Não faço apostas sobre vencedores ou sound bites discursivos, mas sei o que (não) quero ouvir da boca do vencedor das eleições na noite de 5 de Junho de 2011. Não quero um discurso virado para o passado, de dedo apontado, mas palavras maturadas por uma longa reflexão sobre o caminho que nos trouxe até aqui. Não quero a responsabilização, mas a responsabilidade de quem sabe que o Estado serviu mal e se tem servido enquanto as assimetrias crescem. Não quero o discurso milagreiro – anos de políticas erradas não se solucionam a 5 de Junho, numa noite, nem provavelmente num mandato eleitoral. Não quero a apologia do fácil, o discurso da ilusão, a negação dos problemas – só uma radiografia honesta poderá evitar falsas partidas. Não quero a diabolização, a exploração do medo, mitos bafientos sobre esquerda e direita ou dicotomias ultrapassadas. Não quero unanimismo, mas promessa de diálogo e decisão firme na discórdia. Não quero um vencedor diminuído por imposições externas ou pronto a sacudir a responsabilidade dos sacrifícios para Bruxelas. Não quero um discurso vazio de prioridades ou de soluções. Não quero um discurso economicista, de números, preso ao défice, à dívida, sem rostos, sem gente, sem histórias – quando a troika nos dá as metas, cabe-nos a nós cuidar das pessoas. Não quero um discurso paternalista, que não lance desafios, que não seja exigente – o mediano não é bom, o bom não é o muito bom, o muito bom não é o excepcional. Não quero um discurso choramingas, de país incompreendido pela Europa, vítima de calculismo interno de outras nações.
Quem fizer o discurso de vitória dia 5 de Junho terá que ter a consciência de que tempos de excepção requerem palavras de excepção.
Boa noite.
Excelente texto. E subscrevo-o quase na totalidade, excepto a parte em que diz:
“Não quero a responsabilização, mas a responsabilidade de quem sabe que o Estado serviu mal e se tem servido enquanto as assimetrias crescem”.
Há, na minha opinião, qualquer coisa de contraditório nesta frase: nas actuais circunstâncias, ser-se responsável não implica necessariamente a responsabilização dos que nos trouxeram até aqui? Que líder, deputado, partido, eleitor responsável é esse que não quer ouvir falar de responsabilização (no seu partido, no partido dos outros, no país, na escola, no hospital, etc.)?
Por que é que estamos dispostos imediata e automaticamente a responsabilizar qualquer delinquente (menor, se necessário) e simultaneamente hesitamos ou recusamos responsabilizar quem enriqueceu e lesou o estado em milhões e milhões? As PPPs e as suas renegociações não são criminosas? Quem as assinou não devia ser responsabilizado politica e criminalmente? Por que não?
É demagogia dizer que há 300 mil pessoas em Portugal a passar fome (2 em cada 5 crianças, segundo o Público, 2 em cada 5) e que é necessário encontrar os responsáveis? Porquê? Não é evidente que se não o fizermos (ou, pelo menos, se não o tentarmos) as coisas não vão mudar no essencial?
Sermos responsáveis não significa (também) responsabilizarmos os outros? Sermos responsáveis (também) não significa não lavarmos as mãos?
A Filipa Martins diz “Não quero a responsabilização”. Porquê?
Miguel
Da minha parte, desde que não haja um discurso “covarde” tipo Sócrates a anunciar o acordo da Troika, penso que deverá ser seguida uma linha realista sobre a situação. No entanto, espero que acima de tudo seja inspirador de confiança e mobilizador. Pois, a naçao precisa disso.