É p’ramanhã! bem podias fazer hoje…

Corre viral a carta de uma cidadã indignada, filha de emigrantes, mãe, licenciada e mestre que diz viver uma vida precária. De seu nome Myriam Zaluar, a indignada investigadora de Braga aponta  a Pedro Passos Coelho, culpando-o pelo incitamento à emigração, pela situação em que se encontra, pelo Passado, pelo Presente e pelo Futuro. A carta, embora extensíssima, não impressiona pela descrição contundente como impressionaria a de uma mãe desesperada com os filhos nos braços a pedir pão à porta de uma igreja. Mas é, de facto, um desabafo sentido como muito que se ouvem e leriam (se todos os estigmatizados escrever pudessem) em tempo de crise. Há, contudo, gente que não tem facebook onde possa lançar as suas queixas, nem carro, nem casa própria. Nem filhos. Não obstante, li com atenção a mensagem da Dr.ª Myriam. De resto as notas públicas do seu facebook estão cheia de alusões à luta popular e à defesa das acampadas que, durante o verão, se reproduziram viralmente, muito embora a Dr.ª Myriam diga que, quanto à ideologia política, “está muito à frente” (o que talvez seja equivalente à antiga formula tabeliónica: quanto aos costumes nada).

A Dr.ª Myriam que relata com minúcia a sua vida, repleta, e o seu curriculum, preenchido, oferece-nos um quadro muito interessante da geração à rasca sobre a qual o mundo desabou de repente. Esta urgência, porém, não é só portuguesa, é da humanidade – o acomodar-se quando tudo parece bem e querer partir a louça quando  as coisas mudam. Dando razão a Camões, se todo o mundo é composto de mudança, mudar não devia ser de hoje, devia ser todos os dias, todas as horas, todos os dias e segundos. Mas muitos, migrantes, emigrantes ou emigrados, como os pais da Dr.ª Myriam e ela própria, calaram-se e durante muito tempo aguentaram a placidez dos dias. Se não estavam satisfeitos, também não estavam mal de todo. Foram ficando. Votando ora PS, ora PSD, como se o voto fosse a tal arma. O voto não é arma nenhuma, apenas um simples preceito democrático, uma procuração. Sem voto (com abstenções elevadas) não tem a democracia efectiva continuado (mesmo apesar das acusações infundadas de défice)? Em vez de se educar, o português foi somando algum conhecimento, fez cursos para ter o diploma nunca se importando com o civismo, a civilidade ou a política. Aceitou a cunha e o clientelismo como algo normalíssimo, desde que comesse da mesma gamela; passou à frente nas filas de trânsito e de supermercado, elogiou políticos corruptos e trauliteiros (porque, segundo ele, eram carismáticos); aplaudiu o facilitismo e foi dizendo que liberdade era poder dizer o que pensava, sem o justificar ou cumprir. E quando a política, sobre a qual não queria saber, lhe roeu a corda que segurava a gamela, começou a gritar contra a democracia.

Pois bem, não adianta culpar a democracia quando esta entra crise. Uma democracia não é uma ditadura, não se luta para a derrubar como parecem querer alguns. Em democracia intervém-se, SEMPRE, e não só no verão, em “acampadas”, nem em tempo de crise. Mas para evoluir de uma partidocracia como a que vivemos para uma verdadeira democracia é preciso educação e cultura. É preciso assumir e planear cada acto da nossa vida em relação aos outros. É preciso falar, expor, criticar com responsabilidade. É preciso ter uma noção do colectivo, não só individual e pensar a médio e longo prazo. E, sobretudo, é preciso ter uma consciência global do mundo em que vivemos, participando na sua construção todos os dias. A Dr.ª Myriam, que até é doutoranda em comunicação social, devia saber a importância disto.

E sabe-o com certeza…

Comments

  1. antonio oliveira says:

    Ideias precisam-se pois o diagnóstico está mais que feito.

