Enquanto foi novo cresceu; envelheceu à pressa, encolhe

Um partido de esquerda faz-se sem elitismos, e desfaz-se ao escorraçar os que cheiram a trabalhador manual. Um partido de esquerda, mesmo sendo na prática uma coligação não assumida de 3 partidos, não sobrevive eternamente aos arranjos das organizações que o formam, substituindo a democracia interna pela cooptação sistemática. Um partido de esquerda pode, e deve, cometer erros, mas tem de os assumir: a arrogância vira-se sempre contra quem a pratica. À esquerda não se pode fazer política por outra razão que não seja a de lutar pelos outros,  e a sistemática produção de “figuras públicas” vindas no nada dá maus resultados, de que o caso Joana Amaral Dias é o exemplo mais hilariante.

Há também erros conjunturais. O apoio a Manuel Alegre foi o maior de todos. A troco de ir buscar alguns (poucos) militantes ao museu do PS, o Bloco apareceu aos olhos de metade dos seus eleitores como um partido igual aos outros. A moção de censura que se lhe seguiu, embora correcta, teve o efeito perverso de reforçar a mesma conclusão. Assumir o erro era mais difícil, mas era a única opção de um partido que fosse mesmo diferente dos outros. Tenho as maiores dúvidas que estes erros sejam assumidos e que se proceda a uma revolução interna. Nem me parece que isso seja importante. O que vem a seguir faz-se nas ruas, e os que construíram esta derrota não vão sair do Portugal sentado, que é a única forma que conhecem de fazer carreira política. Sublinho: carreira política.

Daniel Oliveira, esse caso exemplar de militante de um partido esmagadoramente derrotado na sua Convenção fundadora mas rapidamente cooptado para a sua direcção, vem pregar como se a sua tendência dentro do BE não fosse a primeira responsável por tudo isto, e pede a demissão da direcção do BE; parece-me ligeiramente exagerado pedir a demissão de quem não tomou posse (a Mesa Nacional eleita na última Convenção ainda nem sequer reuniu, e formalmente não pode ser responsabilizada pelos dislates da anterior).

Não deve o BE ser uma cópia do PC? Pois não, nem nunca o foi, excepto no centralismo muito pouco democrático. Mas também não deverá ser uma cópia do PS social-democrata, desaparecido algures no séc. passado. É sempre bom relembrar, como o fez o Nuno Ramos de Almeida, que em Coimbra a campanha foi muito fofa e cheia de apoiantes próximos do PS, e nem por isso o meu voto teve a utilidade que lhe destinava, muito pelo contrário: ficou abaixo dos resultados de 2005, em termos relativos o pior resultado de sempre do BE em Coimbra, pela primeira vez dentro da média nacional.

Sem dados objectivos sobre o destino dos votos agora perdidos, especulo como toda a gente: PAN (como futuramente acontecerá com o Partido Pirata, e quanto a isso, batatinhas) e abstenção. Em muito menor grau CDS (parece estranho mas acontece e sem stress), CDU e PS. E é na abstenção que se devem procurar recuperar esses e outros potenciais votos, se aos votos quisermos dar a importância que um sufrágio organizado ao programa da troika nem tem.

Para mim o espaço do BE é o dos deputados que exigiram sentar-se na AR à esquerda de todas as outras bancadas, contra a opinião de muito boa gente. E tirar o cavalinho da chuva: com esta comunicação social dominante o BE, ou qualquer outro partido de esquerda, não será um partido do poder elegível em condições normais. Pode lá chegar pelos votos a partir de movimentações sociais e comunicacionais que rompam o círculo da mentira institucionalizada em que vivemos. Correndo por fora, portanto, e entendendo que o quadro actual do representativismo partidário tem os dias contados, porque sendo verdade que uns partidos fazem mais negócios que outros (e não ter autarquias, tirando uma anedota que agora tantos votos deu ao PAN, é uma das grandes vantagens do BE em relação ao PCP), aos olhos do cidadão comum são todos iguais, votando, e cada vez menos, no mal menor.

As condições para que isso aconteça até, talvez, estejam no horizonte sem este ser apenas vermelho. É só recomeçar de novo, e talvez ainda se apanhe o comboio.

Post Scriptum: já tinha este texto agendado quando leio a alucinação terramoto de 2011 do Rui Tavares, por quem tenho muita consideração intelectual e não só, que dá 8 anos a um governo que não chegará ao fim da legislatura, como de resto a maioria dos governos europeus, e se sai com esta:

Nós à esquerda temos uma análise impecável desta crise. Impecável até demais. Sabemos onde falhou o sistema financeiro. Sabemos onde falhou o neoliberalismo. Sabemos onde falhou o centro-direita, e o centro-esquerda, e a social-democracia. Sabemos tudo, é fantástico. Só não sabemos responder a esta pergunta: onde falhámos nós?

