A resprivada.

Não sou linguista.
Não apoio o Acordo Ortográfico.
Passo a explicar. Como cidadão crítico e informado não aceito que, a nível ético, seja obrigado a fazer algo que não compreenda. O Estado, essa entidade abstracta gerida por sisudos técnicos e burrocráticos amanuenses que veneram contas, gráficos e quadros, não me pode obrigar a executar funções que não me são devidamente explicadas.
Como cidadão letrado e minimamente informado também sei que o Acordo Ortográfico na sua essência teórica está mal explicado. Que vem quase 20 anos depois de ter começado a ser delineado, que a sua utilidade educacional é quase nula e que no seu teor existem inúmeras contradições ao nível da linguagem e da gramática. Mas nem vou por aí. De resto há opiniões mais abalizadas que a minha para discutir estas questões científicas.
Mas o que irrita verdadeiramente é que coisas como a Língua, a Saúde, a Educação, a gestão do Território e do Tesouro público sejam alvo de decreto sem que os cidadãos sejam ouvidos. Num referendo, por exemplo.

A República já há muito que não é a res publica é a res privada – coutada de legisladores e políticos amaciados por interesses corporativos.
O que me deixa solenemente irritado é esta gente acéfala do Estado, dos Jornais, da Cultura que vai logo a correr comprar o manualzinho para aprender a “nova” Língua; estudar o novo Acordo para amanhã de manhã cedinho escreverem as suas merdices de sempre, para educar novos burrocratas que (felizmente) amanhã se rebeliarão contra estes patos-bravos da nova literatura e dos jornais.
Entretanto, Camilo Castelo Branco – o mais fecundo escritor português – foi erradicado dos programas escolares. Por um lado entende-se. Nenhum dicionário actual, segundo a revisão do AO, regista vocabulário suficiente para analisar um texto de Camilo. A língua empobrece, mas “moderniza-se”.
Sabem que mais? Espero que um dia o Estado promulgue mais uma destas leias acéfalas que diga: “ide atirar-vos de uma ponte”. E os que logo, logo aceitaram o Acordo Ortográfico como se fosse a coisa mais natural do mundo, irão com certeza numa longa fila, ordeiramente, até à ponte mais próxima esborrachar-se no chão.

“Ser tolo é má coisa; ser mau é coisa pior”, escreveu Camilo. Esta geração de políticos parece ter conseguido a obra impossível de juntar os dois qualificativos nos indivíduos que produz e que, infelizmente, têm gerido os destinos dos portugueses.

Comments

  1. clara says:

    eu concordo com o acordo. penso que não nos devemos fechar na nossa redoma de donos da língua, como fazem os ingleses e franceses, por exemplo. a língua é dinâmica e é de quem a fala. porque não tentar fazer com que haja uma aproximação e não um afastamento entre os seus falantes? aliás, que eu saiba, não se mexeu na sua estrutura, mas apenas na ortografia, como se tem feito ao longo dos séculos, o caso do “ph” de farmácia, por exemplo.
    Concordo perfeitamente que assimilemos certos vocábulos que enriquecem a nossa língua, que a enfeitam, que lhe dão outra cor ou até que conseguem traduzir novas ideias ou sentimentos.
    Adoro ouvir os brasileiros exprimirem-se no português deles, mas quando escrevem e se quiserem escrever correctamente, têm que o fazer no português acordado entre todos. Está mal?
    Farto-me de “lutar” junto de angolanos amigos e de outros PALOP, para que se deixem de nacionalismos exacerbados e que tomem posse do português como a língua que é deles e não como uma língua emprestada, a língua do colono. Isto porque, a nossa língua, que é de todos por direito, lhes dá muito jeito, para isto: para os unir como povo, para comunicarem internacionalmente, para comunicarem entre si.

    • Clara,

      No meu humilde ponto de vista, o presente Acordo Ortográfico contribui SIM para nos colocar numa redoma dos donos da língua portuguesa: o Brasil.

      Ainda não se lembraram de decretar o uso daquelas palavras em vez destas. Não conseguirão: a língua é do povo que a fala como a fala.
      Que sentido tem abrasileirarmos a nossa escrita?
      Os castelhanos tiveram essa preocupação? – unificar a escrita.
      Os franceses?
      Os anglófonos?

      E passam também a ideia peregrina de que “simplificando” a língua ela se aprende melhor. Portanto, o egípcio é o habitante do Egito, é isso?
      Assim se vazam foram séculos de herança linguística… (as palavras não são orfãs, vêm de algum lugar).

