Leviandade&unanimismo.

Raramente misturo religião com política. É perigosa mistura. Sou católico, mas dificilmente me verão a comentar questões como o aborto ou o casamento entre indivíduos do mesmo sexo. Primeiro, não considero que sejam assuntos pertinentes quando há fome, há descrença ou falta de esperança. Depois, constituem, em parte, assuntos do foro da medicina e da jurisprudência. Podem e devem ser discutidos por todos, mas  a leviandade com que algumas pessoas se coloca de um ou lado da barreira é que me assusta. “Sou a favor porque…” Ou fundamenta realmente muito bem a sua escolha (e quando digo fundamentar não é correr a alegar “direitos”), ou trata-se de mais um caso de um completo desconhecimento da realidade.
As coisas não são a preto e branco. O ser humano é complexo.
Posto isto, admiro muito a capacidade de algumas pessoas, homens e mulheres com cargos públicos capazes de influenciar um auditório vasto, de se comprometerem com a sua consciência e não com a consciência de grupo. É por isso que me orgulho de ser Católico, porque a universalidade da Igreja de Roma permite que um cristão pense de forma diferente de outro, sem que deixemos de crer na Palavra de Cristo.
Na questão recente sobre a adopção de crianças por casais constituídos por indivíduos do mesmo sexo, assunto que não me move minimamente à discussão, soube que certos deputados votaram contrariamente à consciência partidária. Porque efectivamente abomino esta disciplina de grupo, contrária à liberdade humana, só posso louvar a sua atitude e esperar que seja fruto de reflexão. Mas como tudo, de um lado e de outro constatei haver críticas ferozes, sobretudo à actuação do deputado do CDS que votou a favor da proposta. Traição, segundo alguns. Desprezo pela tradição dos valores cristãos, segundo outros. Eu não sei do que fala esta gente. Os valores cristãos são pela inclusão, pela harmonia, pelo entendimento. Andar pela internet a insultar pessoas e tratá-los como párias, parece-me muitas coisas, menos praticar os “tais valores cristãos”.
Abomino unanimismos e consciências de grupo ou de classe que obrigam pessoas ao fanatismo do linchamento público por uma “boa causa”. Se nascemos e morremos sozinhos, porque que raio havemos de querer ser outro neste intervalo?

Comments

  1. Sinto-me tentado a subscrever o teu texto, não fosse uma frase que não entendo: “Depois, constituem, em parte, assuntos do foro da medicina e da jurisprudência”.

    Queres com isto dizer, que homossexualidade ou é doença ou é crime?

    Ou percebi mal?
    JP

  2. JP,
    Claro que não. Simplesmente existem demasiadas variáveis para que se possa dizer que se é favor ou contra do aborto, por exemplo, só porque a mulher tem o direito a fazê-lo. Por essa lógica de ideais toda a gente tem “direito a fazer muitas coisas do que aquelas que faz… Nem me referia, tanto à homossexualidade que, de resto, parece-me queria obter paridade contratual a nível de uniões e obteve-a. Chamar a isso casamento é que me parece estranho, mas tudo bem.

  3. MAGRIÇO says:

    Caro João Paulo, confesso que este tema da homossexualidade me deixa muito confuso – tanto mais que não sou nada conservador – pelo que gostaria que me ajudasse a compreender, se quiser fazer o favor. Crime, compreende-se que não seja, porque para isso era necessário estar consignado na lei; como, conforme afirma, também não é doença, pode então explicar-me o que é? Opção sexual não é reposta, porque as nossas opções, sexuais ou não, não podem ser tomadas exclusivamente pelo nosso livre arbítrio, uma vez que, vivendo em sociedade, temos algumas regras a respeitar e as mais importantes são as leis da natureza. Não me passaria pela cabeça, por exemplo, optar por viver como os peixes mesmo que afirmasse possuir guelras. Aguardo ansioso uma explicação para este meu anseio existencial.

  4. Ó Magriço, espero que não estejas a falar a sério. Então a minha opção sexual não pode ser tomada apenas e só pelo meu livre arbítrio? E por que não? Desde que não seja crime – e não é – e não prejudique ninguém – e não prejudica – por que é que eu não posso vivier com quem quiser e dormir com quem quiser? Alguém tem alguma coisa a ver com isso?

  5. “temos algumas regras a respeitar” –

    Magriço, quer isto dizer que a sociedade existe e tem regras e elas devem ser cumpridas?
    As sociedades mudam ou não?
    Há 50 anos era de bom tom sovar os alunos “mal comportados”. O que terá mudado entretanto?

  6. insulas ocidentaes. says:

    Gostei.

  7. MAGRIÇO says:

    “quer isto dizer que a sociedade existe e tem regras e elas devem ser cumpridas?”
    Dario, quer isto dizer que a sociedade não existe, que não tem regras e que elas não devem ser cumpridas? (o que até configura uma contradição, uma vez que se não há regras elas não podem simplesmente ser cumpridas!) Confesso que o seu comentário, para além de ter pouco a ver com o que lhe deu origem (decerto por culpa minha, por falta de clareza) me deixa um pouco confuso, uma vez que não defendo a imutabilidade de regras nem nego a busca constante por uma melhor Consciência Colectiva. Vou tentar ser mais claro: eu não condeno, porque não tenho o direito de o fazer, as opções sexuais de cada um, mas, tal como reconheço esse direito a quem o exerce, também tenho o direito de manifestar a minha discordância por uma prática que, até agora, nunca vi racionalmente fundamentada.
    Daí que tenha apelado a quem tenha mais experiência neste campo que me ajudasse a compreender o que leva um homem a optar sexualmente por outro homem, quando há por aí tanta mulher com atributos capazes de fazer ressuscitar um morto. Porque dizer-se primariamente que é uma questão de opção não é resposta. Não se responde “porque sim” a “porquê”, simplesmente porque não é explicação racional. Espero ter sido agora mais claro com nos meus objectivos, embora a alegoria dos peixes que referi me pareça ter sido suficientemente esclarecedora.

