Os ricos que paguem a crise e os números das receitas fiscais

Declaração de (des) interesse: não sou rico nem aufiro rendimentos enquadráveis nos escalões mais altos de rendimentos.

O Estado necessita de receitas e numa altura de crise aumentam as vozes a pedir para se tributar os ricos; eles devem contribuir mais para o “equilíbrio” das contas públicas. Na ânsia de se procurar aumentar a base tributável, e por consequência o valor arrecadado em impostos, novas formas de tributação são constantemente imaginadas pelos criativos do costume. Desde o aumento das taxas mais altas do IRS à taxação das grandes fortunas, todas as ideias que sejam populares são bem-vindas para os tais criativos. Era bom que as pessoas estudassem os dossiês antes de proporem quaisquer medidas. Não é necessário procurar muito para se concluir que as pessoas que pagam impostos em Portugal já são muito penalizadas. É errada a ideia de que os ricos não pagam impostos.

Os dados são inequívocos: 6% das pessoas mais ricas (com mais de 50 000€ de rendimentos) representam 63% do total das receitas arrecadadas pelo Estado em IRS.

Sei que este artigo não é popular, até porque se baseia em factos. Mas a verdade dos factos tem de ser reposta. Se é verdade que os cidadãos devem contribuir para o bem comum proporcionalmente (o IRS até é um imposto de taxa progressiva) ao seu rendimento, não é justo que se continue a dizer que os ricos (seja qual for a definição de rico) não pagam impostos. Não pagam os que não declararam. É sobre esses que deve incidir a fiscalização – de igual forma, há muitos “remediados” que não pagam impostos porque conseguem ludibriar a Administração Fiscal. Os que declaram rendimentos já pagam impostos a mais. Vou repetir o número: 6% dos sujeitos passivos singulares contribuem com 63% do total das receitas em IRS. Se observarmos os quadros acima apresentados, verificamos que cerca de 9% (agregados com mais de 40 000€) das pessoas singulares que declaram rendimentos representam mais de 73% do total das receitas arrecadadas pelo Estado em IRS.

Este artigo não tem como objetivo defender a diminuição da tributação sobre os mais abastados da população, mas apenas alertar para o facto de ser injusto o aumento de quaisquer taxas ou impostos que irão incidir sobre os mesmos de sempre. O que é necessário é alargar a obrigação de pagamento de impostos aos que não pagam mas deviam pagar.

Mesmo que as necessidades mais prementes em termos de receitas fiscais não atendam ao princípio básico da equidade fiscal, pede-se um pouco mais de decoro aos
opinadores e, principalmente, aos decisores políticos.

Tabelas transferidas daqui.

Texto de João Pinto / Cortesia de Criticamente Falando

Comments

  1. Vou admitir que esses dados estão correctos, mesmo sem estar identificada a sua fonte. Agora vamos ver outros dados.

    Declaração de IRS da Américo Amorim – 265 mil euros
    Idem Belmiro de Azevedo – 1,1 milhões de euros
    Idem Ricardo Salgado – 750 mil euros
    Fonte: http://www.agenciafinanceira.iol.pt/impostos/ricos-milionarios-irs-impostos-rendimentos-agencia-financeira/1275539-5240.html

    Ora na lista das maiores fortunas o primeiro até é o trabalhador Amorim. E é aqui que está o problema: esta gente paga IRS com declarações que não correspondem ao seu património, razão porque deveria ser sobre o património que deveriam ser taxados. É a lógica que temos que permite que 1% detenham a riqueza e 99% paguem a crise (que de resto é da directa responsabilidade de muitos deles, com Amorim e Espírito Santo à cabeça). Como se diz na mesma notícia, apesar da crise “o património destes milionários cresceu 20%.”

    • J.Pinto says:

      Caro João José Cardoso,

      A fonte está identificada na última palavra do artigo. A fonte é a DGCI (Direção Geral das Contribuições e Impostos).

      Relativamente à questão que relata, do Américo Amorim, B. de Azevedo e Ricardo salgado, sem falar da situação concreta, vai ao encontro do que disse no artigo. O problema é de quem não declara, não é de quem declara.

      Ao aumentarmos as taxas de imposto, estamos apenas a sobrecarregar os que já pagam. Como se pode verificar pelos dados do Estado, já estão muito sobrecarregados.

      • Mas eles declaram mal. A maior parte dos seus rendimentos desaparece numa offshore qualquer. Motivo porque pagam IRS ridículos, se compararmos com o seus património. É no património que devem ser taxados, não com base numa declaração de rendimentos que não correspondem ao que efectivamente ganham.

        • J.Pinto says:

          Por princípio, sou contra a tributação do património. Se os que declaram os impostos já são muito penalizados, se lhes tributarmos os património estamos a penalizá-los duplamente.

          Acabar om os offshors parece ser uma boa ideia, mas como pode verificar nenhum país parece muito interessado em acabar com esta pouca vergonha.

          Há, no entanto, outras medidas que poderiam servir para amenizar a fuga aos impostos. Por exemplo, a aprovação do enriquecimento ilícito. Não vejo por que é continua a existir tamanha resistência a este respeito.

  2. Não pagam porque não é possível pagar o que justamente devem e sermos o país mais desigual da Europa.
    Mas quanto a ricos, os que mais preferia penalizar são aqueles que estão em S Bento a criar condições de crescimento à próxima empresa onde vão fazer paraquedismo. De preferência com guilhotinas.

