Tadelakt

Há centenas de anos que na região de Marraquexe se utiliza uma técnica de revestimento na construção, aplicada tanto em paredes, pavimentos e tectos, como em peças de mobiliário, como sejam banheiras, lavatórios, camas ou piscinas. Pelo facto de ser um revestimento impermeável, era inicialmente usado nas cisternas e nos hammam, ou banhos públicos, pensando-se que os Berberes já o utilizassem há cerca de 4.000 anos.

A sua grande qualidade estética, possibilidades plásticas, durabilidade e suavidade ao tacto, tornaram-no na imagem de marca dos interiores de Marraquexe, estando presente nos grandes hotéis e riads da Cidade, e fazendo a ponte entre o tradicional e o moderno.

Chama-se Tadelakt, designação que provém do Árabe “dlak”, que significa massajar ou amassar, dado que é uma argamassa tem de ser “apertada” para lhe ser retirado todo o ar existente no seu interior. O tadelakt é um reboco à base de cal da planície do Haouz, que utiliza o pó de mármore ou a areia fina como inerte, pigmentado, apertado à talocha, barrado com sabão diluído em água, polido com um seixo e, opcionalmente, finalizado com uma camada de cera.

É um revestimento da família dos nossos rebocos “estanhados”, “escaiolas” ou “queimados à colher”, que aliam o carácter estético e decorativo com a durabilidade e conforto do material.

Importa em primeiro lugar dar uma explicação sobre a cal, o seu processo de fabrico e características.

A cal é um material que resulta da cozedura dos calcários, rochas que têm sempre uma certa percentagem de argila, geralmente inferior a 5%. O processo de transformação do calcário em cal e sua aplicação em obra passa por 3 etapas _ a calcinação, quando é cozido num forno a cerca de 800 graus centígrados, dando origem ao óxido de cálcio ou cal viva; a hidratação, quando a cal viva é extinta ou apagada por reacção com a água, transformando-se em hidróxido de cálcio, também conhecido por cal aérea; a carbonatação, quando a cal, depois de aplicada em obra, endurece por reacção com o dióxido de carbono do ar, transformando-se em carbonato de cálcio.

Mas se a pedra calcária incluir um teor de argila entre 8% e 20% e for calcinada a uma temperatura de 1.000 graus centígrados, obtém-se a cal hidráulica, que tanto endurece em contacto com o ar, como em contacto com a água. Neste processo de cozedura a 1.000 graus e com este tipo de calcário, a quantidade de óxido de cálcio obtida é menor e a argila dá origem a uma mistura de silicatos e aluminatos de cálcio. Aqui a extinção da cal aplica-se apenas à cal viva existente, pelo que é utilizada muito menos água para evitar a hidratação dos silicatos e aluminatos.

A cal da região de Marraquexe tem características específicas que se adaptam ao fabrico do tadelakt, sendo uma cal hidráulica que contém sílica, alumínio, quartzo e diversos minerais. Após ser apagada, retém partículas não cozidas, sendo uma cal carregada de agregados. Para além disso, apresenta um Ph elevado, o que evita o aparecimento de fungos e bactérias.

Esta cal hidráulica é misturada com pó de mármore ou areia muito fina. Qualquer argamassa contém um material designado ligante, que como o nome indica serve de agregador, e um outro chamado inerte, que evita que o ligante, ao retrair, fissure. Normalmente no caso da cal a relação entre ligante e inerte é de 1 para 3, podendo esta relação variar de acordo com outras condições específicas. Concretamente, no caso da cal de Marraquexe, pelo facto de apresentar uma grande percentagem de inertes após ser apagada, a adição de areia é inferior ao usual. A mistura entre o ligante e o inerte faz-se através da água.

A argamassa é posteriormente pigmentada com a incorporação de um pigmento natural na proporção máxima de 1 para 10.

A argamassa é então aplicada no suporte, geralmente uma parede já rebocada a cal e areia, numa camada que não deve exceder os 5 mm, sob pena de não carbonatar. Deve ser bem apertada à talocha para que não restem quaisquer bolhas de ar no seu interior, que mais tarde darão origem a fissuras.

Posteriormente é dado um barramento com sabão negro ou sabão de azeite diluídos em água. Sobre este barramento efectua-se o polimento por meio de um seixo do rio. Opcionalmente pode ser posteriormente adicionada uma camada de cera de mel de abelha.

As propriedades do tadelakt são hoje reconhecidas pelo mundo fora, aliando a simplicidade e o baixo custo da sua execução à grande qualidade e nobreza do seu resultado posto em obra.

No vídeo que de seguida apresentamos é esclarecedor o processo de aplicação do tadelakt.

Comments

  1. jorge fliscorno says:

    Muito interessante.

