A lei da cópia privada, a árvore das patacas e a ética da SPA #PL118

A SPA, sociedade que afirma proteger os autores portugueses ficando-lhes (em conjunto com outros intermediários) com 55% dos direitos de autor cobrados a todos contribuintes, resolveu publicar um abaixo assinado com supostos apoiantes do seu projecto de lei para a cópia privada. Acontece que há o pequeno detalhe dessa lista conter pessoas que não autorizaram o uso do seu nome. São os casos de António Pinho Vargas e de Alexandre Soares e há-de ser o de outros que se venham a manifestar. Nada mau para uma sociedade que pretende defender os autores de incursões  abusivas aos seus direitos. Mas olhando para as descaradas mentiras que haviam colocando num anterior comunicado onde, supostamente, explicavam porque razão o projecto de lei é bom, até nem surpreende.

Mas para onde vão actualmente os direitos de autor? Irão mesmo para os autores? Não é fácil de perceber mas Nelson Cruz fez as contas (obrigado!):

Segundo o projecto de lei 118 a AGECOP, que colecta e gere a coisa, pode usar em despesas até 20% do montante angariado. Do montante liquido, reserva 5% para um Fundo Cultural do Min. da Cultura e 10% para “acções de natureza cultural ou social, de incentivo à criação cultural e à divulgação e estudo da propriedade intelectual” . Portanto por cada 100€ recolhidos, 60€ sairão da AGECOP. O PL118 divide então “40% para os autores, 30% para os artistas, intérpretes ou executantes e 30% para os produtores de fonogramas e de videogramas”. A parte dos autores e artistas, creio que será gerida/distribuída pela SPA, cujo presidente diz gastar até 10% em despesas. Pelo que temos:

Autores: 24€ – 10% = 21,6€ efectivamente distribuídos
Artistas: 18€ – 10% = 16,2€
Editores/produtores: 18€
Despesas AGECOP/SPA: 24,2€

 

É de ver o texto completo de onde esta citação foi tirada para melhor se perceberem as reais motivações que estão na base deste projecto de lei. O panorama actual decorre da lei e deste artigo em particular:

Aparentemente, os autores e os artistas poderão vir a receber 37,8% do bolo recolhido, indo o resto para burocracias, representantes dos artistas, editores, produtores e outros que vivem do trabalho dos autores e dos artistas.

Isto é a situação actual mas as movimentações são no sentido de arranjar mais financiamento vindo dos do costume: nós. Para quem não estiver a par, fala-se aqui dum projecto socialista, que mereceu o apoio de todos os grupos parlamentares e com o objectivo de criar taxas a aplicar a impressoras, telemóveis, máquinas fotográficas, discos rígidos, pens, cartões de memória e todo o equipamento que possa alojar conteúdos digitais, tenham ou não direitos de autor, sejam ou não usados para armazenamento multimédia. São taxas que vão da dezena às centenas de euros por equipamento, uma verdadeira árvore das patacas.

Então e quem é esta  SPA que faz pressão para que esta lei seja aprovada? Olhemos para o passado, numa peça da TSF datada de 1 de Fevereiro de 2003:

  • Vemos uma SPA em falência técnica (segundo a certificação dos Revisores Oficiais de Contas, em 2001).
  • Com suspeitas de  a irregularidades desde 1993, (segundo a Procuradoria-Geral da República, que abriu inquéritos à administração, depois de acusações de má gestão vindas a público)
  • Com a Polícia Judiciária  a fazer várias buscas à sede da sociedade
  • Uma SPA que, em documentos oficiais reconhece ter retirado sistematicamente, até 2001, dinheiros devidos aos autores, a fim de cobrir prejuízos e equilibrar as contas
  • Com  irregularidades  relacionadas com despesas recebidas fora da folha de vencimentos, subsídios de alimentação e outros procedimentos desconformes com a lei em vigor e que foram referidos em sucessivas auditorias assinadas por empresas como a Arthur Anderssen, Price Waterhouse, a Área Chave e a Quatro.
  • E com  documentos que comprovam também o favorecimento de alguns autores em detrimento de outros, como a não cobrança de dívidas assumidas pela SPA, sob a forma de letras que nunca foram descontadas, ou de cheques pré-datados que nunca foram entregues nos bancos.

