A Grécia e a indústria militar

Já não tenho pachorra para o discurso politicamente correcto sobre a Grécia vivendo acima das suas possibilidades. Fica bem inventar arbustos onde até há jardins, mais as pensões a filhas solteiras como motor do endividamento externo, e hoje um ensaio sobre falsas cegueiras. A direita aproveita a Grécia para vergastar o estado social como se os atenienses vivessem em Estocolmo. Ora, para lá da corrupção típica de sucessivos governos de alterne,  talvez seja mais sensato olhar para a Grécia de hoje pensando na velha Esparta:

O segundo maior gastador em belicismos (% de PIB) da Nato continua a fazer comprinhas: os alemães estão muito chateados porque os franceses continuam a vender fragatas à Grécia (tipo empresto agora depois pagas), não porque isso seja absurdo neste momento mas porque não são eles a vendê-las. E talvez por aí pare o regabofe (não são só fragatas: os submarinos de Paulo Portas ao pé das encomendas gregas são uma brincadeira de meninos), até porque os maluquinhos insistem em comprar francês e americano, esquecendo-se de contribuir para a indústria militar alemã.

Claro que isto agora não interessa nada ao pé de umas vigarices na segurança social, e ainda sou acusado de propaganda anti-alemã se insisto muito em detalhes desta natureza.

Estas e outras fizeram de Arquiloco o meu poeta heleno favorito, muito por ter perdido um escudo em combate e cantado, antes o escudo que a vida.

Fonte do gráfico.

Comments

  1. Há dois pontos a ter bem presentes:

    (i) A presente crise não tem a ver com as dívidas soberanas. O que na realidade se passa é que temos os bancos absolutamente falidos (ver por exemplo a lista da divida externa liquida e compare-se com a lista das dívidas públicas). O problema da dívida soberana é apenas uma pequena parte do problema geral.

     

    (ii) Os estados gastaram de facto demasiado, incorrendo em dívidas que são insustentáveis. Nessa perspectiva, viveram acima das suas possibilidades. Por esse motivo a capacidade de endividamento está bastante reduzida.

     

    Estes são dois problemas diferentes e, apesar de haver ligação entre os dois, essa ligação não é assim tão forte.

  2. José Galhoz says:

    Acho que não há qualquer problema de anti-germanismo – em matéria de negócios, todos os países “ricos” manifestam os mesmos ciúmes quando são preteridos. Quanto às políticas de emagrecimentos dos Estados mais vulneráveis (e das respectivas populações), também todos tocam pelo mesmo diapasão. Curioso é que os próprios governos também insistam nas “culpas” dos povos por viverem acima das suas possibilidades ignorando, convenientemente, o peso que nas dívidas dos Estados têm os armamentos, as obras sumptuárias (quase todas dispensáveis) e as “comissões” embolsadas pelos privados envolvidos nesses negócios. Trata-se apenas de justificar o facto de terem de pagar a factura aqueles que de nada disso beneficiaram… Por último, na tão pouco badalada dívida privada (bem maior e mais problemática do que a pública) ainda menos se fala no peso das dívidas dos bancos, mas as causas disto dariam para vários posts.

  3. jorge fliscorno says:

    Claro que os negócios ditam muita coisa. Mas porque gastam tanto os gregos em material bélico? Será porque querem agradar à França e à Alemanha ou porque a Grécia tem um conflito não resolvido com a Turquia (apesar de as coisas terem acalmado depois do terramoto de 1999), continua na disputa pela ex-Macedónia, está no Afeganistão e enviou meios para o recente conflito da Líbia? É e ver também o historial belicista grego durante o século passado.

  4. Carlos says:

    Amigo, sendo verdade o que diz, isso justifica as aldrabices em que os gregos se especializaram?
    Agora os alemãs não lhes podem pedir para serem sérios? Quem não terá muita autoridade, para pedir uma coisa dessas, somos nós, os portugueses, uma vez que, com relativa facilidade, desculpamos coisas do género. E a malta da esquerda está, frequentemente, predisposta para esquecer estas coisas, sobretudo quando feitas por gente da mesma banda…

    • Não estou muito bem a ver que relação tem a “malta da esquerda” com as bandas que governaram a Grécia nos últimos tempos. É que o PASOK (admitindo que é de esquerda, mas enfim) está no poder desde 2009, nos 5 anos anteriores esteve lá Kostas Karamanlis.
      Ora o que eu digo é atestado por dados internacionais fiáveis, o gráfico tem uma fonte, e é por si uma grande aldrabice. Como enorme sacanice foi a imposição franco-alemã de só emprestarem à Grécia na condição de esta não suspender as compras militares em carteira…
      A corrupção é endémica, pois é, a fuga aos impostos também, mas os gastos militares são uma causa directa do défice grego.

      • Carlos says:

        E depois? Agora o povo alemão não pode exigir aos gregos que acabem com as aldrabices?
        O facto da Grécia gastar o que tem e o que não tem em armamento, é culpa dos franceses ou dos alemães? E os turcos também não terão culpas? Pelo seu raciocínio, se calhar são eles os primeiros responsáveis…

        • Vamos fazer um negócio meu caro: eu vendo-lhe um iate, sei que não tem dinheiro para o pagar, não interessa, mas fica já acordado que lhe empresto dinheiro para pagar o iate, e paga-me com juros generosos…
          Quer maior aldrabice do que ser o maior gastador em armamento da Europa, e o segundo da Nato?