  2. Fatima-Zahra says:

    Estimado amigo.
    Gracias por dar a conocer los trabajos milenarios de nuestros comunes antepasados. Es un trabajo excelente.
    Saludos de Ahmed y míos.
    Fatima-Zahra

  3. xico says:

    Como estou ligado à construção, este post teve um sabor que me fez abrir o apetite para saber mais. Há tempos assisti a um pequeno colóquio sobre construção sustentável e lá apareciam técnicos trazendo as tradições do Norte da Europa para aqui aplicarem. Claro que por detrás deles estão as marcas comerciais e não a preocupação ambiental. Dei por mim a pensar na perda enorme dos nossos métodos tradicionais de construção, muito mais ecológicos e sustentáveis do que as casinhas engraçadas de madeira de pinho do Norte. Não haverá empresas comerciais a quererem explorar esse filão. Como os hotéis de Marrocos?

    • Frederico Mendes Paula says:

      Caro Xico
      A construção tradicional tem duas características fundamentais _ uma é constituir o acumular de um saber milenar, que adapta os edifícios às condições climatéricas e ao próprio ambiente envolvente, e outra é que é um processo que apareceu e evoluiu sem o transporte (no sentido de importação) de materiais.
      Por esse facto satisfaz as exigências do local e é um dos factores que lhe conferem identidade cultural.
      Por isso, as tais casas de madeira do Norte da Europa estão muito bem lá no sítio delas, mas cá, não só não nos dão o conforto que precisamos, como não fazem parte da nossa identidade.
      Devo dizer que, apesar de vivermos num país onde impera o mau gosto e o novo riquismo, há algumas intervenções dignas de referência, falando do sector do alojamento turístico, se bem que constituam uma ínfima parte da oferta existente.
      São sobretudo intervenções no âmbito do turismo de habitação ou turismo rural.
      O problema que coloca dava para realizarmos um seminário, que deveria debater que turismo queremos, até que ponto estamos interessados em defender o nosso Património e a nossa identidade cultural, até que ponto existe coragem para por em causa os grandes interesses estabelecidos.
      Porque a tomada de decisões políticas (e é disso que estamos a falar) implica investimento, alteração da legislação existente, formação de quadros, etc, etc.
      Será que em Portugal se pretende caminhar nesse sentido?

      • Silvia Remoissenet says:

        Adorei a sua visão netida do problema. Precisamos de mais pessoas como você.

  4. É a minha singela opinião, mas estes são sem dúvida os melhores posts do Aventar. De longe. Obrigado!

    Ainda sobre estes temas, vi ontem o seguinte documentário:

    De qualquer forma, recomendo todos os segundos deste trabalho, no entanto, se não virem mais nada vejam pelo menos do minuto 2:30 ao 3:45.

    • Frederico Mendes Paula says:

      Caro Helder
      Obrigado por esta visão do Taj Mahal.
      Tão abrangente e detalhada. Tão próxima da perfeição.
      Faz-me lembrar o princípio do sufismo “procuro o conhecimento, com consciência que nunca o vou encontrar”.

  5. Tambérm apreciei muito esse efeito e a decoração na casa de banho, estive num riad que tinha um igualzinho, mas em dourado. Só era pena que a água demorasse a sumir no banheiro, mas preveniram-se baixando o fundo um palmo para empoçar a água à vontade…

  6. Sofia Pinto says:

    Realmente é fascinante, mas o melhor é vê-lo ao vivo!

    Para quem estiver interessado, há formas bem económicas de o fazer, eu por exemplo já usei este site: http://www.homeaway.pt/search/marrocos/marrakech/regiao:18831

    Aventurem-se! Vale a pena 🙂

  7. Adoro o Tadelakt!

  8. Rui Fonseca says:

    Gostei do artigo e do vídeo.

  9. Neste momento estou na india e gostaria de aplicar o tadelakt em uma das obras. Alguem sabe as proporcoes dos components para fazer a argamassa? E possivel fazer com outro tipo de cal?

    • Frederico Mendes Paula says:

      Os componentes das argamassas são em média 1 de ligante para 3 de inerte. No tadelakt da região de Marraquexe, é utilizada uma dosagem maior de ligante, pelo facto de a cal da região conter ela própria uma grande percentagem de inertes, o que significa que uma análise prévia às características do material é sempre conveniente. É possível fazer com outro tipo de cal, sendo muito importante também a escolha do inerte, que deve ser o mais fino possível, devendo conter pó de pedra. De qualquer forma, o tadelakt pode ser substituído por uma argamassa de cal e pó de pedra “queimada à colher”, com incorporação de pigmento da cor desejada, posteriormente impermeabilizada com sabão, gordura, verniz aquoso, etc.

  10. ana frias says:

    Vou revestir todas as paredes interiores de um edificio construido de raiz em tadelakt, neste momento procuro quem saiba fazer o trabalho na perfeição, um profissional, tem por acaso algum contacto ? obrigada

    • Frederico Mendes Paula says:

      Não tenho nenhum contacto que lhe possa indicar

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading