A mesma política em países com problemas semelhantes (a Grécia talvez tivesse mais corrupção, mas duvido), vai desmentir o que diz o neocon das finanças que deve ter estudado História Económica por correspondência (e não só, também conhece Portugal de binóculos: acreditar num aumento da cobrança do IVA em Portugal numa situação recessiva, só mesmo com um polícia em cada loja). Cada país é um caso, mas a mesma política em casos muito semelhantes dará resultados muito parecidos.
Da propaganda da mentira sempre fez parte diabolizar a Grécia (quantos não se indignaram a seu tempo porque íamos “ajudar” esses malandros). Este é o depoimento de “um jurista de Viena, que tem um apartamento em Atenas”. Sublinhados e comentário entre [] meus:
Há 16 meses que tenho casa em Atenas e vivi in loco esta situação dramática. Ouvem-se queixas de que os planos económicos não vão funcionar porque as receitas fiscais caíram. Põe-se em causa a vontade dos gregos economizarem. Que surpresa! Vejamos alguns factos:
– Redução de salários e de pensões até 30%.
– Redução do salário mínimo para 600 euros. [algo de que estamos safos, deve descer só uns 10%]
– Dramática subida de preços (combustível doméstico + 100; gasolina + 100%, electricidade, aquecimento, gás, transportes públicos + 50%) ao longo dos últimos 15 meses.
Resgate da UE de 97% volta para a UE
– Um terço das 165 mil empresas comerciais a fecharem as portas,[mais um artistas que deve ter subido o IVA da restauração] um terço sem conseguir pagar os salários. Por toda a cidade de Atenas pode ver-se os painéis amarelos com a palavra “Enoikiazetai” a letras vermelhas – “Aluga-se”.
– Nesta atmosfera de miséria, o consumo (a economia grega foi sempre muito centrada no consumo) [coincidência, a nossa também] diminuiu de maneira catastrófica. Os casais com dois salários (onde o rendimento familiar representava até então 4000 euros), de repente, têm apenas duas vezes 400 euros de subsídio de desemprego, que começa a ser pago com meses de atraso. [subsídio de desemprego a 400 euros, um luxo]
– Os funcionários públicos e de empresas próximas do Estado, como a Olympic Airlines ou os hospitais, há meses que não recebem ordenados e os pagamentos a que têm direito foram adiados para outubro ou para o “próximo ano”. O recorde pertence ao Ministério da Cultura. Há 22 meses que os funcionários que trabalham na Acrópole não são pagos. Quando ocuparam a Acrópole para se manifestarem (pacificamente!) receberam rapidamente o troco, em gás lacrimogéneo.
– Toda a gente está de acordo quando se diz que 97% dos milhares de milhões das tranches de resgate da UE voltam diretamente para a UE, através dos bancos, para amortizar a dívida e pagar novos juros. [exactamente o que nos vai acontecer, com a economia de pantanas] Assim, o problema é discretamente atirado para cima dos contribuintes europeus. Até ao crash, os bancos recebiam copiosos juros [coisa que nunca aconteceu em Portugal, é bom de ver] e as reivindicações estão a cargo dos contribuintes. Por isso não há (ainda?) dinheiro para as reformas estruturais. [cá mesmo que houvesse dinheiro nunca se fariam, excepto as privatizações, é claro]
– Milhares e milhares de empresários em nome individual, motoristas de táxi e de camiões, tiveram de desembolsar milhares de euros para pagarem as suas licenças e, para isso, contraíram empréstimos, mas hoje veem-se confrontados com uma liberalização que faz com que os recém-chegados ao mercado não tenham de pagar quase nada, enquanto quem já lá está há mais tempo está onerado com enormes créditos, que tem de pagar. [o sonho de qualquer Gaspar, mas desconfio que o governo tem medo dos taxistas]
– Inventam-se novos encargos. Assim, para apresentar uma queixa na polícia é preciso pagar logo 150 euros. A vítima tem de abrir a carteira se quer que a sua queixa seja aceite. Ao mesmo tempo, os polícias são obrigados a cotizarem-se para abastecerem os seus carros-patrulha. [uma boa inspiração para a reforma da justiça em Portugal]
– Foi criado um novo imposto sobre a propriedade associado à conta da eletricidade. Se não for pago, a luz de casa é cortada. [esta copiaram das facturas da EDP]
Onde está o dinheiro das últimas décadas?
– Há meses que a escolas públicas deixaram de receber materiais escolares. O Estado deve milhões às editoras e as entregas deixaram de ser feitas. Agora os estudantes recebem CDs e os pais têm de comprar computadores para que os filhos possam estudar [ainda deve haver Magalhães em stock]. Não se sabe como é que as escolas – sobretudo as do Norte – vão pagar as despesas de aquecimento. [este inverno também não vamos saber]
– Até ao fim do ano todas as universidades estão paralisadas. Um grande número de alunos não pode entregar trabalhos nem fazer exames.
– O país prepara-se para uma enorme onda de emigração e estão a aparecer gabinetes de aconselhamento sobre este assunto. [esta já temos] Os jovens não veem futuro na Grécia. A taxa de desemprego entre os jovens licenciados é de 40% e de 30% entre os jovens em geral. Os que têm emprego trabalham a troco de um salário de miséria e, em parte, de forma ilegal (sem segurança social): 35 euros por 10 horas de trabalho diário na restauração. [outra que não é novidade] As horas extraordinárias acumulam-se sem serem pagas. Resultado: não sobra nada para investimentos de futuro como a educação. O governo grego não recebe nem mais um cêntimo em impostos. [contas de merceeiro que um ministro não alcança]
– As reduções maciças de efectivos na função pública são feitas de maneira antissocial. Foram despedidas, essencialmente, pessoas que estavam a alguns meses da idade da reforma, para lhes ser pago apenas 60% do total da pensão a que teriam direito. [cá já tivemos treinos, vai piorar] Toda a gente faz a mesma pergunta: onde está o dinheiro das últimas décadas? [isso nós sabemos: BPN, Madeira, PPP’s, e vamos ter mais três barragens] É evidente que não está no bolso dos cidadãos. Os gregos não têm nada contra a poupança, simplesmente, não aguentam mais. Quem consegue ter emprego mata-se a trabalhar (acumula dois, três, quatro empregos).
Todas as conquistas sociais das últimas décadas em matéria de proteção dos trabalhadores se desfizeram em pó. Agora, a exploração tem rédea solta; nas pequenas empresas é, geralmente, uma questão de sobrevivência. Quando se sabe que os responsáveis gregos jantaram com os representantes da troica por 300 euros por pessoa, não podemos deixar de perguntar quando é que a situação acabará por explodir. [o terrorismo nos restaurantes de luxo é capaz de estar na calha]
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