A crise vista da Alemanha

A Helena é uma portuguesa há muitos anos a viver na Alemanha, é dá-nos no 2 Dedos de Conversa a visão de quem lá está. A leitura deste artigo parece-me muito proveitosa para entendermos o assado onde estamos metidos.

Não concordo com ela, e muito menos com os portugueses que aqui também acreditam no discurso medinocarreirista, deixo de lado a questão das dívidas históricas da Alemanha, e retenho o que me parece fundamental: se em Portugal, ou na Grécia, muitos não percebem que por cada euro recebido apenas 19 cêntimos são utilizados pelo estado grego e que na prática as ditas ajudas vão direitinhas para os bancos, na Alemanha muito menos se entenderá o mecanismo da crise. Da crise dos banqueiros e da forma ardilosa como, eles sim, estão a ser ajudados, à custa da destruição da economia dos países que levaram com a especulação em cima, da crise que nenhuma austeridade pode resolver porque impede quem a aplica de pagar dívida alguma.

Esta máquina de mentiras, que supera a da propaganda dos anos 30, nem precisa de se esforçar muito numa Alemanha que imagina estar a suportar o mau comportamento dos outros. Ora em democracia a única esperança seria a verdade. Estamos tramados, e todos tramados, porque o efeito dominó também lá vai chegar: Grécia, Portugal, Espanha, França, Alemanha… Estamos mesmo tramados.

Comments

  1. André says:
  2. Poder-se-ia responder à Helena (que vive na Alemanha e gosta de Mahler e dos ternos lieder) sobre os malefícios da ocupação nazi e da distração dos alemães residentes que por omissão se esqueceram que não eram o povo eleito, mas não valerá a pena, pois povo eleito já temos (foi despachado oportunamente para uma faixa de terreno que não mais teve paz), e, a maioria de nós já conhecemos o amor que a alemanha e os alemães sempre tiveram por gente de tez escura e residente a sul.
    Claro que a Helena poderia interessar-se por saber quem é que lucra quando dá dinheiro ao resto da Europa para comprar as suas fragatas, submarino e G-3, porque é que decide instalar fábricas na tal europa que tem salários mais baixos que os que pratica lá em casa, quem é que conviveu com emigração tratada abaixo de cão (muita dela portuguesa que nem conhece Mahler, nem sequer se habituou ao sauerkraut), nem porque é que cada marco entregue à Europa ela acabava por ficar com um marco e mais qualquer coisinha,, ou seja, não emprestava, investia.
    Que a trapalhada é grande, não há dúvidas, mas que os alemães não podem simplesmente dizer que não têm nada a ver com o assunto e atirar para as costas dos antepassados com o peso das responsabilidades/atrocidades cometidas e caucionadas por todo um povo, tirando honrosas exceções é um facto.
    Já agora, e como parece que a paixão pela música faz esquecer a história, gostaria de recordar-lhe que os povos daqueles lados já conseguiram destruir vários impérios, mas as desculpas é que vão variando.

  3. Gostava de fazer notar que o meu post era uma reacção a um artigo em que se dizia que a Alemanha devia pagar as dívidas da segunda guerra mundial.
    Mas se querem falar de outras coisas, faço três apontamentos breves:
    – O discurso de ódio contra os bancos tem o seu charme, mas se os bancos forem à falência acabam por arrastar a economia. 1929, lembram-se? A Merkel (de quem nem sequer gosto) não anda a tentar salvar os bancos alemães, como por aí se diz, mas a tentar evitar justamente o efeito dominó, de uns países para outros e do sistema financeiro para o económico.
    – O discurso de ódio contra os alemães é simplesmente muito triste.
    – O problema destes países em dificuldades de pagamento é estrutural: têm um nível de vida superior àquilo que a sua economia aguenta. Quantos anos pensam que podem continuar a viver de crédito? Se Portugal e a Grécia vissem hoje as suas dívidas perdoadas, onde é que se encontrariam daqui a dez anos?