  2. obrigada. bom texto

  3. Bem, bem.. cá por mim ainda tennho a liberdade de não intervir SEMPRE mas quando penso que o devo fazer…
    Muito se poderá dizer do que seja intervir e das formas eficazes de o fazer.

  4. maria celeste d'oliveira ramos says:

    Não temos governantes – temos coveiros

  5. Tiro ao Alvo says:

    Aqui está um bom exemplo de quem é contra o “sistema”, mas que se aproveita dele, sem nenhum pejo e ainda se gaba disso. Aqui está uma pessoa que vive, essencialmente, da economia paralela, que não paga impostos, mas que se julga com direito a tudo: a ter casa própria, a ter carro, a receber ajuda do Estado para criar filhos, ignorando o pai deles, a acampar muitos fins-de-semana, a passar férias no estrangeiro, a ir almoçar ou jantar fora amiúde, etc. etc.. E depois ainda arranja cúmplices na comunicação social para vender o seu “peixe”, armando-se em vítima.
    Ela diz que dá aulas numa universalidade há 16 anos, umas quantas horas por semana, e que só ganha de ordenado fixo de 405 euros X 7 meses. Alguém acredita nisso? E que essa universidade lhe baixou o ordenado. Pode? Diz ainda que é jornalista com carteira passada há 18 anos, e que tem experiência nessa área, que faz traduções, que dá explicações, que dá pareceres técnicos (?), tudo, seguramente, a dinheiro contado, sem pagar impostos. E que ainda lhe sobra tempo para ser animadora de “Acampados”, de “Precários Inflexíveis” e quejandos.
    A verdade é que uma pessoa com este “currículo” encontra sempre quem lhe dê ouvidos e, até, a encoraje a insultar o primeiro-ministro, fazendo disso gala, a julgando-se merecedora de ocupar os mais altos lugares da administração pública, quem sabe, a ser presidente da República.
    Não haverá, nas suas relações, quem seja capaz de a denunciar, tirando os seus pais que, coitados, devem viver num inferno? Que ela está a pedi-las, está. E quem lhe dá aceitação, também.

    • mortalha says:

      O mal da política portuguesa é feito do seu tipo de pessoa que interveio SEMPRE de modo a limitar a democracia promovendo o preconceito através da atribuição de rótulos. A sua regurgitação verbal lembra os inquisidores que queimavam na fogueira as damas que lhes davam tesão.

    • Isabela says:

      Fala o senhor acima do que não sabe. E quando se fala daquilo que não se vive ou percebe, mete-se verdadeiramente a pata na poça. Mas, lá está, a democracia também tem doença e a liberdade de expressão de alguns torna-nos a todos cerebralmente mais pequeninos. Caso não saiba, senhor Tiro, há centenas de milhar de casos como os da Myriam, Idênticos. De gente que luta e trabalha e nunca sai do recibo verde. Era assim, o que quer? Antigamente tinha a ver com áreas profissionais. Hoje está bastante mais generalizado, infelizmente. Hoje é feito de gente à margem da sociedade que nunca sabe ao certo quanto vai ganhar a cada mês, quanto mais descontar um valor para a Segurança Social (como se pode pagar impostos assim, senhor Tiro? Desculpe-me. A ignorância faz-me tanta alergia…A maledicência também…E a inveja? Sentimento minúsculo). Sabe o que eu acho, sinceramente? Todos temos os nossos Infernos pessoais. O seu deve ser extraordinariamente insuportável, quente, suado, como o nó de uma gravata a esmigalhar-lhe a maçã de Adão. Ainda bem que há Myriams por este mundo fora. Trabalhadores cujo percurso os move para ajudar os outros, em igual situação. E o senhor Tiro, quem é? Queria ter um texto que se tornasse viral, era? Vá tentando. 😀

      • Tiro ao Alvo says:

        Não merece que lhe responda, mas vou fazê-lo, apenas para lhe dizer que sei bem o que são recibos verdes. Tenho gente na família que vive nesse regime há anos. Da minha família chegada. Situação que acho injusta. Mas isso não dá direito a ninguém para insultar, como você veio aqui fazer.
        Percebe-se bem que a Isabela foi feita da mesma massa da Myriams, e que se move muito por inveja, inclusive da vida de quem desconhece, apenas por que pensa que é melhor do que a sua. Fique a saber que vivo tranquilo, que sei bem o que é trabalhar no duro desde tenra idade e que sempre vivi à custa do suor do meu rosto, e nunca a mamar na teta do Estado, como vocês procuram fazer.