      Fala-se também em simplificar a escrita eliminando as letras mudas. Pois bem: já viu os espanhóis fazê-lo? Será que já escrevem “Madrid” como “Madri”?

      E o que dizer da língua francesa, plena de letras e sílabas mudas??
      No inglês o “drama” das letras mudas é igual…

      • clara says:

        Na minha opinião, o Brasil não é dono de língua nenhuma, assim como Portugal também não, nem a Grã-Bretanha, nem os EUA o são, simplesmente por não ser possível. Acontece que o Brasil faz por se impor no mundo e utiliza a sua língua que, por acaso, é portuguesa. (às vezes, quando leio estes comentários tão agressivos contra o português do Brasil, apetece-me perguntar se gostariam de ouvir os brasileiros a falar noutra língua qualquer… sei lá, castelhano, por exemplo)

        Ninguém se vai lembrar de proibir o uso de palavras, ou o uso delas, pois, como diz, e bem: “a língua é do povo que a fala, como a fala.”

        Gostaria de deixar aqui um excerto de um magnífico texto (em minha opinião, claro) de Mia Couto.

        “Dizemos que a língua portuguesa não é apenas dos portugueses. E acreditamos que isso seja a manifestação de uma intenção política, de uma vontade adoptada. Mas não se trata de intenção ou vontade. Trata-se de uma questão histórica: há séculos que a língua portuguesa é também africana. O que seria do idioma português se não tivesse beneficiado das contribuições línguísticas dos árabes que ocuparam e viveram na Península Ibérica? Esses árabes ajudaram a tecer este grande tapete onde se deitam as nossas almas. Esses árabes são africanos, tanto como nós, os que habitamos mais a Sul. Há séculos que o idioma lusitano é um filho mestiço de namoros feitos entre as duas margens do Mediterrâneo.

        E mesmo se nos quisermos abster à influência das línguas bantus nascidas depois do tempo das caravelas: há quanto tempo palavras como minhoca, cambada e candonga e tantas outras se instalaram na língua portuguesa? Pois eu vos digo, tomando apenas um exemplo: a palavra minhoca instalou-se no século XVI e hoje a maior parte dos portugueses nem sequer suspeita da sua origem longínqua. Meus amigos, a verdade é a seguinte: a lusofonia não começou hoje. A nossa língua comum foi construída por laços antigos, tão antigos que por vezes lhes perdemos o rasto.”
        Língua portuguesa
        cartão de identidade dos moçambicanos, in ciberduvidas

        • Clara,

          A ver se falamos da mesma coisa: o Brasil é tão “dono” da língua portuguesa quanto Portugal quiser ou… incentivar.
          Deixe-me recordar-lhe o português falado por um cidadão europeu poliglota: http://aventar.eu/2011/01/27/acordo-ortografico-a-opiniao-de-durao-barroso/

          Que quero significar? – que, tomando Durão Barroso como exemplo (neste caso, enquanto Comissário da UE), a palavra portuguesa de Portugal “TAÇA” passa a ser pensada, dita e escrita “COPA”… a copa do mundo de futebol!…

          Se a isto não se chama prestar a vassalagem ao Brasil, ainda que só do ponto de vista da língua… vou ali e volto já.

          ==

          O AO não traz nenhuma vantagem comunicativa: nenhuma outra língua “colonial” da Europa, porquanto sei, andou em arranjinhos para não se diversificar. Nomeadamente arranjinhos em que a língua-base se submete a uma língua periférica.

          E, como bem cita Mia Couto, não quero que o português de Portugal não se deixe influenciar pelo mundo. Tem assim acontecido ao longo de séculos.
          Só não quero é ter que o escrever como os brasileiros O FAZEM, porque o fazem já.

          • clara says:

            Quem disse que TAÇA passa a ser COPA? Só porque Durão resolveu optar por essa palavra e utilizar o gerúndio? Na minha opinião, esse homem já nos “disse” várias vezes que se adapta a quaisquer circunstâncias e faz qualquer coisa, logo que lhe seja conveniente. Mas que não está no acordo que TAÇA vai passar a ser COPA, não está… e isso é que interessa. Nesse mesmo post vem lá outro exemplo, o do Scolari, e os diferentes vocábulos. Ora, não é necessário sair de Portugal, para que isso aconteça: no Porto é pingo, em Lisboa é garoto; picheleiro/analizador; molete/carcaça…..