    • Ricardo Santos Pinto says:

      Por que é que um homem prefere outro homem em vez de preferir uma mulher? Se calhar porque gosta mais de homens e acha que os homens são mais bonitos e mais interessantes. Mais racional do que isto não encontro.

  8. Magriço,

    O que eu quis significar: não podemos alegar como defesa absoluta que a sociedade tem regras e elas devem ser cumpridas.
    A sociedade tem regras e elas mudam com a passagem simples do tempo; saberá que há uns 40 anos, as jovens casadas só podiam viajar com autorização expressa de suas excelências os maridos. Assim como era verdade, ainda nos anos 70, que os recém-casados só partiam em lua-de-mel munidos do respectivo consentimento católico, assinado pelo senhor padre. Respeitinho é muito bonito e eu gosto…

  9. marai celeste ramos says:

    E porque é que “aborto” não está na maiori das vezes do lado do “crime” – ou é mais crime o aluno de há dias dos USA que matou, mais uyma vez colegas ?? será or ser mais espectacular e público que é crime e as meninas que se distrairam e deitam FORA a vida de outrém são o quê ?? eu sou contra o aborto excepto e só excepto quando a mãe e a criança estão em perigo de morte – mesmo fetos com “anomalias” não têm direito à vida ??
    já viram a alegria de cianças nascidas com tanto handicap ?? – estas leis mandam matar como quem matam minhocas e as minhocas para quem não sabe são indicadores da qualidade de fertilidade e drenageminterna de um solo – nem as minhocas se deve matar – não se mata a VIDA só porque se é modernoe a medicina e tecnologias são disponibilizadas – tantos anos a tentar que não haja morte prematura e Portugal está à frente do mundo com o indice de natalidade infantil saudável, porque agora MATAR ?’ ou estamos agora como àfrica está ainda ?? Matar não é NATURAL – é aberração socio-cultural

    • Ricardo Santos Pinto says:

      Tem razão, Maria. Este Nuno Resende é um herege.

  10. MAGRIÇO says:

    Ricardo, um argumento simplista merece resposta simplista: na Natureza, essa opção não é normal. Repare que se, por absurdo, todos fossem homossexuais, a humanidade seria, como o gado bovino, gerada por inseminação artificial. Quando o Homem tem a pretensão de se substituir à Natureza pode ter a certeza que nada resultará de melhor. Na Natureza, é sabido que os iguais se repelem e os opostos se atraem, e daí eu referir esse tipo de relação como sendo anti-natura. Que haja quem a queira seguir nada tenho com isso, como já referi, mas isso não pode nem deve impedir o debate com o recurso ao contraditório, tanto mais que começo a ficar um pouco saturado com a militância activa de alguns – muitos – pseudo-vanguardistas que procuram convencer a sociedade que a homossexualidade é tão “normal” como beber água quando se tem sede. Por algum motivo a Natureza, que não desperdiça recursos, gerou dois géneros.

  11. Ricardo Santos Pinto says:

    Mas isso é partir do princípio de que as relações entre homem e mulher têm como único objectivo a procriação. E nesse sentido, tudo o que sair disso é anti-natural: o sexo fora da idade fértil, o sexo entre velhos, o sexo anal, o sexo oral, etc. Parece parvoice o que esotou a escrever, mas não é. É a mesma coisa.
    Se para além da procriação incluimros na relação entre duas pessoas a procura do amor e do prazer, sim, é tão natural como tudo o resto. Menos comum será. Menos natural não concordo. Mas está visto que não vamos dair daqui, meu caro Magriço, as nossas opiniões são díspares e nem sequer se enquadram, penso, naquele que era o objectivo do post.

  12. MAGRIÇO says:

    Dario, parece que continuamos em comprimentos de onda diferentes: os exemplos que menciona são absolutamente verdadeiros, mas nada obriga agora a respeitar regras como as que menciona porque foram – e ainda bem! – completamente abolidas. Hoje somos obrigados a respeitar outras que, possivelmente, estarão absoletas daqui a anos. E sim, é claro que as regras sociais – leis, se preferir – não podem ser alienadas individualmente mas escrupulosamente cumpridas sob pena de se incorrer em ilícito. Se queria referir-se a normas morais, isso é coisa diferente e menos vinculativa, já que um ateu, por exemplo, não pode ser obrigado os seguir os cânones impostos pelas diversas crenças religiosas. Mas isto, caro Dario, afasta-se do tema que abordei inicialmente, embora desse um interessante assunto de reflexão e discussão.

  13. MAGRIÇO says:

    Ricardo, ainda bem que não há unanimidade! Para além de fastidioso seria pouco profícuo…

  14. MAGRIÇO says:

    Em # 14, leia-se “não pode ser obrigado a seguir os cânones”…

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