  4. Pois cara Helena, os bancos que se limitem a ganhar menos, que invistam em negócios sérios e não em especulações sem sentido, que honrem os seus compromissos.
    O discurso contra os alemães poderá ser triste, mas isso não faz com que o discurso alemão contra os povos do sul, ou contra os países menos desenvolvidos onde mantém a sua mão-de-obra escrava seja um discurso exemplar ou apenas educativo.
    As dificuldades estruturais de muitos desses países advém de negociatas mal feitas e muita das vezes com laivos de corrupção nos alinhavos dos negócios com os países que agora parecem ter tudo direitinho, ou será que não foi a emigração que ajudou a alemanha a ser o que é,ou a França e muitos dos paises que agora, depois de terem instalado as suas fábricas, terem vendido os seus armamentos que não dão de comer a ninguém, vender os gadgets com que acenavam aos ávidos consumidores incultos, e isto para não falar das célebres PAC’s que beneficiaram o norte em detrimento do sul, o dinheiro fácil que lhes era despejado em cima sem controlo possibilitando o náscimento de mais umas tantas fortunas rápidas, o aniquilamento do seu potencial produtivo por troca de equipamentos ao preço inicial da uva mijona?
    No caso grego e no português, talvez a Alemanha e a França muito tenham ganho com estes povos bárbaros e carentes de novidades, agora deitar todas as culpas para cima deles e da classe política que foi no conto do vigário é que não.

  5. Eu também acho o discurso de ódio contra os alemães muito triste. É puro facilitismo, é mesmo demagógico e é de uma grande falta de originalidade repetir, até à exaustão, que os alemães foram racistas, que provocaram o holocausto, a guerra, etc., etc. Patranhas, que só servem para atiçar ódios e já foram suficientemente exploradas por Hollywood e quejandos.

    Claro que os alemães de hoje também não podem dizer que não têm nada a ver com o assunto, nascemos sempre com uma herança, seja genética, psicológica, nacional, etc. Helmut Schmidt, o antigo chanceler alemão, hoje com mais de noventa anos, disse, numa entrevista relativamente recente, que qualquer alemão nasce com o peso dos crimes nazis sobre os ombros. O passado faz parte de nós e devemos assumi-lo. Mas também temos o direito de nos modificar-nos, precisamente, porque sabemos quão prejudicial podem ser certos comportamentos. E a grande maioria dos alemães de hoje diz não ao nazismo e ao racismo. É um facto! E não é correcto dizer que a Merkel só quer salvar os bancos alemães, ou que pretende dominar a Europa. Este é mesmo um perfeito disparate, até porque a Merkel vive num regime democrático e pode perder as eleições que são já no próximo ano. Quem diz que ela é um Hitler de saias, esquece-se de que não se trata de uma ditadora que manipula as leis à sua maneira, a fim de se eternizar no poder.

    Mas ainda a propósito de heranças pesadas e pecados do passado: esquecem-se que Portugal foi um país colonialista, que cometeu atrocidades racistas e que praticou o comércio negreiro? E agora perguntam-me vocês o que têm a ver com coisas que se passaram muito antes de nascerem, acrescentando que não são racistas, nem esclavagistas Pois é! E não me venham com a história de que Portugal é um país de brandos costumes, que os portugueses sempre misturaram as raças e que não fomos colonialistas, mas heróis dos Descobrimentos, que deram novos mundos ao mundo. Isso é só uma parte da verdade, a parte bonita, exarcebada durante a ditadura salazarista. O pior é que o ensino da História de Portugal ainda está cheio de tiques salazaristas!!!

    Nota: vivo na Alemanha há vinte anos e sou casada com um alemão.

  6. Zuruspa says:

    É preciso ser muito básico para meter todos os alemäes no mesmo saco como racistas. Mas é isso que os portugueses fazem, logo näo se admirem que os alemäes os considerem todos também como umas bestas quadradas improdutivas e despesistas.

    E se calhar têm razäo:
    na Alemanha os racistas sempre foram julgados e encarcerados, e as últimas sondagens indicam que a Merkel está pelas últimas, e que os partidos que criticam a sua retórica racista anti-Sul estäo a aganhar terreno;
    em Portugal (e Grécia, e Itália, e…) os despesistas corruptos säo eleitos e re-eleitos, mesmo após se saberem das falcatruas, e fugir aos impostos é desporto nacional. E nas sondagens os mesmos que levaram o país à ruina continuam em grande. Bardacoisa!

    Os alemäes assobiaram para o lado aquando das atrocidades durante 10 anos, mas arrependeram-se.
    Parece que os portugueses fizeram isso por 48 anos, e muitos têm saudades desse tempo. É cá uma moral…

  7. Só queria acrescentar que os alemães não acham que os portugueses são todos uns preguiçosos oportunistas. Parem de fantasiar sobre o que os alemães pensam dos portugueses, porque isso são projecções patetas e sem substância. A imagem dos portugueses que até agora tem passado na Alemanha é a de um povo trabalhador e esforçado, que está a fazer os possíveis para sair da crise, e está a passar muito mal por causa disso.
    Quando a Merkel se saiu com aquela história da produtividade foi duramente criticada por todos – inclusivamente o seu próprio partido.
    Este país e este povo estão muito longe de ser aquilo que em Portugal se diz que são.
    E, como já disse no post que deu origem a este debate, é um povo que vê os problemas e reage a tempo. Aumenta a idade da reforma para os 67 ou até os 69 anos, reformula os sistemas de apoio social e o fundo do desemprego, congela os salários durante anos, adia obras públicas de grande envergadura para cumprir os objectivos de equilíbrio orçamental, manda para a rua um presidente da república ao menor sinal de corrupção, etc.
    Fizessem os portugueses o mesmo, e não estariam agora a passar tão mal.

  8. clara says:

    Penso que aqui ninguém disse que os alemães são todos racistas. Não são. Mas que gostam de mandar, gostam. Que é líquido que a Merkel e quem a elegeu, o povo alemão,
    – tomou a dianteira no processo europeu, tendo a Europa órgãos que a representam, tomou.
    – nunca mais se ouviu nenhuma outra voz de comando, não ouviu
    – tudo gira à volta da Alemanha, gira
    – a Alemanha ameaça a Grécia a toda a hora e momento, ameaça… mas ninguém actua, porquê? Pelos lindos olhos dos gregos?
    Eu não percebo o que vai acontecer à Grécia.
    Não percebo o que vai acontecer aqui. Vejo as pessoas cada vez mais desesperadas. Sem tostão para o básico, quanto mais para viver acima das possibilidades.
    Depois penso que vai haver problemas ainda mais graves. Hoje ouvi uma conversa na Sic Notícias entre o Ângelo Correia e o General Loureiro dos Santos, a propósito dos problemas no exército, dizendo estarem ambos convencidos que vai haver brevemente uma guerra… bem próximo e que temos que estar bem atentos…
    E estamos nós para aqui a defender alemães e essa tropa toda de agiotas e de gente a quem só interessa pôr tudo a ferro e fogo para… sei lá para quê…! (podia desenvolver para aqui teorias da conspiração, ou não…)

  9. Helena Araújo says:

    Clara,
    penso que a Merkel tomou a dianteira neste processo não porque goste de mandar mas porque os outros abandonaram o campo. Todos sabemos como é que a UE funciona: ao fim de debates intermináveis e negociações dificílimas, na melhor das hipóteses avança-se ligeiramente. Este funcionamento não é compatível com a urgência das respostas de que a Grécia necessita.
    Se nunca mais se ouviu nenhuma outra voz de comando, a culpa é da Merkel?! Eu também ainda não ouvi nenhuma proposta, nem por parte da UE, nem por parte dos países que estão com dificuldades de pagamento, sobre como sair da crise. De facto, só ouço a Alemanha. E os outros, porque é que estão calados? A única coisa que ouço é críticas à actuação da Alemanha, mas propostas alternativas para a Grécia sair desta crise com menos sofrimento do que está a acontecer, não vi nenhuma. Pode ser que esteja mal informada, e gostava que mo dissessem.
    Tudo gira à volta da Alemanha, sim. Porque é o último bastião de confiança no Euro e, pior ainda, avalista dos outros países da zona Euro.

    Não sei se vem por aí uma guerra ou não. Para já, o nosso problema mais premente não é esse, mas a crise do Euro que está a atingir os mais pobres e a classe média, que pode lançar toda a Europa numa Grande Depressão, e – ligada a esta – a crise da UE. Temos já problemas suficientes, e mais vale concentrarmo-nos na resolução destes.

  10. Zuruspa says:

    O Ängelo Correia sabe bem do que fala! Primeiro inventou o perigo da “guerra dos prego”, depois mandou matar manifestantes, e agora já declarou guerra ao seu próprio povo, usando a sua marioneta Passos Coelho.