          • clara says:

            dariosilva,
            concordo com tudo, excepto com o último parágrafo.

        • Rodrigo Costa says:

          Clara,

          Portugal é dono da sua Língua, sim; são seus os direitos autorais, porque, antes de existirem o Brasil e as outras terras, já o Português, como edioma, existia, criado aqui, fundado aqui —a que propósito, nesta matéria, como noutros, haveria Portugal de estar em pé de igualdade?

          Se me pergunta, direi que gostaria muito mais que os Portugueses, em vez de andarem a acumular quintais, tivessem zelado pelo seu espaço; criado e desenvolvido infra-estruturas —sempre fui, por os compreender, da opinião dos “velhos do Restêlo”; uma vez que os “novos” se revelaram velhos, burros e interesseiros; projectando o País tal qual ele é, bipolar, por dependência, por falta de autonomia.

          Para que não subsistam dúvidas: Portugal é, de facto e de direito, dono da sua Língua, porque foi o seu fundador. O resto são fotocópias de Xerox mal limpa. Problema contra isso?… Nenhum, porque nunca tive a pretensão de os corrigir, desde que não me obriguem a falar e a escrever Português tão mal quanto eles. Escrevam como souberem… porque eu entendo-os e não os segrego.

          • Durão resolveu adoptar o vocábulo brasileira e a dicção brasileira porque, como disse, é hábil a adaptar-se ao meio envolvente. Uma espécie de “camaleão”, portanto.
            Nada contra.
            Mas, exercendo, no caso, funções de representação de Portugal e Europa, quis-me parecer apenas pedante a sua escolha. Não só fez vergar a língua portuguesa (que fala nativamente) ao meio ambiente como, por essa via, submeteu a UE no seu todo ao meio que o rodeava, a ele, cidadão europeu envergonhado, a ele… representante da UE. Pobreza.

            Perante isto, insisto, esperar o quê deste AO que não a submissão, ainda que simbólica, de Portugal a outras forças?
            Dispensável.

  2. Rui Valente says:

    Se baixassem um decreto mandando a gente andar de quatro — qual seria a nossa reação? Nenhuma. Exatamente: — nenhuma. E ninguém se lembraria de perguntar, simplesmente perguntar. — “Por que andar de quatro?”. Muito pelo contrário. Cada um de nós trataria de espichar as orelhas, de alongar a cauda e ferrar o sapato.
    Nelson Rodrigues, memórias

  3. Rodrigo Costa says:

    Meu Caro Nuno Resende,

    O Português foi feito para andar de cócoras; para dançar ao som da música de qualquer tolo; para ser pau-mandado. Veja, por exemplo: Portugal preparava-se para vender uns aviões aos Paquistaneses… porém, não o pode fazer sem o consentimento dos Americanos. Esta é a eessência do Português, puxador de carroça; sem identidade; sem personalidade; sem critério. Parolo.

    O acordo ortográfico não está explicado porque não tem explicação; é um acordo comercial, na esperança de que os Brasileiros, os Angolanos, os Moçambicanos, os Guineenses e tantos outros Portugueses perdidos pelo Mundo, desatem a consumir literatura oriunda das editoras nacionais. Estamos a falar, portanto, de um acordo estúpido e na procura de lucros, e não de ajustamentos inteligentes.

    Portugal tem que se abrir ao Mundo, sim, mas na exteriorização da sua categoria, da sua competência; pelo tamanho do seu pensamento, e não pela redução da sua personalidade. No que respeita à Língua, tem que a entender mais importante do que a própria bandeira, na medida em que não é apenas um símbolo, mas um elemento decisivo da sua identidade —já agora, por que é que não pensam num acordo que obrigue à uniformização da pronúncia; e por que é que não se abrigam, todos, debaixo de uma mesma bandeira, criada a partir da fusão das de todos os outros países ditos lusófonos, e se desfazem da que identifica Portugal, em qualquer lado?…

    Definitivamente, o acordo ortográfico é o que resultou de um concílio de “putas”; de gente que venderá a mãe e o pai, se houver alguém que dê alguma coisa por eles.

    Ora, num momento em que se exigiria a assunção de personalidade, de fortalecimento identitário —o patriotismo só é bacôco se as pessoas forem bacôcas—, a lição que se dá aos jovens é de fraqueza, de desmembramento, de desrespeito, neste caso, por uma Lìngua extraordinariamente rica, pensada, elaborada; aconselhando-os à cedência de um dos seus suportes primários.

