Os régulos.

Apareceu ainda há pouco na televisão um autarca (creio que de Pampilhosa da Serra) exasperado porque o novo mapa judiciário lhe ia tirar o tribunal, ausência que, segundo o mesmo, estimulará a desertificação, acentuará o abandono do interior, blá, blá, e o choradinho eleitoralista do costume. Pergunta: como é que a saída de um tribunal resulta em desertificação? Tomara nenhum cidadão precisar dos serviços destas criaturas amanuenses que neles copiam ou julgam. Se o meu instinto não me engana, e penso que não, um tribunal de comarca municipal não emprega mais que 20-50 pessoas, logo me parece ser causa para o aumento de desemprego (de resto, sob o suave jugo do Estado não serão despedidos, apenas transferidos). Não presta serviços relevantes à comunidade (se entre os serviços não contarmos o trabalho dos advogados e solicitadores que orbitam ao redor de tão grata instituição), que não aqueles estritamente determinados pela natureza dos crimes que aí se julgam (ora, é estatístico que a o volume e a gravidade dos crimes violentos se concentra nos maiores núcleos urbanos). Como, pois, a sua extinção influi na desertificação?
Como já tive a oportunidade para o referir aqui, no Aventar, os autarcas e a sua camarilha vivem presos a estes sinais do passado desde a domus municipalis, com a sua câmara para o juiz-presidente e, à porta, o pelourinho. Depois disso, cada edilidade exige para si um estádio, um museu, um auditório, uma biblioteca, um pavilhão de desportos, uma piscina tudo situado, claro, na vila ou cidade construída de forma esquizofrénica, verdadeira centralização dentro deste estado centralista chamado Portugal. Nunca os edis se lembraram de projectar pavilhões inter-municipais, museus regionais ou escolas que servissem vários concelhos. Muitos, se pudessem, faziam uma linha de TGV para ligar os extremos do concelho. E os que falam em regionalização são os piores. Nenhum deles pensará em regionalizar ou distribuir equitativamente, se não reforçar o poder destas pequenas repúblicas autoritárias. Seria estapafúrdio deixar de obedecer a Lisboa para depois obedecer a outra capital, menor, só porque mais próxima (de resto a proximidade ao poder central é um perigo, dada a iminência de fiscalização).

O país é este estado de coisas: pequenas coutadas defendidas por pequenos caciques com um enorme orçamento para gastar.
Embora não concordando completamente com o olhar enviesado de Vasco Pulido Valente (que de Lisboa observa com monóculo o resto do país), não posso deixar de lhe dar razão quando descreveu um panorama que vem dos anos 80:

As câmaras arranjaram “vereadores culturais”, com funções para lá da compreensão humana. Promoveram encontros, conferências, colóquios, simpósios, festivais. Convenceram o Estado a comprar os cineteatros de 1905 ou 1940, que se iam desfazendo serenamente em ruínas, para uma “produção nacional” imaginária ou pobre. E, se por acaso, não havia um cineteatro à mão, construíram de raiz, e por milhões de euros, centros culturais, centros multiusos, centros de arte, centros de música ou o que lhes passou pela realíssima cabeça. Hoje, esses melancólicos resultados da megalomania e do alfabetismo, com custos de manutenção a pagar, sem um vintém e sem futuro, começam a fechar. A crise veio de muitos milhares de histórias assim.

VPV, Brincadeiras culturais

Comments

  1. José Luís Graça says:

    Pois eu, a ser roubado como sou, tanto me faz ser governado por Lisboa como por Madrid. Madrid até é mais perto e, quem sabe, é capaz de ser mais justa.

  2. marai celeste ramos says:

    Quano leio o que escreve o senhor Resende apetece-me voltar à 4ª classe e reaprender tudo desde o pricípio pois que não percebo nunca nada e não poss atribuir culpas a ninguém, o que é penas, pois ficaria mais descansada

  3. Konigvs says:

    Está a ver as coisas com as vistas muito curtas. Nem de propósito, ainda este fim de semana uma amiga contava-me como este caso do sucateiro de Aveiro tem enchido os bolsos dum de um conhecido dela, dono de um hotel na cidade, em plena época baixa. São jornalistas e mais jornalistas hospedados, são os cafés e restaurantes a faturar, é dinheiro que é gasto lá e dá muito emprego, ainda que de forma sazonal, muito além das pessoas da justiça.