  11. Não há dúvida de que estamos todos tramados (incluindo os alemães)!

  12. José Galhoz says:

    Queiramos ou não, reflectimos sempre os sentimentos dominantes no local onde vivemos. Quando o tema é quente, isto dá origem a ruidosos diálogos de surdos. Tentarei ser o mais objectivo possível. As soluções da Alemanha para os países em dificuldades são equiparáveis a uma equipa de médicos que impõe a um doente grave uma dieta rigorosa e intensiva, tentando depois mantê-lo vivo com paliativos e ligado a máquinas; como saída, agarram-se a uma crença de que surgirá uma outra equipa de médicos (os “mercados”, no caso) que, altruisticamente, acabará por salvar o doente. Especificando, as receitas aplicadas aos países com dificuldades de financiamento está a provocar nos mesmos uma espiral recessiva; isto está a passar debaixo dos nossos olhos e só não vê quem não quer. Uma espiral recessiva é algo muito difícil de travar e, ainda mais, de inverter (umas breves noções de História e de Economia permitirão compreender isto). Estas espirais recessivas, essas sim, irão contaminar os restantes países europeus (os primeiros sinais já aí estão). Esperar que isto restaurará a confiança dos “mercados” daria para rir, se a situação não fosse trágica. O facto de a maioria do povo alemão achar que deve apoiar estas soluções não muda a natureza do problema. Curiosamente, as reacções mais alarmadas vêm de fontes insuspeitas fora da Europa (FMI, Estados Unidos, China e até o Reino Unido que, na prática, está sempre fora da Europa). Entretanto, os países que se sentem (ilusoriamente) ao abrigo da crise apoiam a Alemanha e os que estão em risco procuram distâncias do que está agora na linha da frente (a Grécia). E aqui está o nó do problema – historicamente, a “solidariedade europeia” só funciona por imposição externa ou quando tudo corre bem (e não faz grande falta). Admito que quem ainda não sentiu a crise pense que tudo isto é alarmismo e que, brevemente, tudo será resolvido e todos seremos felizes para sempre no melhor dos mundos. Quanto a mim, que já sinto bem os efeitos da crise não encontro, infelizmente, razões para desconfiar que posso estar enganado.

  13. clara says:

    Helena
    Nunca lhe disseram que o banco europeu empresta aos bancos nacionais dos países como a Grécia e Portugal a 1% e depois estes emprestam aos Estados a juros pornográficos?
    Estou cansada de ouvir alguns partidos a berrar isto, o problema é que os outros berram mais alto e têm toda a visibilidade do mundo nas televisões.
    Porque não se acaba com este tipo de juros? Não percebo… percebe?
    Hoje a Grécia está dentro duma sarjeta, hoje mesmo, dia 22.02.2012, a Fitch meteu-a lá, só com os olhos de fora, apesar de ter concordado com tudo…. é assim que estamos.
    Viva a Alemanha! Viva o norte da Europa! Morte ao sul! Morte à Grécia! Morte a Portugal… e por aí fora!

  14. Helena Araújo says:

    José Galhoz,
    bem sei que a espiral recessiva é muito difícil de travar. Mas diga-me como é que resolve o problema de um doente que tem uma dívida correspondente a mais de 150% do PIB quando está integrado numa zona monetária que não permite mais de 60%.

    Clara,
    a Grécia já se tinha metido dentro da sarjeta muito antes de a Fitch ter dito que o rei ia nu. Não confunda as coisas.
    O banco central europeu está proibido de comprar dívidas dos países, para se manter independente destes. É a filosofia do conjunto que está em causa – e pode ser mudado, se os países assim o entenderem. O que está realmente muito errado no funcionamento actual é que os agentes que emprestam dinheiro aos Estados cobram taxas altas de juros devido ao risco, mas ao mesmo tempo esperam que os outros Estados lhes garantam o reemboloso da dívida. Se o empréstimo é assim seguro, não sei porque deveriam cobrar juros mais altos.
    Contudo, o empréstimo não é assim tão seguro. Neste momento andam a negociar com os devedores um corte de 50% da dívida da Grécia.

  15. Cara Cristina,
    se não está ainda esquecida colonialistas foram todos (era a moda da época), ou será que a Bélgica não colonizou, a Inglaterra nunca teve um império, a Itália não andou por África, a Espanha e a França não tem ainda colónias, a Alemanha não foi colonialista, a Grécia não colonizou ninguém, a Holanda nem sabe o que isso foi, e até os jovens Estados Unidos não o fizeram também?
    Quanto às virtudes alemãs que a Helena tanto aprecia, não se recorda ela que a restante Europa não se esqueceu de dar uma mãozinha aos alemães quando esta teve problemas? Olhe que ainda foi há bem pouco tempo, foi ali mesmo ao pé, nos finais de 1990. Aí, a Alemanha gostou de ser ajudada pelos seus parceiros, a tal Europa de que muitos alemães com responsabilidades desdenham e criticam chegou-se à frente e o Euro foi a moeda de pagamento.
    Por vezes tendemos a esquecer o que não nos interessa recordar. Os alemães são o que são não porque se tenham safado sózinhos, do mesmo modo que nós também não o fizemos, pois a nossa independência foi-o com a ajuda de estrangeiros (borgonheses, não é verdade), querer olhar apenas para o lado simpático pode ser muito agradável, mas também não faz desaparecer tudo aquilo que está escondido debaixo dos tapetes.