    Nãovou deixar de escrever como escrevo, em Português. Se houver quem não entenda, vá apreder, que é aquilo que eu faço, quando quero perceber o que dizem noutra língua. Por questões comerciais —se é por aí—, prefiro o Inglês, porque tem um mercado muito mais abrangente, muito mais interessante.

  4. Rodrigo Costa says:

    Já agora, com o devido respeito: Portugal não tem que ter preocupações com os países lusófonos; Portugal tem que se preocupar em fazer parte do Mundo; ser capaz de dialogar, ombro-a-ombro, com os cahados países de topo, onde os países lusófonos, cada um por si, deve esforçar-se por estar —se queremos crescer, o melhor é olharmos para cima e ou para a frente, e sem nos desfazermos do que, na essência, somos. Fazendo ajustamentos, naturalmente, mas sempre assistidos pela inteligência, não pela hipocrisia da solidariedade. De cedência, em cedência, chegamos até aqui. Se não se aprendeu, o melhor é fechar a “loja”.

  5. Rodrigo Costa says:

    Clara,

    Acha que os Ingleses, por exemplo, algum dia se preocuparam com os Australianos, com os Americanos e com todos os outros países que se expressam em Inglês?… Acha que, algum dia, a Inglaterra —a mãe, a origem, a fonte— iria sujeitar-se à reformulação da sua escrita, para que houvesse uniformidade linguístima, digamos assim, em termos de escrita. Claro que não! É isso que distingue os países e as pessoas com personalidade.

    E se pensar que eu me expresso assim por questões de orgulho, eu digo-lhe que, em Portugal, muito antes de que os outros países lusófonos fôssem países, já Portugueses habilitadas se debatiam com o estudo da Língua Portuguesa e da sua apresentação perante o Mundo.

    O “ph”, como outras alterações que, ao longo do tempo, foram promovidas, foram-no no ajustamento da própria Língua, enquanto ferramenta de comunicação de um País com identidade própria, e não com a preocupação de facilitar negócios ou aproximações.

    Eu nunca me queixei nem me queixarei do modo como escrevam os Brasileiros; sempre os percebi; sempre soube o que eles queriam dizer; nunca necessitei de tradutor. E acho, inclusive, ser a diversidade um elemento que deve ser preservado, sobe pena de as pessoas e os países se tornarem maçãs com o mesmo tamanho, monótonos, mesmizados.

    Portugal, Clara, é a Pátria da Língua Portuguesa; é em Portugal que se fala Português; o que se fala nos outros países é algo que derivará do Português; mas nem isso me incomoda. Em Marrocos, por exemplo, também se fala o Francês, e não me consta que a França se preocupe com a uniformização, por causa da aproximação. Só os países pequenos têm estas preocupações, porque nãso têm grandes metas em que pensar. E, como sabe, a falta de ocupação leva ou pode levar a pensamentos que não se deve ter; e é por isso mesmo que a Língua Portuguesa está tão mal tratada; tornou-se numa manta de retalhos de um país sem personalidade.

    • Comentário muito luminoso, sim.

    • clara says:

      Eu não sei se a Inglaterra se preocupa com os EUA, ou com a Austrália, embora saiba que a Inglaterra tem a noção exacta do que a distancia ou aproxima do inglês falado nesses países; sei também das suas preocupações relativamente ao ensino do inglês nos países africanos de expressão inglesa, onde se ministra com manuais ingleses, onde os exames da faculdade de língua inglesa são elaborados e corrigidos em Inglaterra. Sei também das imensas verbas dispendidas por esse país e pela França na divulgação da sua língua e na tentativa de a fixar em países, ou zonas deles limítrofes aos anglófonos, ou francófonos.
      Agora, se esses países não fazem aproximações, acordos, é natural. Também não se miscigenaram como nós. Quer queiramos, quer não somos povos diferentes.
      Repito: a estrutura da língua não foi mexida, isto é, não vamos passar a dizer “eu lhe amo”, nem “eu vou-te queixar na minha mãe”, nem “eu vou na casa dele”, nem “você queres apanhá?” isso, sim, seria bué de grave 🙂
      Um abraço

      • Rodrigo Costa says:

        Clara, se não vamos dizer como… continuemos a dizer como dizemos.