Mas…. é preciso ir a 2003? Tão distante? Vejamos então o que se passou mais recentemente, segundo relato do Público de 1 de Abril de 2009:

  • Segundo Fonseca e Costa, a SPA não tem dinheiro para pagar o que deve aos autores, excepto se estes acederem a ser reembolsados na ordem dos 70 por cento das importâncias a que tiverem direito, revertendo os 30 por cento remanescentes para a regularização da situação líquida negativa
  • No penúltimo ponto do relatório da Deloitte sobre as contas da SPA, é afirmado que  “o passivo de curto prazo é superior ao activo corrente” e que “a continuidade das operações da SPA” depende, designadamente, “do apoio financeiro dos cooperadores [autores] e das medidas de saneamento financeiro que venham a ser tomadas”.

Esta é a SPA que agora se diz alvo de “campanha violenta” organizada por “interesses” para “condicionar e intimidar”. E que é uma “campanha bem orquestrada e com contornos de fanatismo que, em nome dos interesses dos consumidores, visa prejudicar os autores e os artistas e mesmo comprometer o seu futuro.”

No entanto, esta é sociedade que quer uma lei para sacar-nos dinheiro e nem se dá ao cuidado de publicar os seu relatórios de contas. Pior, remove-os da sua página quando começaram a circular notícias sobre estar falida, com um défice de 8 milhões de euros.

Esta é a SPA que está a promover um projecto de lei que nem sequer ganha o consenso dos artistas, como é o caso de Zé Pedro, José Couto Nogueira, José Chan e de João Leitão (que conta nunca ter recebido dividendos por parte da SPA).

Esta é a SPA que promove um projecto de lei que seja tábua de salvação de uma indústria, a dos intermediários entre os artistas e os consumidores, que procura sobreviver à realidade dos artistas usarem a Internet para chegarem directamente ao seu público. Assim se percebe como é que um pequeno grupo de pessoas consegue fazer chegar ao Parlamento um projecto de lei tão danoso para os cidadãos.

A SPA diz que não faz leis. E nem precisa. Tem quem lhe faça o trabalho sujo.

Editado, face a este comentário.

É de sublinhar que os números apresentados neste texto poderão não estar completamente certos, já que  organizações como a AGECOP e a SPA não disponibilizam online os seus relatórios de contas.


Ide ler este texto. Mesmo que não fosse um protesto – será?, mesmo que se lhe tirassem as desilusões, continuaria a ser um relato cheio poesia. 

Comments

  1. De facto são muitos a comer.

  2. Excelente trabalho de pesquisa. vou fazer eco dele no meu blog

  3. J.Pinto says:

    Muito bom. Parabéns pelo artigo.

    Esta lei, a ser aprovada, demonstra bem a política a que temos estado sujeitos nas últimas décadas. Taxas e impostos para os labregos.

  4. Reblogged this on Há e não são VERDES and commented:
    Excelente artigo!

  5. Reblogged this on Aya.

  6. Nightwish says:

    Quanto à lei, esta é fácil de contornar, legalmente e tudo. No mercado único, é só enconmendar lá fora…
    A SPA é igual a outras tantas noutros países.

  7. Jorge, podes dizer onde foste buscar isso da SPA ficar com 20% à cabeça, e mais 30% para despesas? É que quem recolhe o dinheiro das taxas não é a SPA, é a AGECOP. À qual a SPA pertence, e preside actualmente, mas é uma entidade separada e da qual são membros várias outras associações. Ora a AGECOP está obrigada a publicar uma vez por ano as suas contas num jornal, mas não diz sequer quando foi ou em que jornal. Ninguém encontra em lado nenhum.

    Eu fiz as contas com base nas percentagens indicadas na PL118 (AGECOP pode ficar com 20% para despesas, mais 15% do restante para fundos culturais) e na afirmação do presidente da SPA numa entrevista em como a SPA fica com até 10% do que recebe. Dá resultados semelhantes. Sobram 21,6% efectivamente distribuídos pelos autores, 16,2% para artistas, 18% para editores. Isto para as taxas dos gravadores e suportes de armazenamento (CD-R, DVD-R, discos rígidos, etc), q é o teu Caso 1. Falta a parte das taxas da reprografia, q é o teu caso 2, dividida a meias entre SPA e creio que a APEL (Associação Portuguesa dos Editores e Livreiros).