  16. Luís says:

    O problema não está nos bancos – o problema está nos banqueiros!!!

  17. Sobre a questão da dívida histórica da Alemanha, que não era o que aqui me interessava mas era efectivamente sobre o que a Helena tinha escrito, a minha opinião é exactamente a do Coen-Bendit (um franco-alemão, por sinal) que se exprime no final deste artigo:

    http://www.lemonde.fr/europe/article/2012/02/17/l-allemagne-a-t-elle-une-dette-de-guerre-envers-la-grece_1644633_3214.html

    Ou seja, a Alemanha fugiu 3 vezes de pagar o que roubou (e sobre a última tenho as minhas dúvidas sobre a sua legalidade, dada a fragilidade do governo grego perante quem entre outras coisas lhes vende armamento) e não tem idoneidade moral para negar ajudas à Grécia.

    E de resto não estão a ajudar a Grécia: é óbvio que eles nunca conseguirão pagar dívida alguma com a política que lhes é imposta, e o dinheiro que entra ali da Alemanha vai direitinho para os bancos, esses sim, a serem ajudados. Como boa parte desses bancos são alemães, fica tudo em casa e a Grécia deixa de dever a uns para dever a outros. Isto vai acabar mal.

  18. clara says:

    Helena,
    “a Grécia já se tinha metido dentro da sarjeta muito antes de a Fitch ter dito que o rei ia nu”. Olhe que não. A Grécia estava com os pés molhados e à medida que começaram estas “ajudas” com juros altíssimos foi-se enterrando até ficar só com os olhinhos de fora. Resta saber se lhe dão o golpe de misericórdia, ou não.
    A pergunta que se impõe é: se já se sabia que isto ia acontecer, porque se seguiu este caminho? Não havia outro, diz-me você.
    Digo eu: Havia aquela questão dos Eurobonds, por exemplo. Ou: Negociar juros mais baixos, porque me parece que este tipo de juros não são pagáveis.
    O banco central europeu está proibido de comprar dívidas dos países? Proibido por quem?
    “É a filosofia do conjunto que está em causa – e pode ser mudado, se os países assim o entenderem.” Pois, mas os países que mandam sozinhos, não percebo porquê, assim não o entendem. Pensam que é melhor para as economias desses países, ou para os seus povos, ensiná-los a viver com pouco, de chicote na mão. Dando raspanetes.

    “O que está realmente muito errado no funcionamento actual é que os agentes que emprestam dinheiro aos Estados cobram taxas altas de juros devido ao risco” – então com estes juros escabrosos, alguma vez eles pensam que vão receber alguma coisa?
    Não é na dívida que andam a negociar os 50%, mas nos seus juros, 2º sei saber.
    cada vez percebo menos…