        Viva Portugal e a bem da Nação 🙂

  6. José Pires F. says:

    Meu caro Nuno Resende; existem assuntos que, primeiro pela sua necessidade e depois pela sua complexidade, não podem ser sujeitos a referendo (convença-se disso). Tentarei sem o acompanhar no uso de epítetos, explicar da necessidade e complexidade deste A.O. com alguns breves exemplos. Obviamente breves, muito mais breves que a necessidade da discussão imporia, mas confio na sua inteligência.

    Como sabemos na língua nada é fixo mas fixado de tempos a tempos por uma questão prática de comunicação e, sabemos bem, que uma das coisas belas da comunicação está precisamente no rompimento das regras. Esta discussão do A. O., que vai da estagnação ao progresso lento e concertado, leva a reflectir sobre o mal-estar dos defensores do “Não” em verem aprovado o actual Acordo, e, escrevo mal-estar e não mal estar, porque a ortografia desta palavra decorre de uma regra publicada em decreto-lei, portanto com o alcance jurídico que permite aos defensores do “Não” exigir o seu cumprimento para um caso e em simultâneo o incumprimento para o outro, aliás, as palavras compostas com recurso ao hífen, são uma confusão e dão-nos alguns desgostos, chegando a ponto de as encontrarmos grafadas com e sem hífen em dicionários de referência. Correntemente, há quem use e quem não use o hífen, seja por erro, por ordem prática ou preferência dos que acham que as normas são convencionais e não mandam na Língua.

    Um bom exemplo, para além das mutações populistas, são alguns escritores que, perante a capacidade expressiva de um hífen poder cumprir funções semânticas, literárias ou estilísticas, se estão nas tintas para o padrão de orientação geral e desenvolvem novas formas, que, a par de outras, principalmente de sintaxe -mais comum do que de ortografia, leva alguns defensores do “Não” a dizerem que é dos escritores a honra de fazer norma, o que, a meu ver, e a par dos falantes que somos todos -porque não se trata de falar, mas de escrever com correspondência à fala, empurram a língua devido à sua padronização para a norma e daí a necessidade de tocar a reunir de tempos a tempos. Ora, como para além da norma, há quem proponha a norma, posteriormente, dicionaristas, gramáticos e linguistas, decidem ser esta ou aquela grafia, esta ou aquela construção sintáctica. Daqui se pode inferir, que NINGUÉM em particular faz a norma, aparecendo esta feita por toda a comunidade de forma retrospectiva e pelo reconhecimento oficial de um uso generalizado, quando não é por necessidade semântica.
    Temos assim, que a norma é necessária para não nos apoiar-mos em balbúrdias e evitarmos afastamentos extremos que dificultariam a comunicação e, da mesma forma e pelos mesmos motivos, esta deve acompanhar os tempos.

    A norma que nos regula data de 1945, e, também por isso, muitos defensores do “Não”, não são contrários a acordos ortográficos, sabem que a língua é como um organismo vivo que vai perdendo umas células, os arcaísmos por exemplo, e ganhando outras como os neologismos, são sim contra este Acordo, pela simples razão de o pensarem de forma diferente e independente de dizerem ‘stande’ ou escreverem ‘fevras’, outros, preferem a prosa redonda da integridade da Língua e divagações sobre soberania, outros preferiam uma poda como a de décadas atrás quando se limparam umas quantas palavras e outros ainda, acusam o A.O. de pertença do eixo Lisboa-Coimbra. Todos estes argumentos correm em paralelo e não importa que uns tentem falar mais alto que outros, o problema é que, os A.O. não são ciências exactas, fazem-se pela urgência de resolver problemas de desfasamento correndo sempre o risco de provocar reacções contrárias, mas isso será sempre assim e esta discussão dura há 20 anos. É tempo, portanto, de aplicarmos este A.O. por forma a controlarmos a dispersão que já se verifica (erva e desumano sem a consoante muda ‘h’, por ex. que estão consagradas no uso faz anos sem ter sido levada em conta a etimologia) e daqui a algum tempo recomeçar de novo.

    E podíamos continuar por aqui na tentativa de que o Nuno Resende percebesse da necessidade do A.O. assim como da sua complexidade. A necessidade obriga a que ele exista e a complexidade a que não possa ser referendado. Ou seja, referendar o A.O. seria, tão só, um jogo entre o clube do “Sim” e o clube do “Não”, onde a maioria dos adeptos não sabe o que está em causa, como se entende pelo seu artigo depois de profusas e prolongadas discussões e sendo o meu caro, como diz, um cidadão letrado e minimamente informado.

    Um abraço.

    • “De fato”, pouco sei do Egito, de egípcios, de egiptólogos.