  6. Isabel Lourenço says:

    Fico espantada com os comentários aqui deixados! É que eu conheço a Myriam e acho muito triste fazerem juizo de valores sobre uma pessoa que não conhecem, mas deduzem que isto e aquilo. Isto é lamentável. Fiquem sabendo que é uma pessoa integra, não vive de economias paralelas nenhumas e sim senhor ganha o que diz ganhar. Tem uma batalha de anos pelo pagamento que é devido aos filhos, o que aliás só acontece porque muitos HOMENS acham que deixam de ter flhos e responsabilidades após o divórcio. dar-lhes prendas no natal não os alimenta, não os calça nem veste e não paga o dentista nem o tecto onde vivem. Luta há anos, não começou a lutar acampada, e mesmo não sendo eu defensora de acampamentos no Rossio, isso não retira em nada a justeza das afirmações da Myriam. É uma pessoa que apesar de no mês em quem iria receber por uma reportagem feita na sua ida aos acampemntos de refugiados saharauis, preferiu não receber por não receber nem publicar em vez de “alterar o conteudo” de acordo com a “visão” do jornal em questão. Nesse mês não teve dinheiro para pagar a casa. Isto meus caros não se vê com frequência e falo com conhecimento de causa, porque houve outro jornalista que é conhecido por ser mais “lutador” e etc e tal e vendeu-se por tuta e meia.

  7. Rui Remigio says:

    Força Myriam,isto de querer manter a cabeça fora da merda tem custos,mas tem uma grande vantagem não precisas de colocar os teus pés na cabeça dos outros.
    Repara como eles para irem ao tacho são capazes de tudo.
    De escribas e fariseus todos temos memórias.Força Myriam.Continua lúcida e vais ver como cão que ladra não morde e só obedece ao dono quando tem medo ou fome.
    Força Myriam.Como é bom não ter cangas nem trelas.
    Força Myriam.

  8. Isabela says:

    *Ah.. Senhor Nuno Resende, permita-me uma sugestão sincera: talvez seja melhor informar-se melhor sobre a pessoa de quem fala antes de escrever sobre ela. A Myriam não é uma revolucionária de Verão. Já fez mais pelo País do que os trauliteiros e os escrevinhadores de opiniões sem espinha dorsal. Sabe pq? Porque está sempre lá. E o senhor, em qual dos quadrantes se insere? Nos que comem da gamela? Nos que queriam comer? Ou no dos cidadão verdadeiramente exemplares, que tudo fazem pelos outros e raiam a perfeição? É que, desculpe-me a franqueza, não cheguei a perceber… Se há coisa que nunca perceberei é porque é que as pessoas perdem tempo a escrever sobre coisas, sobre as quais nada sabem, apenas para desmontar qualquer coisa. Desse prisma, nada o distingue verdadeiramente deste deplorável comentariozinho do senhor da gravata apertada. O que deveria ser feito em relação à carta da Myriam não era desmontá-la ou desmontar a sua autora. Era perceber, assistir, dar sugestões, ajudar, sentir empatia… ser-se solidário. E SOBRETUDO não fazer o que há agora por costume fazer: meter tudo no mesmo saco e falar de uma tal de geração à rasca como se se tratasse de um colectivo uniforme e amorfo, descerebrado, preguiçoso. Pensar isso é andar a dormir para o mundo.

  9. Post Infeliz!

  10. Isabela says:

    Querido Tiro, se for feita da massa da Myriam, obrigada. Esse é o melhor elogio que me poderiam fazer. PUM!

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