    • Clara,
      Sobre os pés molhados: a Grécia entrou para o Euro porque aldrabou as contas. Em 2000, pura e simplesmente não tinha condições para entrar. Por estar dentro da zona euro, teve acesso a créditos com juros baixos como nunca teria recebido se tivesse mantido o dracma. Os credores fizeram um jogo arriscado, emprestando à Grécia muito mais do que deviam ter emprestado, porque pensavam que os outros Estados, em caso de necessidade, a iriam socorrer. Em 2009 a Grécia revelou que tinha andado uma década a aldrabar todos, e que os números reais eram bem diferentes do que os que tinham sido oficialmente divulgados ao longo desses anos. O problema começou já em 2000, e não quando os especuladores começaram a cobrar juros impossíveis à Grécia. A Grécia nunca se teria endividado tanto se tivesse juros correspondentes à sua situação real.
      A questão dos eurobonds: os eurobonds implicariam que todos os países da zona euro passavam a endividar-se à mesma taxa de juro, que corresponderia à média do risco de crédito para esta zona. Ou seja: a taxa de juro para os empréstimos a alguns países (por exemplo, a Alemanha) ia aumentar, para compensar o risco de outros países, cuja taxa de juro baixaria para um nível inferior ao que seria atribuído pelo normal funcionamento do mercado. Na prática, os contribuintes alemães iriam ter de pagar todos os anos alguns milhares de milhões de euros (julgo que falaram em 8 mil milhões por ano, mas não tenho a certeza) para outros países pagarem menos. O problema é que, mantendo-se a soberania nacional no que diz respeito às despesas estatais, a Alemanha estaria a perder a sua própria soberania: se os outros países continuassem a endividar-se demasiado, o risco médio dos créditos aumentaria, e mais tarde ou mais cedo a taxa dos eurobonds (à qual a Alemanha estaria vinculada) aumentava também, aumentando desse modo os custos para os contribuintes alemães, sem que estes pudessem fazer algo para o impedir.
      Quanto à sua proposta de negociar juros mais baixos: parece que a ouviram, porque o novo pacote de ajuda aprovado esta semana tem isso, e muito mais. Em troca dos seus títulos antigos da dívida grega, no valor de 200 mil milhões de euros, os bancos e as seguradoras recebem por exemplo 30 mil milhões de títulos seguros do EFSF, mais 70 mil milhões de euros de títulos novos gregos, com um prazo mais alargado e juros mais baixos. Estes começam com 2%, mais tarde sobem para 3% e só depois de 2020 chegam aos 4,3%. O corte das dívidas em 53,5% e a troca por títulos com juros mais baixos significam que os credores perdem no total mais de 70%.
      O banco central europeu está proibido de comprar dívidas dos países porque isso equivale a que os Estados imprimam moeda, provocando inflação e reduzindo o valor do euro. Desde o princípio foi decidido que o euro devia ser uma moeda forte. Os países que queriam poder desvalorizar a sua moeda para melhor se posicionarem no mercado internacional não deviam ter entrado para o euro. E isto não é uma questão de alguns países mandarem sozinhos, isto é uma questão de respeitar os tratados que todos assinaram, e onde está estabelecido (repito: por todos os países que assinaram) que quem tem pouco tem de saber viver com esse pouco que tem, e não se pode endividar para além de determinados limites (60% do PIB – a Grécia anda pelos 150%; ou 3% anual – a Grécia andou pelos 9%).
      A dívida da Grécia foi substancialmente reduzida, os juros foram baixados para níveis inferiores aos previstos para os eurobonds, mas o país continua com um nível de endividamento absolutamente incompatível com os critérios de Maastricht. Deve sair do euro? Não sei. Sei que, mal regresse ao dracma, as taxas de juro para novos empréstimos vão ser incomportavelmente altas.
      Começa a ser claro que a Europa vai ter de pensar muito em breve num plano de apoio ao crescimento da Grécia, e desta vez os fundos irão acompanhados de funcionários da UE que controlarão muito bem a sua aplicação (e provavelmente irão tentar acabar com a cultura de nepotismo e corrupção, também se intrometerão no sistema fiscal para acabar com a actual situação de generalizada fuga aos impostos sobretudo por parte dos mais ricos e das empresas, etc.)
      Humilhante, bem sei. Mas a alternativa é deixar a Grécia abandonada à sua terrível sorte.

  19. O gráfico que se vê neste link
    http://p4.focus.de/img/gen/x/1/HBx1xh14_Pxgen_r_Ax354.jpg
    é muito revelador quanto a essa história de a culpa ser dos juros incomportáveis. Mostra o défice anual dos Estados sem contar com o pagamento dos juros.
    Verá que na Grécia o Estado pagou mais do que recebeu:
    – em 2007, 2,5% do PIB do país
    – em 2008, 4,5% do PIB do país
    – em 2009, 10% do PIB do país
    – em 2010, 5% do PIB do país (e com tendência a reduzir cada vez mais, devido às medidas de austeridade)
    10% do PIB, sem contar com o pagamento dos juros, é uma brutalidade. Maastricht impõe um máximo de 3%. E isto é, repito, sem contar com o pagamento dos juros. A Grécia já estava num beco sem saída mesmo sem a ajuda dos especuladores financeiros.

  20. Eu compreendo que nenhum contribuinte queira pagar juros mais altos por causa dos outros. Agora pagar juros mais baixos à pala dos mesmos, é capaz de ser apreciado por aí, nós é que não achamos graça nenhuma:

    “De acordo com cálculos do Diário Económico, as 136 emissões de dívida da Alemanha realizadas entre 2010 e 2011 já permitiram ao Tesouro alemão poupar 1.587 milhões de euros nos últimos dois anos e assumir uma poupança de 11.451 milhões de euros até 2041, em resultado de uma correcção de quase 40% do custo médio de financiamento da Alemanha nos mercados desde 2009. Isto significa que a crise da dívida soberana já permitiu a Berlim acumular uma poupança média de 13.038 milhões de euros, o equivalente a 159 euros por cada alemão ou 0,52% do PIB do país.”
    http://economico.sapo.pt/noticias/alemanha-poupa-13-mil-milhoes-com-crise-do-euro_133023.html

  21. Zuruspa says:

    Helena, a estória subjacente a “A questão dos eurobonds: os eurobonds implicariam que todos os países da zona euro passavam a endividar-se à mesma taxa de juro, que corresponderia à média do risco de crédito para esta zona. Ou seja: a taxa de juro para os empréstimos a alguns países (por exemplo, a Alemanha) ia aumentar, para compensar o risco de outros países, cuja taxa de juro baixaria para um nível inferior ao que seria atribuído pelo normal funcionamento do mercado. ” é só atirar poeira para os olhos.