    • J. Pires, continua a dar-me razão. Não é a complexidade que me assusta, mas o acefalismo de quem aceita tudo sem argumentar. Com ou sem referendo ninguém sabe (se calhar até os adeptos do “sim”) o que está em causa. Por isso, para que serve?
      Exemplifiquei com a questão do referendo pois acho que este sistema existe para incentivar a participação cívica. Usa-se pouco e quando se usa envolve questões pouco plebiscitáveis. Esta parece-me bastante mais pertinente, mesmo que a reduzamos ao maniqueísmo do a favor ou do contra.
      Ora, se o AO é complexo, mas necessário, gostava que me explicassem da sua necessidade sem ter que ligar o Canal Parlamento (que aliás é serviço privado). Para já, dos seus executores só sei que o AO é necessário, porque é. Como de resto a maioria das decisões que saem de São Bento.

      • Rodrigo Costa says:

        Nuno,

        Sem pretender apresentar-me como dono da verdade, tem, nos meus comentários, as razões por que o AO foi pensado. Aliás, nem adivinhei; isso foi perfeitamente audível, desde o início, através da expressão de muitos agentes ligados ao mundo das editoras.

        • Tem razão caro Rodrigo,
          Editoras, mas sobretudo o mundo informático. Ou seja, o Mundo. Retirar uma letra, deixar de dizer Português do Brasil ou Português “de Portugal” é uma poupança de triliões em servidores, softwares e afins.
          Aquela ideia do patrioteirismo linguístico é balela. A língua evolui e pronto. Não precisa de Acordos, nem de linguistas, nem de decretos.
          Mas o meu post é, sobretudo, na acrisia desta gente. A falta de crítica é bem o exemplo da incultura, do desprezo. Ninguém questiona, nem a oportunidade do AO, nem a validade, nem a importância. Aceita-se e pronto. Venha o próximo.

    • Rodrigo Costa says:

      Caro José Pires,

      A parte mais complexa, aqui, é conseguir que os “burros” sejam desalojados, e passe a gerir os destinos do País que têm o privilégio, que não é concedido a toda a gente, é verdade, de poder fazer uso do senso.

      Aquilo a que chama as “quebras de regras” está previsto nas chamadas “figuras de estilo”, que, no Português, como saberá, por comparação com outras línguas, existem em profusão; até mesmo o “pleonasmo” deixa de o ser, ou será, por defeito, se não houver, no seu emprêgo, a intenção do ênfase, do reforço, da intensificação da ideia —um pouco ou mesmo como na Pintura; o defeito aplicado como efeito, por haver a consciência do seu emprêgo, da sua adequação, no sentido de melhorar o ou os aspectos compositivos…

      Poderá dizer-me que estaremos a entrar nos domínios da Poesia, do artístico… Pois, meu caro, mas o Português é isso, quando devidamente usado, uma ferramenta poética… de poesia, artística; o Português meramente técnico é redutor, salvo quando o técnico pode ser poeta..

      Mais do que ser diplomado e conhecer o dicionário, de ponta-a-ponta, o Português exige que se seja modelador, amante das formas e das combinações; que se tenha um ouvido exigindo a eufonia, os ritmos, as cadências… No Português falado ou escrito, devidamente falado ou escrito, há o gozo; o técnico não é um técnico, mas o Demiurgo —acha que qualquer ignorante, qualquer analfabeto, por mais diplomado, pode chegar a tudo isto e cortar por onde bem lhe aprouver; sem ter ouvido, sem ter sentido estético, independentemente do respeito devido à etimologias?…

      O que Portugal mais tem é gente diplomada, que, por espúrias cooptações, podem integrar comissões de gente com quem não se pode falar mais do que 10 minutos, porque, de tanta aridez, cansam-nos. A maior parte deles não os quereria para meus funcionários, porque deturpariam toda e qualquer mensagem que lhes pedisse para fazerem chegar a alguém ou a qualquer lado.

      É claro que não se pode fazer um referendo. Não só por causa do A.O., mas por causa de muitas outras matérias, porque as pessoas, na generalidade, não estão habituadas a pensar; não foram educadas para pensar; logo, não podem estar preparardas para votar em matéria que exijam conhecimento e sentido de responsabiliadade. É por isso que não gosto da Democracia; não pelo regime, em si, mas pelas diferenças, naturais e culturais, que separam as pessoas. A Democracia —que não existe em lado nenhum, é uma utopia— é um regime cuja aplicabilidade só seria possível em grupo ou grupos de pessoas do mesmo patamar ou muito próximo; entre as quais os níveis de educação e de comunicação —elavados, médios ou baixos— fôssem transversais.