    Eu ouvi o autarca na rádio, e ele falou também no investimento que a autarquia gastou, que agora vai água abaixo e tudo isto é que não faz sentido nenhum. É o mesmo que dizer aos donos de cafés para investirem milhares de euros em sistemas de ventilação, e agora mudar o governo e este dizer “agora vamos mudar tudo de novo, gastaram muito dinheiro azar”.

    Pergunto-me quando é que este país terá uma política de educação, saúde e justiça para mais de dez anos? e não ande ao sabor das sucessivas mudanças de governo, ora rosa, ora laranja.

  4. Nightwish says:

    Dito como um verdadeiro mouro…

  5. mortalha says:

    “um estádio, um museu, um auditório, uma biblioteca, um pavilhão de desportos”

    dão jeito em tempo de guerra

  6. caramelo says:

    O Nuno sabe que em lugarejos longinquos e míticos como a Pamplihosa da Serra, vive gente sadia que se dedica à pastorícia e recolecção, que convive em harmonia, sem crimes, nem conflitos de espécie alguma, agressões, dívidas, divórcios, propriedade, etc, coisas urbanas, enfim. Daí resulta a desnecessidade de tribunais (para além da desnecessidade de centros de saúde, que aquilo é gente sadia, sem sequer dores de dentes, que ali não se comem doces, e que morre de velha na paz do Senhor). Estranhamente, os chefes da tribo foram, um dia à cidade e vieram com ideias de que os autóctones precisavam de bibliotecas, piscinas, audítórios para teatro e outros espectáculos e até museus, imagine-se. Sabe-se perfeitamente que um sino afinado na torre da igreja é suficiente para alegrar os dias, que o rancho local pode bem actuar no coreto e que para guardar as alfaias agricolas mais antigas, basta uma salinha de museu na junta ou câmara lá do sítio. Muito bem, Nuno.

  7. Olhe, nem a propósito, senhor Caramelo. Veja que hoje veio a lume a notícia de que a câmara de Braga gastou 8 milhões numa piscina olímpica que não pode concluir. Quantos centros de saúde se reabriam com 8 milhões? (já que desconversou eu também desconverso – falei em alhos, não em bugalhos).

  8. caramelo says:

    Nuno, não estou a desconversar, limitei-me a ilustrar com uma caricatura, uma outra sua caricatura. Faço o mesmo com comentadores alemães que dizem que os portugueses são uins calaceiros que passam a tarde a dormir a sesta, o que inclui o Nuno. Adiante. Viu hoje uma notícia sobre Braga, já é um avanço, mas haveria mais para dizer sobre Braga. Olhe aquele estádio novo, por exemplo. E a piscina olimpica, era ou não precisa, afinal? Se quiser, podemos discutir o que precisa ou não precisa determinado concelho do país, características demográficas, índices, constrangimentos geográficos, que obras aí se fizeram que agora são elefantes brancos, etc, etc, incluindo Lisboa e Porto, claro. É um trabalho mais aborrecido e longo, mas mais esclarecedor. Note que nem estou a pedir-lhe essa coisa absurda que é localizar no mapa a Pampilhosa da Serra, quanto mais conhecê-la. Basta o seu raio de ação de 20 quilómetros.
    Ainda quanto ás dívidas, eu sei que estou a ser chato, mas cada caso é um caso. Todas as câmaras, sem excepção, pedem emprestado à banca. Mas é diferente pedir para construir uma escola ou um pavilhão desportivo (eles insistem em fazem ginástica e essas coisas, não sei para quê) do que construir uma estátua numa rotunda. É que há câmaras pequenas cujas receitas próprias mal dão para pavimentar as suas estradas. Mas pode despachar as coisas com aquelas máximas olimpicas à VPV, do estilo “quem não tem dionheiro, não tem vícios”. e pronto.

  9. Óptimo, vejo que concorda comigo, então.
    Por momentos pensei que estivéssemos em desacordo.
    Pode voltar à sua sesta.
    Boa tarde.

  10. caramelo says:

    hm, eu ainda não sei se estou em acordo ou desacordo consigo. A sua análise até agora resumiu-se a uma noticia sobre a piscina olimpica de Braga que leu num jornal. Isto, descontando a crónica de costumes à VPV que colocou ali em cima, que é uma espécie de sociologia versão Reader’s Digest. .

  11. Caricatura é sequer considerar encerrar tribunais, quando o problema é que as mais altas instâncias da justiça estão paralisadas, não funcionam.
    Nas cidades grandes, a justiça aluga edifícios e palacetes por auqi e por acolá, muitas vezes nem se sabe o que lá está dentro, e pagam rios de dinheiro. Deixem estar os pequenos tribunais de província, comecem a lista do despesismo da parcela mais alta para as mais baixas…
    E metam os tribunais a funcionar seja onde for!
    Agora um a-parte: se um habitante for citado por um vizinho seu para testemunhar num caso, teriam todos que se deslocar à sede de distrito (?!) para as audiências, teria algum jeito?
    Há distritos onde se tratam de viagens de várias horas ou mais de 100km.
    Vê-se que só lembra a alguém que está tão acostumado ao “carro de serviço com chofer” que já nem pensam nisso…

  12. O senhor Caramelo introduziu a questão dos centros de saúde que eu omiti especificamente do meu texto por considerar que entre o rol de equipamentos municipais os SAP ou hospitais e as escolas não deviam ser reduzidos em número. Mas, afinal de contas, qual é o problema em extinguir comarcas judiciais ou aglomerá-las. A distância? Se for esse o problema, devo assinalar a existência de concelhos que necessitavam de três ou quatro tribunais. Em último caso, qual é o problema em extinguir um ou outro concelho? Uma das boas obras do Liberalismo foi acabar com as 8 centenas de municípios geridos pelo nepotismo, É certo que se substituiu o nepotismo pelo clientelismo que hoje vigora, de boa saúde (cada município é um alfobre de pequenos jobs for the boys), Todavia Mouzinho da Silveira e os seus sucessores libertaram o país de um vasto contingente de pequenos régulos.
    Interessará, realmente, que todos os concelhos deste país tenham um museu cujo espólio não conseguem gerir adequadamente, ou uma biblioteca sem livros, ou um auditório sem uso? Vá, já nem ponho em causa os estádios, os quais, como sabemos tem uso. Mas todo o equipamento cultural num país que nem 1.% do orçamento destina à cultura? Poderá dizer: não destina, mas devia, Concordo. Mas para isso é que existem estudos e planeamentos: para saber se um auditório com 1000 lugares num concelho com 3000 pessoas compensa o dinheiro gasto em gestão e manutenção.

  13. caramelo says:

    José Pinto, está aí a inserir variantes que atrapalham a análise simples do Nuno. Eu acho que ele já disse que na província não existem conflitos que justifiquem tribunais, juízes e advogados. Se a gente for lá comprar queijo ou cestos de verga e os nativos nos enganarem no preço (eles são marotos para os estrangeiros) metemos o processo em Lisboa, e pronto..

  14. O sr. Caramelo gosta de brincar com coisas sérias. É mestre na arte de ironizar. Para quem usa um nickname como o seu e tem um perfil falso no facebook já recebeu muito mais atenção da que eu costumo dar a pessoas que não sabem argumentar e, pior do que isso, não têm coragem para assumir nominalmente aquilo que escrevem.

  15. caramelo says:

    Sim, é que eu disse coisas gravissimas e difamatórias e se ponho o meu nome a sério, o Nuno pode pôr-me em tribunal. Não tenho coragem para dizer aquelas coisas assumindo a minha identidade….
    Nuno, chamo-me António, mas não se prenda comigo, tem muito mais que fazer. Para já, tente conhecer as necessidades das populações, os trabalhos dos autarcas, que os há bons e maus, competentes e incompetentes. Deixe-se de generalidades e frases feitas. Vicê, na realidade, não sabe rande coisa. Xau. Apareça na Pampilhosa da Serra. Moro ao lado, na Lousã, a faço-lhe uma visita guiada, desde que prometa que não enjoa com a estrada.

