Contêm partes eventualmente chocantes e uma das razões porque ao passar na Ponte Vasco da Gama tenho vergonha de ser português.
Então [Vasco da Gama] mandou aos batéis que fossem roubar os pageres que eram dezasseis e as duas naus, em que todos acharam arroz e muitas jarras de manteiga e muitos fardos de roupa. Então tudo isto recolheram aos navios e a gente toda das naus grandes, e mandou que recolhessem o arros que quisessem, que tomaram quatro pageres, que vazaram, que não quiseram mais. Então o capitão-mor mandou a toda a gente cortar as mãos e orelhas e narizes e tudo isto meter em um pager, em o qual mandou meter o frade [o brâmane que, ao chegar a frota a Calecute, entrou a bordo] também sem orelhas, nem nariz, nem mãos, que lhas mandou atar ao pescoço com uma ola para ele-rei, em que lhe dizia que mandasse fazer caril do que lhe levava o seu frade.
E a todos os negros assim justiçados mandou atar os pés, porque não tinham mãos para se desatarem, e porque se não desatassem com os dentes com paus lhes mandou dar neles que nas bocas lhos meteram por dentro, e foram assim carregados uns sobre os outros, embrulhados no sangue que deles corria, e mandou sobre eles deitar esteiras e ola seca e lhes mandou dar as velas para terra com o fogo posto, que eram mais de 800 mouros, e o pager do frade com todas as mãos e orelhas também à vela para terra sem fogo, com que foram logo ter a terra, onde acudiu muita gente a apagar o fogo e tirar os que acharam vivos, com que fizeram seus grandes prantos.
Gaspar Correia, Lendas da Índia
A nossa decadência nestas partes é inteiramente devida ao facto de tratarmos os nativos como se fossem escravos e pior do que se fôssemos mouros
António de Melo e Castro, Vice-Rei da Índia, 1664
Retirado da compilação Ministros da Noite, Livro Negro da Expansão Portuguesa, de Ana Barradas, Antígona, 1991
Eu també quase sinto vergonha de você ser português.
Eu sinto mesmo vergonha de você ser português. Mas claro, que os há bons e patriotas, e maus, traidores aos valores da pátria, como é o seu caso.
E eu sou um português em vergonha.
Eu sinto mesmo vergonha de ser português.
Ver a história à luz de uma moral é assim ver a evolução das espécies à luz de uma religião!
Excelente comentário !!!
Corrijo:
Ver a história à luz de uma moral é assim como ver a evolução das espécies à luz de uma religião!
João Cardoso, vou dar-lhe outro motivo para ter vergonha de ser português, mas sempre, e não apenas quando atravessa a ponte Vasco da Gama. Em Portugal existiu em todo o país uma instituição chamada Inquisição, que roubou, torturou, assassinou, milhares de portugueses e obrigou ao exilio permanente outros tantos milhares.
E já não falo da guerra colonial, bem perto, no tempo, de nós.
De resto subscrevo o comentário de M. Ralha.
K
Quanto a vergonhas,sinto,muitas vezes,a de ser humano e uma grande admiração pelos outros seres.
E,ao que parece,foi um mouro,contratado pelo tal vice-rei ali pela ilha de Moçambique,que lhe ensinou o caminho que alguns patriotas dizem ter ele descoberto.
Sempre prefiro o esclarecimento ao bairrismo.
mário
Parece-me que se está aqui a extremar posições mais com recurso à emoção do que à razão! Já aqui defendi esta minha posição, mas nunca é demais insistir: Portugal não é inocentes no que à expansão colonialista diz respeito, mas muito provavelmente não fomos os piores, bem pelo contrário. Desde belgas a ingleses, passando por franceses e holandeses, todos têm uma história bem feia de sujeição de povos autóctones. Por isso não tenho qualquer prurido em ser portuguesa e ter orgulho em o ser. O que me incomoda mesmo são as prosélitas pretensões de alguns compatriotas que acham que os outros são melhores.
A vergonha resulta de um carniceiro ser colocado no pedestal dos heróis. Outros países o fazem? é verdade, problema deles.
Se “ter vergonha de ser português” resulta da crueldade que o texto manifesta receio bem que não possa ter orgulho em pertencer a qualquer outra nacionalidade e acabar mesmo por “ter vergonha de ser humano”.
Infelizmente, a nossa “espécie” é assim… A questão da nacionalidade é apenas um pequeno pormenor…
O Sr.Cardoso analisa (ou tenta, vá…) acontecimentos de há cinco seculos à luz da “ética vigente” na pós-modernidade.
Clap, clap, clap!
Bravo! Bravo!
Muito lindo, sim Sr……..haveria de ser lindo se os historiadores desatassem a fazer estas prescrições morais tão típicas da pequena e média burguesia da Europa pós-45.
Vistas bem as coisas, o DeGaulle lá teria as suas razões…..
E daqui a 500 anos??!!??
Como é que acha que seremos….”analisados”?
Ah, pois é….
Quando o dedo aponta para a lua o imbecil olha para o dedo. Quer em francês?
Ah….já me olvidava….: sempre o insulto!
Quando não há argumentos tudo vale, não é Sr.Cardoso?
Nada como a burguesia europeia versão “gauchiste” (já que aprecia o francês) para nos lembrar do que mais reaccionário existe na Europa com este eterno (e “etnocêntrico”, até) ar luzidio e auto-complacente dos que mandam bitaites a partir do…….conforto das poltronas do Ocidente.
Todos, na sua época, convencidos que são o “final da História” (à lá Fukuyama, esse paspalho) e que o que pensam e o que existe é o derradeiro (e não menos definitivo) estalão geral de valor.
Até poderia falar da forma como, SEMPRE, cada protagonista de uma determinada época histórica adorou pensar que a é poca em que vivia era o definitivo Zénite do conhecimento e dos Valores.
O que pensariam os Romanos?? (LOL)……ou os do Concílio de Trento…..ou os Calvinistas……
Sobre “prescrições morais”* estamos conversados.
(e ainda falam da Direita!! Porra!!)
*se calhar e “Moral” não passa de uma “abstracção burguesa”