      O que está em causa não é a necessidade de um referendo, mas a necessidade de se saber o que pretende um País moribundo, que, veja-se, se ainda sobrevive, deve a sobrevivência, em grande parte, à singularidade da sua Língua; e poderia ser, também, devido à sua Cultura; mas não é, não porque lhe faltem valores, mas porque não tem uma política organizada de divulgação; tem uns rapazolas protegidos que não saem da cêpa-torta.

      O que fazem, os covardes, é delegar procuração nos Brasileiros, esperando, deles, o papel de relações públicas de um projecto abrangente e que poupe trabalho e investimento, e que traga lucro, mesmo sabendo —não sabem, porque não têm suficiente maturidade para isso— que acabarão engolidos, porque ninguém trabalha de graça.

      Nota: sabe há quanto anos os Brasileiros fizeram chegar as telenovelas?… Sabe há quantos anos —independentemente das histórias—, os Brasileiros dão lições soberbas de interpretação… Meu Caro, conhece algum Português —dos conhecidos, exceptuando a Eunice Muñoz— que se lhe equipare?… O Português, em média, vive de comprar-feito; não investe; não se cultiva. É este o princípio orientador de um acordo ortográfico estúpido, de chulos. Acha que há, em todo o processo, alguma coisa de complexo?… É tudo muito simples: o Português, sempre que pode, delega, hipoteca, não faz. Simples.

  7. José Pires F. says:

    No caso de “facto” são admitidas ambas a grafias. A consoante não desaparece porque não é muda, o que já não acontece com Egipto onde a consoante é muda e desaparece de facto.
    Aliás, o facto/fato é um exemplo sem qualquer cabimento, ou seja, têm de existir as duas por causa do Brasil. Em Portugal é facto e no Brasil é fato. Penso que isto não é difícil de compreender.
    De qualquer forma, atirar com uma ou duas palavras para o ar, não é princípio honesto de discussão e sim de falta de argumentos. Mais uma razão contra o referendo.

    • Mas eu não sou a favor de um referendo sobre a língua portuguesa.
      A língua não se decide por votos. A língua existe, tem uma história, tem um entorno e o nosso é diferente do de Moçambique ou Brasil.
      Não percebo que eu tenha que limpar a minha grafia do português só porque outros já o fazem.

      Qual o próximo passo? – harmonizar as fonética? a semântica?

  8. José Pires F. says:

    Pergunta o Nuno Resende para que serve e qual a sua necessidade.

    Pois bem e rapidamente mas ainda de boa fé: Serve e é necessário para aproximar a escrita da fala. Como sabe, hoje a aprendizagem da ortografia entronca na sua artificialidade e porque esta resulta de um conjunto de regras político-administrativas convencionadas e não de séculos de interacção entre fala e escrita, não é uma coisa natural. O resultado, pese embora a quem com honestidade intelectual é contra o Acordo defendendo razões culturais e históricas da grafia (graphia) de cada palavra, tem sido o de não existir qualquer estratégia para se escrever correctamente que não passe pela memorização do léxico e também pela interiorização das regras devido à experiência que vamos adquirindo.

    Quando temos em atenção a combinatória de uma imagem acústica com um significante e, na definição, tivermos em conta a língua escrita, concluiremos que, o significante não intervém só na imagem acústica mas também na imagem gráfica, depois, o A. O., só trata de pronúncias cultas não se debruçando sobre as não cultas, logo, não elimina nenhuma palavra ou qualquer letra que se leia numa pronúncia culta, razão, porque, os casos em que a resistência à mudança assume contornos imperialistas, estão normalmente enfermos de inexactidão e lançam poeira com exemplos como “facto-fato” ou “pacto-pato” que não alteram, mas aceitam pacificamente (e muito bem) as modificações naturais da língua como a adopção dos termos acabados em ismo: salazarismo, guterrismo, ou expressões novas como ciberespaço e teletrabalho porque, a língua é um organismo vivo que muda e se adapta aos tempos e costumes, não fosse isso e ainda escreveríamos monarchia como o fazia Fernando Pessoa depois da reforma de 1911.