    Isso é o que aconteceria *em teoria*, mas na prática o que aconteceria era que os *bancos alemäes* deixariam de cobrar taxas acima daquela alemä. Ahn? Pois, é que os eurobonds seriam assegurados pelo BCE, logo teriam a taxa actual *sem risco* da Alemanha. Quem perderia os 8 mil milhões por ano näo seriam os contribuintes alemäes… mas os bancos!!!

    Por aqui se vê para quem governa a Merdkel! Se calhar os eleitores alemäes já prceberam a marosca e estäo a virar-se para o SPD. Espero que estes mudem realmente a política, e a ponham ao serviço dos cidadäos näo-banqueiros.

  22. Caro Teófilo, o facto de os outros países europeus também terem sido colonialistas não nos iliba dos crimes que cometemos e dos quais praticamente não se fala. Há a ideia feita de que fomos/somos muito tolerantes e amigos das outras raças, o que apenas em parte é correcto.

    Tem a certeza de que muitos alemães com responsabilidades desdenham e criticam a Europa do Sul? Acho que não são tantos como se julga por aí. E quantos portugueses desdenham e criticam a Europa do Norte?

    • Pois Cristina, não se fala não, fomos menos esclavagistas que os restantes, pois acabamos com a escravidão bem antes dos restantes e fomos o primeiro a aboli-la e não fomos os primeiros a começá-la. A mestiçagem é filha do temperamento português e não encontro melhor exemplo do que lhe aconselhar uma visita às ex-colónias, declarar-se portuguesa e ver de que modo é tratada.
      Desconfio que os belgas não o possam fazer do mesmo modo no ex-Congo, nem os franceses na Argélia e os ingleses na ìndia.
      Quanto às certezas de muitos alemães, não tenho, pois não conheço a maioria deles, mas alguns com responsabilidades já os conheço melhor, pois trabalhei ao lado de alguns e, se calhar por azar, deparei com vários espécimes que tinham o rei na barriga e tantas certezas como um político bem conhecido, por mais erradas que estivessem.
      Quanto à Europa do Norte, é tida como um El Dorado pelos povos do Sul, esquecendo-se talvez que se vivessem por aqueles lados, para além do frio, teriam de adaptar-se a maneiras bem estranhas de comportamento.
      Apesar de tudo prefiro os mediterrânicos, são um pouco emotivos, trapalhões, aldrabões q.b., mas não se importam de assumir as suas heranças sangrentas ou depressões existenciais.

  23. João José Cardoso,
    então se as pessoas entendem que é mais seguro emprestar o dinheiro à Alemanha, em vez de o emprestarem à Grécia, que não se sabe muito bem se devolve o capital, quanto mais pagar os juros, e se emprestam à Alemanha por juro zero em vez de emprestar à Grécia por temerem perder tudo, a culpa é da Alemanha, por merecer a confiança dos credores?!
    (quer que lhe faça uma lista das reformas duras que a Alemanha fez nos últimos doze anos, quando se deu conta que estava a endividar-se acima do acordado em Maastricht? quer que lhe lembre que aqui já se fala em reforma aos 69 anos, porque de outro modo não há como pagar?)

    E, se quer saber o mais perverso: provavelmente muito desse dinheiro investido na dívida alemã com taxas negativas até veio de privados gregos, que morrem de medo de perder o dinheirinho se o deixarem nos bancos do seu país, e tratam de o pôr em lugar seguro. Fala-se muito na solidariedade que os outros países devem à Grécia, mas pelos vistos nesse país os que têm algum dinheiro tratam é de abandonar o navio.