  3. O que se paga de IRS está de acordo com o que se aufere. Porém, o que se aufere é negociado em termos líquidos segundo a lei de oferta /procura. Ou seja, individualmente e na prática, a tributação é relativa. Em muitos casos nem sequer é realmente encarada… Os bancos, esses sim, são exímios em jogar com rendimentos brutos, mas não os profissionais.
    Assim sendo, faltariam muitos outros factores para uma análise realista. Como todas as análises redutoras, também esta sai distorcida. O esforço fiscal efectivo só pode ser comparado devidamente se introduzirmos factores que nos digam da maior ou menor capacidade de o realizar.

  4. .

  5. O artigo parte de um pressuposto falacioso. Diz com grande escândalo que “6% das pessoas mais ricas (com mais de 50 000€ de rendimentos) representam 63% do total das receitas arrecadadas pelo Estado em IRS.”, mas esquece-se de comparar com qual a percentagem da riqueza que esses 6% possuem. Se a ela juntarmos a justa necessidade da progressividade do imposto, certamente que os dados que encontraremos não serão escândalo nenhum. A falácia é semelhante a alvitrar com escândalo igual, e a partir da mesma tabela, que “os 40% mais pobres pagam apenas 0,7% dos impostos!” (só que esta venderia a tese bem pior), sem nos dizer qual a percentagem do rendimento bruto português que os 40% mais pobres possuem. Acho muito bem que se combata a fraude fiscal e se vá buscar o dinheiro que falta, que essencialmente é o dos muito-muito ricos, e que, combinado com uma taxação decente das transacções financeiras era suficiente para acabar com os problemas de orçamentação de Portugal e do resto destes países todos que agora vivem de calças na mão, mas por favor, demagogias destas é que não, obrigado.

    • J.Pinto says:

      Caro André Carapinha,
      O artigo não parte de qualquer pressuposto errado. Como sabe, o IRS é um imposto de taxa progressiva, o que quer dizer que uma pessoa que tenha o dobro do rendimento pagará mais do dobro do imposto, relativamente a uma outra pessoa que metade daquele rendimento (exceto as despesas dedutíveis). É claro que essas pessoas (as que têm maior rendimento) têm muito maior rendimento, já que o IRS é um imposto sobre o rendimento.
      O André pode fazer uma hiperligação ao anexo do artigo, uma página do portal das finanças, e apreciar melhor aqueles resultados. Há um quadro com os valores que o André pretende (quadro 34). Em termos de rendimento bruto, as três últimas categorias representam 27,52% do total. No entanto, como refiro no artigo, pagam 63% do total.
      Como vê, não há qualquer falácia. Aliás, como disse, não acho que os ricos devam pagar menos impostos. Apenas digo que é uma falácia dizer-se que os ricos não pagam impostos. Os que declaram pagam os impostos. Os ricos e os pobres, ou remediados, que não declaram, esses sim, não pagam impostos.

  6. J. Vasconcelos says:

    Olá,

    Obrigado pela provocação intelectual. Ainda não pensei tudo o que queria sobre as tabelas, mas desde já noto que 71% dos agregados têm rendimentos inferiores a 19000 anuais (brutos!). Esperar que sejam esses a pagar a crise é pedir-lhes que morram à fome. E são eles que estão a pagá-la com o aumento do custo de vida e os cortes drásticos no Estado Social. Portanto, sim, se houver que aumentar impostos, que se aumentem nas classes abastadas, para alguns perder x% do rendimento pode significar passar férias na Europa ou nos EUA, para muitos pode ser a diferença entre fazer dois ou uma refeição por dia.

    Já agora faço notar que há uma realidade que as Finanças não mostram: para além dos rendimentos contabilizados no IRS, os mais abastados têm em geral uma série de regalias financiadas pelas empresas que detêm, como viatura da empresa, seguro de saúde premium, material informático e, quem sabe, férias pagas, financiamento do colégio dos filhos, do crédito à habitação, etc; os pobres e classe média, além de terem de pagar todos esses itens do próprio bolso, têm visto os serviços sociais do Estado a tornarem-se cada vez mais caros, e as deduções no IRS cada vez mais reduzidas (algo que, como já disse, aos ricos não afecta uma vez que são despesas pagas por via empresarial).

    Mais uma vez, obrigado pelas tabelas, obrigam-nos a pensar.

    • Tiro ao Alvo says:

      Pois é, amigo, há é que lutar para que esses rendimentos extraordinários sirvam, também, como base tributária para efeitos de IRS. O autor do post tem muita razão: já chega de gritar “os ricos que paguem a crise”!
      E, se pensar bem, a fortuna maior do País, que, dizem, é do “trabalhador” Amorim, não chega nem para tapar o buraco do BPN. Portanto, se ele fosse taxado a 100% sobre o “capital”, quase ficávamos na mesma. E esse é que é o nosso maior problema, concordará.

      • O Amorim deve muito dinheiro ao BPN, e vai ser o segundo dono do BPN, comprado agora ao preço da uva mijona por um banco de quem é o 2º accionista. Estamos entendidos sobre onde se tem de ir buscar o dinheiro? Se calhar a quem ficou com ele, ou será que desapareceu por obra e graça do divino espírito santo?

  7. Pisca says:

    Se eu tiver uma empresa ou conjunto de empresas que me paguem até os tampões higiénicos das minhas amigas, para que preciso de salário, qualquer coisinha para fazer de conta serve para mostrar ao fisco, um IRS de faz de conta

    Caso tenha de ir a tribunal posso sempre reclamar que sou indigente

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