          • Carlos says:

            Amigo Cardoso, eu não quero nenhum iate. Eu não tenho condições para comprar e manter um iate. Eu quero viver de acordo com as minhas possibilidade. E continuar a ser um avô feliz. Os iates são para os Onassis, como eu julgo que se chamava o homem. Ou para os candidatos a Onassis.
            De quem eu não tenho raiva. Nenhuma.

  5. Deve estar aqui qualquer coisa de muito grave a escapar-me. Aldrabice? Mas alguém obriga os gregos a comprar armas?

    Podemos questionar da necessidade da acumulação de tanto armamento (o «perigo turco», etc.), afinal a NATO existe para alguma coisa, mas não me parece que seja legítimo colocar o ónus em quem vende. É sempre uma questão de quem compra.

    «Vamos fazer um negócio meu caro: eu vendo-lhe um iate, sei que não tem dinheiro para o pagar, não interessa, mas fica já acordado que lhe empresto dinheiro para pagar o iate, e paga-me com juros generosos…». Em que é isto diferente de um cidadão ir a um stand de automóveis, providenciando o stand um esquema de crédito? Aceita quem quer ou quem não possa pagar a pronto. As condições do crédito (juros, etc.) são claras, ninguém aldraba ninguém e quem não pode, não compra. Ou compra um carro mais pequeno (o que no caso grego se traduz por menos armas). Qual é exatamente o problema?

    • O problema é muito simples: não se vendem iates a crédito a pessoas que nunca terão dinheiro para pagar o iate. A Lehman Brothers, e não só, fazia isso, e a crise rebentou.
      A culpa também é de quem compra? claro que sim. Mas sobretudo de quem empresta, porque não acautelou receber o seu de volta. Mas a vida corre-lhes bem, quem vai pagar o BPN até somos nós…

      • A culpa é sobretudo de quem empresta porque não acautelou receber o seu de volta? Pois, não sei, deve realmente ser insuficiência minha, mas não vejo qualquer lógica ou razoabilidade nessa frase, que assenta no pressuposto que os gregos são uma de duas coisas: ou débeis mentais ou vigaristas. Seja como for, no mundo dos negócios (seja ao nível do stand seja ao nível dos arsenais militares), quem vende e empresta parte do princípio que o comprador, agente voluntário, tem condições de pagar. Outra coisa não faria sentido. Por maioria de razão, terá um estado soberano responsável essas condições. A não ser um estado soberano que seja gerido com os pés, como é o caso da Grécia. Relativizar e desculpabilizar dessa forma os gregos (e por arrasto todos os agentes públicos ou privados que se afogaram em dívidas nas últimas décadas) é que não me parece razoável.

        Já agora, qual foi a sua fonte para esta informação?: «foi a imposição franco-alemã de só emprestarem à Grécia na condição de esta não suspender as compras militares em carteira»?

        • A fonte está aqui: http://aventar.eu/tag/daniel-cohn-bendit/ e por mais desmentido que tenha sido isso tão óbvio que não suspenderam nenhuma encomenda.
          Os governos gregos não são débeis mentais, são indiscutivelmente vigaristas, deixam fugir mais impostos e existir mais corrupção do que os nossos, o que é obra. Os gregos são como nós, votam neles.
          Sobre os empréstimos não devemos estar a falar do mesmo. Não percebo nada do assunto, mas supunha que a boa prática bancaria implicava pedir ao cliente garantias de que vai pagar: quanto ganha por mês, se tem emprego estável, arranje lá um fiador porque isto pode dar para o torto, etc.
          Entretanto descobri que no maravilhoso mundo dos mercados financeiros há uns seguros, e até umas coisas em que o pessoal investe e só ganha dinheiro se o país for à bancarrota.
          Como não acredito na naturalidade da bondade humana, e sei que os bancos internacionais andam aflitos para recuperar o que perderam em 2009 (e que não tem nada que ver com a economia específica da Grécia da Irlanda ou de Portugal), tenho dito.

  6. Concordo consigo que os mercados financeiros têm de ser melhor regulados e até moralizados. Não tenho o Cohn Bendit como fonte independente e não encontrei qualquer outra referência a essa chantagem para além desse vídeo que circula por todo o lado. Não suspenderam nenhuma encomenda? Pois do que sei está previsto no pacote de austeridade aprovado em Junho, que prevê «reduzir a despesa militar, o mais alto percentual dos países europeus da Otan com cerca de 4% do PIB, embora muitos analistas considerem que é maior pelo uso de verbas ocultas. No total, corte de 1,2 bilhão de euros até 2015 e cancelamento dos pedidos de armamento por 830 milhões de euros» (http://not.economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?idNoticia=201111071606_AFP_80450373). Quanto às garantias inerentes aos empréstimos, acaba de dar a explicação: são vigaristas. Aliás, já o tinham sido quando entraram para o euro.

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