    Ora, Portugal, enquanto Pátria da lusófonia, só tem a ganhar com este acordo que, para além de simplificar a escrita ao retirar parte das consoantes sem valor fonético e que só existem por tradição ortográfica e similaridade do português com outras línguas românicas, simplifica também o processo de escrita e o de aprendizagem, já que, não altera a sintaxe, não cria ou elimina qualquer palavra, nem existe a intenção de acompanhar no extremo a naturalidade com que se fala, nem tão-pouco interfere com a coexistência ou regras linguísticas regionais, depois, é também essencial para a unificação institucional e plural da língua nos países da CPLP que, unificada, ganhará poder de afirmação nas instâncias internacionais e é, uma medida fulcral para que a língua dos lusofalantes continue bem de saúde, não siga rumos diferentes e, um dia, não tenhamos de enfrentar o salazarista “orgulhosamente sós”.

    Posto isto, julgo que os adeptos do “Não” deviam ter outro tipo de argumentos contra o A.O., caso contrário é como digo; uma disputa entre adeptos de clubes.

    • Continua sem rebater os meus argumentos, por estaparfúdios que sejam. Segundo percebi pela leitura do seu texto, o mundo não se divide entre clubes. Divide-se entre bons e maus. Ou entre inteligentes e burros, sendo os primeiros os que defendem o AO que existe, faz-se e deve implementar-se porque…é bom.
      Muito bem. Estamos todos convencidos, então.
      E tudo isto o digo de boa-fé.

    • Rodrigo Costa says:

      Caro José Pires,

      Eu prefiro estar só do que mal acompanhado.

      E como já me fartei de apresentar argumentos, e como não tenho o propósito de convencer ninguém de que aq minha ideia está certa, continuarei a escrever e a falar em Português; e, quem quiser, poderá continuar a falar Brasileiro, Angolano, Moçambicano ou outra qualquer língua parecida com o Português. Não há problema. Quando eu não compreender, pergunto —nada como aumentar o conmhecimento, em vez de andar para trás.

  9. José Pires F. says:

    Não, não o diz de boa fé nem sequer contra-argumenta e por isso fico por aqui. Penso que os adeptos do “Não” deviam começar por reconhecer a emergência do Acordo reconhecendo que a língua é como um organismo vivo que se desenvolve e adapta, o que se confirma pela existência das simplificações anteriores, se exemplos fossem necessários para justificar saltos evolutivos. Depois, deviam ainda de ter em conta que cada país continuará com os seus particularismos linguísticos, só a escrita será igual nos casos acordados, como aliás, acontece com o francês, o espanhol ou o árabe e, nesse sentido, devíamos todos estar de acordo com o Acordo retirando da discussão a lamecha dimensão afectiva, já que estas alterações contribuem para um valor mais alto que é a unificação, tendo o nacional objectivo de manter viva uma das línguas mais faladas no mundo, projectando-a internacionalmente.
    Pelo meu lado, estou até convencido de que poderíamos ter ido um pouco mais longe, para além dos ameaços, mas se assim já difícil…
    Fique bem, caro Nuno Resende.

  10. M.B.P. says:

    “Temos assim, que a norma é necessária para não nos apoiar-mos em balbúrdias ”

    Caro José Pires

    Depreendo que este caso seja então uma aproximação da fonética à própria gramática. E, fora de ironias, a sua patacoada no tempo verbal poderá ser justificada exactamente como o acordo é justificado. Os argumentos cabem lá todos direitinhos, até o contra-argumento da balbúrdia.

    Em que ficamos? Vamos prosseguir a presunção correctiva do AO ou manter alguma humildade e perceber que meia-dúzia de linguistas vaidozões não têm credibilidade suficiente para abater desta forma os étimos das palavras ou condicionar as próprias fonéticas diferentes a, passo a citar, “interpretação de contexto”?

    De facto, a balbúrdia só agora começou e não me parece que seja com seguidismos da cartilha da mudança porque somos os da frente e tal, que se consiga realmente passar um pouco de seriedade para este AO.

    • Pedro B. says:

      Quem não sabe escrever correctamente “apoiarmos” nem merece resposta. Sinceramente…. que boçalidade.

  11. Duas contribuiç\oes para o presente debate.

    Recomendo vivamente a leitura desta missiva da Porto Editora em “acordês”
    http://ilcao.cedilha.net/?p=2238

    Como psicólogo, expus os meus argumentos a alertar para os perigos deste acordo aqui
    http://estadodefluxo.net/archives/1025

  12. Pedro B. says:

    À Clara, que considera os brasileirismos do AO uma evolução, respondo-lhe em português “arcaico”: “vá-se phoder”.

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