    Mais detalhes aqui: http://www.pcmanias.com/ex-ministra-diz-que-nos-habituaremos-as-novas-taxas/

  8. jorge fliscorno says:

    Nelson, a SPA ficar com 20% à cabeça foi o meu entendimento face ao disposto no ponto do artigo 7º da Lei n.º 62/9. Foi um entendimento errado, já que não considerei a AGECOP. Vou refazer as contas face a esta informação. Obrigado pelo aviso.

    Quanto aos 30%, procurei saber quais são as despesas da SPA mas os respectivos relatórios de contas não estão disponíveis. Usei por isso 30% das suas receitas como referência, valor que decorre do artigo do Público aqui citado, onde é afirmado «Segundo Fonseca e Costa, a SPA não tem dinheiro para pagar o que deve aos autores, excepto se estes acederem a ser reembolsados na ordem dos 70 por cento das importâncias a que tiverem direito, revertendo os 30 por cento remanescentes para a regularização da situação líquida negativa». Corrigirei este valor quando a SPA voltar a disponibilizar os relatórios de contas online.

    Quanto à AGECOP e o seu relatório de contas, acredito que tenha saído em algum jornal, como estipula a lei, assim cumprindo o formalismo. Porque se se quisesse de facto cumprir o espírito da lei, teria o seu relatório de contas online, assim contribuindo para a transparência das instituições públicas. Opções…

    Estes dados que aqui apresenta, como no PCManias, são muito úteis. Obrigado. Vou refazer o post e dar crédito a quem o merece. Procurei perceber quanto chega aos artistas e vejo que chega ainda menos do que eu havia estimado (a minha estima inicial foi 45% para os artistas e autores).

    Sobre o tal caso 2, indo para a SPA, supõem-se que, descontando as despesas, algo irá para os autores.

  9. Nelson Cruz says:

    Jorge, a SPA tirou do site o relatório de contas de 2010. Talvez por achar que a “transparência” da AGECOP é melhor política. Uma das coisas poucas coisas boas do PL118 é obrigar a AGECOP a publicar as contas direitinhas. De qq forma alguém já tratou de colocar no Google Docs o tal relatório da SPA.

    https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=explorer&chrome=true&srcid=13ZVGJPbEYj9tKvqqnbQeQ5ccCzitrC_-kcchqQK5rdyBKTeybriqGa7TkPOX&hl=en_US&pli=1

    E sim, as receitas da reprografia tb são para distribuir por autores (e editoras), salvo despesas.

  10. Só hoje tive conhecimento deste post e como recentemente me dediquei a alertar para as mentiras do infeliz PL 118 também fiz as minhas contas e reparei que falta aqui algo muito importante que são os 10% das despesas de funcionamento do IGAC!
    Ora, como o IGAC vai ficar com a fiscalização deverá aumentar significativamente as suas despesas de funcionamento, principalmente com uma novas direcções e respectivos copos de chefia e mais uns chefes de outra coisa qualquer para além de mais funcionários pelo que ficamos sem saber ao certo quanto representarão esses 10% das despesas de funcionamento. Isto para não falar do velho sonho nunca satisfeito de terem muitas mais delegações regionais…
    É que, por aquilo que li e com a ajuda de opiniões bem fundamentadas, aquilo que está lá escrito não é 10% do montante angariado ou líquido mas sim 10% de um valor que ainda ninguém sabe quanto será!

    Para além deste último pormenor é necessário ainda proceder a mais umas contas e enquanto os 20% para a entidade gestora são uma percentagem do valor recolhido (logo ilíquido) já os 10+5% são do valor líquido o que necessariamente representará sempre um valor superior em termos percentuais ao mesmo valor ilíquido. Em quanto superior?
    É, a par com os 10% das despesas de funcionamento para o IGAC, uma incógnita que deveriam ser os próprios interessados a pedir esclarecimentos – os verdadeiros “criadores”.

    @braço.

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  5. […] os olhos ao facto da sociedade que se propõe defender o direito dos autores acabe, ela mesmo, a usar o nome desses autores sem para tal ter permissão. E que cada 100 € de taxas cobradas sob o pretexto de direitos de autor apenas reverta […]

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