  24. Zuruspa,
    de que eurobonds está a falar?
    Eu refiro-me à proposta de Durão Barroso em fins do ano passado: a possibilidade de os países da zona euro irem ao mercado pedir dinheiro emprestado usando um título de dívida igual para todos. O mercado compraria obviamente a uma taxa de juro que reflectiria o risco médio previsto pelos credores – ou seja, para alguns países, bem mais alto que os preços que a sua boa gestão financeira permite.
    Estes eurobonds têm pelo menos dois problemas: (1) não respeitam a no-bailout-clausel (i.é, nenhum país pode responder pela dívida dos outros; pode-se discutir se faz sentido ou não, mas a contrapartida da anulação desta cláusula só pode ser a perda de soberania: se um país responde pela dívida do outro, deve ter o direito de agir sobre o modo como essa dívida surge); (2) o montante total dos títulos a emitir não pode ultrapassar o somatório de 60% do PIB dos países – o restante deve ser ido buscar ao mercado, aos juros que este fizer caso a caso. Pergunta-se: a que juros é que a Grécia iria buscar os quase 100% PIB que é o restante da sua dívida? Os eurobonds só aliviavam parte do problema.)

    Outra proposta é a de mudar os estatutos do BCE para que financie os Estados, sem deixar que os mercados tenham o seu papel de travão, que já se viu que serve apenas para alguns se encherem de dinheiro à custa dos países. Para isso, era preciso mudar os tratados europeus (costuma levar anos), era preciso mudar completamente a filosofia do BCE, e é preciso responder a uma questão complicada: se os países não pagarem a sua dívida, na prática o BCE imprimiu papel para meter na economia a troco de nada. O que significa inflação. Vamos outra vez cair na questão da soberania.

  25. Zuruspa says:

    Helena, estou a falar disso mesmo. Faz todo o sentido emprestar com retorno garantido até aos 60% do PIB que é supostamente imposto pelo PEC. E como é garantido, é risco zero, e deve levar a taxa de juro “alemä”. I.e., os bancos ficam a perder com o negócio, por isso näo avança, e que se lixem os cidadäos!

    O resto vai-se ao mercado, mas aí dever-se-ia *mesmo* ter a possibilidade de perder o dinheiro, näo como acontece agora, em que os bancos pagam a 1% e depois cobram 15% pelo risco que no fundo é 0% porque o FEEF ou MEFF ou o raio que os parta está a garantir. I.e., os bancos ficam a perder com o negócio, por isso näo avança, e que se lixem os cidadäos!

    Estas duas medidas näo necessitam de novos tratados por aí além. Näo há é vontade política da Direita que domina a UE em 2012 para o fazer, que eles querem é salvar os bancos!
    E voltamos ao mesmo! Väo enganando o pessoal ao dizer que “com isto os contribuintes alemäes väo pagar mais”, quando o que é verdade é que “com os contribuintes alemäes väo é pagar menos, os bancos é que väo ganhar menos”.

    A “renegociaçäo da dívida grega” está a ir ao encontro disto. Os credores (bancos) estäo a aceitar os “cortes de cabelo de 50%” porque é a parte correspondente ao diferencial de taxas de juro alemä vs. grega, em troca da garantia do pagamento da dívida principal. Näo é sacrifício nenhum que fazem, até porque a Merdkel lhes arranjou maneira de “recapitalizar” no montante “perdido” (“perdido” por trafulhice, pois deveria ser apenas “näo ganho”, logo näo ser parte do Activo a 100%, mas sim ponderado pelo risco)!

  26. Zuruspa,
    a Grécia neste momento tem um endividamento da ordem dos 150% do PIB. Se recebesse 60% a juro muito reduzido, ou até zero, isso não lhe resolvia o problema. Porque se a outra parte, os 90% do PIB, tivesse de ser financiada no mercado com risco efectivo (ou seja: sendo claro que se a Grécia não pagar, nenhum outro Estado paga por ela), os juros iam explodir realmente, ou até não haveria quem emprestasse à Grécia, que está claramente em situação de bancarrota.

    Tanto quanto sei, esses 50% não são o diferencial de juros de que fala. Contando com o diferencial de juros, as perdas são mais para os 70%. O que foi proposto aos bancos foi a redução do capital em dívida para 50% do que era (troca de títulos: entregam os que têm, e recebem novos, no valor de 50% do valor nominal dos anteriores), e esta nova dívida ser paga com juros muito inferiores aos que estavam combinados.

    Está tudo mal? Está. Tudo.
    Mas a culpa não é só dos alemães, nem é só do bancos.
    Se a Grécia não pagasse sequer juros, se recebesse os empréstimos a taxa zero, quantos anos é que pensa que o sistema aguentava? Quantos anos consecutivos é que um país pode viver por conta de uma dívida pública crescente? Que perspectivas tem para pagar essa dívida?
    E se a Europa pagasse as dívidas da Grécia, e a Grécia saísse do Euro, e começasse amanhã com o dracma, e sem dívidas: daqui a dez anos estava melhor ou pior do que está hoje?

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