república.
Porém, devo assinalar uma coisa que me parece sobremodo importante: a forma como os islandeses sacudiram o jugo partidário da sua governação é a pedra de toque desta renovação. Repare-se, não falo em revolução, pois não a houve, mas de uma transição pacífica de uma partidocracia, até aqui gerida por partidos de Direita e de Esquerda que deixaram a Islândia de rastos. Cansados do jogo e pressionados pela grave situação, os islandeses resolveram deixar de contribuir para o engrandecimento partidário e resolveram tomar nas mãos as rédeas da Democracia e participar no desenvolvimento nacional. Têm a seu favor o facto de serem uma ilha e de nela morarem pouco mais de 300 mil habitantes.
Conter uma crise e resolvê-la com recurso a uma administração directa neste caso, dirão, é mais fácil, e eu concordo. Mas num país como Portugal, em que tanto a Esquerda como a Direita têm, com voracidade, feitos os possíveis e os impossíveis para, sob a desculpa da ética republicana deglutir o Bem Comum sem ouvir os seus habitantes, existem muitas “ilhas” que facilmente poderiam ser geridas directamente pelos cidadãos, sem passar pelos partidos. Apenas um “senão”: a nossa Constituição assenta numa perspectiva multipartidária da democracia; favorece o jogo partidocrático e transforma o cidadão num mero peão de xadrez.
É preciso mudá-la e, efectivamente, transformar a democracia num exercício de intervenção pessoal e colectiva directa. Alterar a lei eleitoral para que possam existir candidaturas individuais por círculo, limitar o número de deputados partidários e estimular a participação associativa municipal nas edilidades são alguns dos caminhos a seguir. Creio que Basta! sim, mas de partidos.

Comments

  1. Rodrigo Costa says:

    Caro Nuno Resende,

    O que sobressai no seu texto— mais, especificamente, no que toca ao modo como os islandeses resolveram, parcialmente, a situação—, não é o facto de serem 300 mil, mas o de serem educados e informados; porque, como sabe, Sócrates e Passos Coelho são apenas dois, e… que se saiba, não conseguem entender-se…

    Se não estou enganado, a própria Irlanda sairá do “aperto”, porque há aquilo a que chamo grande união e identidade nacional, e não apenas quando joga a sua Selecção de futebol. Os poderes, como qualquer poder, em qualquer lado, tendem sempre a exceder os limites, mas a população é apaixonada pelo seus País, exige integridade, e é mais fácil acontecerem as compensações.

    Como saberá, partiu do primeiro-Ministro irlandês a ideia da redução no salário dos governantes e dos políticos; porque, independentemente de poder ser considerada uma medida fragilizada, por acusada de demagógica, o simbolismo foi forte, porque expressou a legitimidade do pedido de sacrifício a todos os irlandeses.

    O País é fascinante, e as pessoas são muito afectuosas; neste aspecto, são o povo que conheci mais parecido com o português… mas são mais optimistas, mais organizados e determinados. Eles amam cada canto do seu País, bem como as suas tradições, como amam a Vida.

    Em Portugal, o clima é de total desconfiança. As medidas não são amadurecidas, antes de tomadas —veja-se a ameaça do PAC4—; e, de cada vez que alguém toma uma, o que sobressai não é a análise da sua eficácia, mas a necessidade de torpedear o “adversário”. Por quê?… Porque os nossos dirigentes, na sua esmagadora maioria, são tacanhos, parolos, movidos pela vaidade e pelo orgulho bacoco —as praxes estudantis (ou algumas, pelo menos) não auguram nada de bom; significam a imaturidade de jovens que não conseguem interiorizar a Universidade como um ponto, normal, de passagem nas suas vidas. E é, também, desta cambada de imbecis que sairão futuros governantes; eles são a seiva, recente, de um País que não consegue crescer.

    Nota: As medidas tomadas ou não são, previamente amadurecidas, ou são tomadas no interesse de grupos. O PREC4 pode não ser mais do que um conjunto de medidas sabidas necessárias, cuja aplicação, para evitar resistências, foi ponderada para mais tarde, para ulterior fase. Cá está.

  2. torcato guimaraes says:

    Os islandeses têm disciplina.
    Os islandeses são 300 000.
    Os islandeses têm amor ao cumprimento da lei.
    Neste país: indisciplina, 10 milhoes e cerca de 45% de analfabetos funcionais, e andar a tentar fugir à lei. Ponto. Não se compare.
    Mas são precisos os partidos…são mesmo, é assim que a DEMOCRACIA funciona…é a GENTE que tem de mudar.

    • Artur says:

      Resumindo e concluindo: os islandeses não são portugueses e os portugueses não são islandeses.
      Já vão aparecendo por cá uns portugueses com a mentalidade islandesa. Infelizmente são muito poucos. Infelizmente são muitos mais os portugueses com mentalidade jamaicana, cubana, siciliana, vaticana ou africana. É esta mentalidade que permite que governos e governantes incompetentes renovem mandatos.
      Já dizia o Mark Twain no seu tempo ao descrever os Açores: “a comunidade é principalmente portuguesa – ou seja, pobre, apática, modorrenta e preguiçosa (…)”.

  3. Carlos Lopes says:

    Admite que os Partidos, através dos seus deputados, vão alterar a constituição para que outras “forças” cheguem ao poder? Eu não acredito: eles, os que lá estão agora, são burros, mas não tanto…

  4. Carlos,
    Eu não admito, mas gostava. O primeiro passo é enfraquecer o Bloco Central PS/PSD (o que de resto vem a acontecer, eleitoralmente). Depois, creio, as forças marginais poderão ceder mais facilmente ao avanço de uma possível intervenção cívica mais . O que interessa é, sobretudo, deixar claro que os partidos, como representantes dos cidadãos, falharam. Há que procurar outras alternativas.

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