Que houve, e haverá falhas, é verdade. Não ver que o discurso hegemónico dominante só será ultrapassado pela realidade dos bolsos vazios, corresponde a acreditar que vivemos em democracia. Não vivemos: a comunicação social impinge esse discurso como a mesma competência com que vende sabonetes. Os partidos não têm nem de perto nem de longe igualdade de tratamento. Não foi por terem dado colunas nos jornais ao Rui Tavares e ao Daniel Oliveira, e ainda bem que o fizeram, que isto deixou de ser assim: apenas se disfarça um pouco melhor.

Comments

  1. Artur says:

    Não mate a cabeça a pensar nas causas do fracasso da esquerda. É de facto um bom sinal que finalmente Portugal esteja a seguir as passadas dos paises europeus ditos civilizados, i.e. o declinio da religião e das ideologias salvadoras da esquerda. Os portugas são um bocados lentos mas parece que finalmente estão a começar a mostrar algum discernimento.

    • Sonhe, vá sonhando. Quando acordar vai ter um pesadelo.

      • Artur says:

        Não desejo o fim da esquerda. Desejo apenas que esta nunca venha a ter a força suficiente para constituir um perigo para a minha liberdade.
        Algumas das causas que abraçaram e que ajudaram a ganhara são meritórias, tais como a liberalização do Aborto ou os casamentos entre homossexuais. A vossa preocupação pelo ambiente ou a luta contra o racismo também são de louvar. Tirem-lhe o “vermelho” de cima, deixem-se de falsos altruismos e de defender tudo o que é mediocre ou supostos oprimidos na sociedade e talvez tenham mais votos.

      • Xokapic says:

        Ao contrário dos restantes a esquerda nunca acorda do seu sonho maravilhoso…no entanto o sonho não é realidade a não ser para o alucinado.

  2. Zé Povinho says:

    “Ao contrário dos restantes a esquerda nunca acorda do seu sonho maravilho”. Certamente, a nossa direita defende o sonho do mercado livre e desregulado quando este sonho provou que é uma alucinação da realidade (crise financeira que hoje sentimos). Deixam-na sonhar acordada.

    • Artur says:

      Crises financeiras ou Estados totalitários geridos por iluminados que têm a mania que sabem o que é melhor para todos? Crises financeiras se faz favor.

      • Estado totalitário aonde? ó Artur, mude lá a k7. Que estado totalitário defende o BE? Diga lá um, ou pensa que isto é só mentir e andar?

  3. Zé Povinho says:

    Claro que contrargumentar com algum tipo de argumento válido é algo extremamente fútil para esta malta de “ideias feitas”. Claro, a esquerda “sabe o que melhor para todos”. A nossa direita sabe muito bem o que é “melhor para poucos”!

  4. jorge fliscorno says:

    Na minha leitura, o BE perdeu votos por causa da demagogia. Creio que os eleitores percebem quando lhes vão ao bolso mas acabam por não confiar em quem toma por lema gritos de ordem (tipo fora o FMI e os ricos que paguem).

    Acho também que em 2009 o BE teve melhor resultado do que este ano porque o programa que o PS lançou para discussão (casamento gay, obras públicas), como forma de fugir à crise orçamental que já então se vivia, teve vários pontos de contacto com os ideais do BE. A tal ponto que Louçã até apoiou o manifesto (essencialmente socialista) a favor das obras públicas. E a colagem ao PS continuou com Alegre. Em vez de roubar eleitorado ao PS, caiu com ele.

    • Como poderás ler amanhã (ou hoje, porque já está em rascunho) há uma coincidência fatal entre o início das presidenciais e a maneira como muitos eleitores encararam o apoio a Alegre, de braço dado com Sócrates….

  5. Pedro M says:

    Eu arrisco outro destino dos votos do BE: nos últimos 5 anos têm emigrado em média mais 75.000 pessoas por ano, uma grande parte destes são jovens com formação académica que cumpriram à volta da altura de maior vigor do Bloco entre os jovens, que entretanto davam recentemente a Sócrates uma taxa de aprovação superior a 50% em idades abaixo dos 30 (foi assim que Obama ganhou eleições e construiu maiorias para os Democratas no futuro…).

    Por experiência própria suspeito que emigrou muito eleitorado do BE, e com o rancor compreensível com que ficaram ao país de origem não me parece que venham a aparecer nas embaixadas nas próximas eleições.

    • Também já pensei nisso, e estou com curiosidade de ver os resultados do círculo da emigração, onde talvez se veja alguma mudança, já que tradicionalmente sempre votaram esmagadoramente PS/PSD.
      Mas claro que não explica a perda de 250 000 votos. Por outro lado diz-me que a abstenção não aumentou por aí além: há é mais gente a não votar por ainda não ter ido à embaixada. Aumentaram sim os votos em branco.

  6. Susana says:

    Sou a única que já não suportava ver tanto Outdoor do Bloco de Esquerda por todo o lado? Esquerda, esquerda, mais valia terem dado o dinheiro que gastaram em Outdoors para os pobres…

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