  16. artur almeida says:

    Quando já não há mais argumentos inventa-se.O Tribunal da Pampilhosa da Serra faz falta. Não sei par onde irão parar os procesos deste Tribunal, mas suponho que será para Arganil.A “porra” está que para chegar a Arganil é mais de uma hora de caminho em automóvel, por estradas apertadas e curvilineas. Nem sequer há uma carreira de camioneta. Mas há processos como é evidente. Ora os Tribunais fizeram-se para resolver os problemas sem ser necessário recorrer à cacetada. Resta ainda dizer que o Tribunal de Arganil tem dois Juizes, dois representantes do Ministério público, 4 funcionários e mais nada. E Arganil já acumula com o Concelho de Góis, e se acumular com Pampilhosa da Serra e mais (provavelmente) Tábua, não cabem nem os processos nem as pessoas porque só há uma sala de audiências.Limitar o direito à Justiça, como o direito à saúde e ensino, pessoalmente não compreendo. Sejam quais forem os argumentos, e a austeridade.

  17. Vamos a ver se nos entendemos. Eu não tenho nada contra Pampilhosa da Serra, nem o seu tribunal. Foi um exemplo. Pessoalmente acho que muitos autarcas e munícipes não se importaram (não é o caso de Pampilhosa da Serra) quando se gastou milhões em estádios de futebol que hoje não conseguem manter. Também não vi tanta celeuma com os estádios como agora com os tribunais e os centros de saúde. Se calhar era por ser no tempo que ainda parecia haver dinheiro para tudo. Não há. Nem nunca houve, pensando bem. Existem prioridades. Para mim são a saúde e a educação. Critiquem-me por isso. O resto é relambório de quem gosta de obra para encher o olho.

  18. De resto, ainda ninguém me conseguiu responder ou relacionar a extinção do tribunal com a desertificação…

  19. Paulo Batista says:

    Caro Nuno,
    Tenho a Quarta Classe antiga. Quando encerra uma repartição pública, os funcionários que aí trabalham normalmente têm aí fixada a sua residência, neste caso, terão de ir para outro Concelho, o que provoca uma diminuição na população. A isto eu chamo desertificação, se o SR. Dr. tem uma outra interpretação, diga-me que nome lhe vou chamar????
    E a economia local, também não fica a perder??? Caso o SR. DR. tenha dúvidas desloque-se ao Local (Pampilhosa da Serra). Terei muito gosto provar-lhe que o Sr. Dr. não conheçe a realidade do interior.
    Paulo Batista

  20. Por desertificação, entendo a deslocação massiva de indivíduos de uma localidade. A maior parte das vezes por falta de recursos. Tomara que todos os homens e mulheres de Pampilhosa da Serra fossem funcionários públicos e tivessem o seu emprego assegurado na Câmara Municipal ou no Tribunal. Infelizmente não me parece que assim seja.

  21. Paulo Batista says:

    A desertificação de uma área populacional não tem que estar relacionada com o abandono massivo de pessoas, a desertificação verifica-se também pousada e gradual num período, é o que está a conteçer aos concelhos do interior quando estes são cerceados das instituições sob pena de estarmos a “impedir” que os Pampilhosenses tenham os seus direitos, a justiça é importante, seja no interior ou nos grandes centros.
    Paulo Batista

  22. O Senhor Paulo Baptista está a confundir acesso à justiça com acesso aos tribunais. Eu não acho que deva existir um tribunal por concelho. Acho é que todos, pobres ou ricos, tenham os mesmos direitos a exigir a justiça a que têm (teoricamente) direito. Quanto à distância é tudo um caso de boa organização urbanística e planeamento territorial. O que se criou neste país foi a ilusão bairrista de que todas as terras podem ter o mesmo grau de equipamentos e que partilhar um tribunal ou um estádio de futebol é coisa impensável. Existem equipamentos prioritários, como centros de saúde que se enquadram nesta ideia de cuidados primários que, isso sim, devem estar rapidamente acessíveis pelos cidadãos. Tribunais não se enquadram na minha ideia de prioridade.

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