Carta do Canadá: Ou vai ou racha

Fernnanda Leitão

Há dias podia ler-se num editorial do New York Times, todo ele dedicado à situação na União Europeia: ”Porque é que os líderes da Europa se empenham em negar a realidade? A chanceler Angela Merkel,da Alemanha, e o presidente Nicolas Sarcozy, da França, mostram-se incapazes de admitir que vão por caminho errado. Estão deslumbrados com a sedutora mas ilógica noção de que todos os países devem copiar o “modelo exportador” da Alemanha, sem décadas de investimento público e taxas artificialmente baixas, cruciais para o sucesso germânico?  A Sra Merkel também parece determinada a inclinar-se perante os preconceitos dos eleitores alemães, os quais acreditam que o sofrimento é a única maneira de a Grécia,e os outros países da Europa do Sul, entrarem no bom caminho”.

Que esses dois líderes pensem de forma tão redutora e pobre, não surpreende quem tem boa memória ou o salutar hábito de ler o que a História ensina. Há países onde as televisóes se preocupam em não deixar apagar-se a memória do sofrimento que a Alemanha, por má liderança, e a França, por cobardia das elites, inflingiram a milhões de pessoas. O Canadá é um desses países. Devo acrescentar que a cada passo oiço canadianos dizer a propósito da situação na UE: “A Alemanha, outra vez!”. E anglo-saxónicos puros e duros desabafando: “A França é  sempre a mesma doida”. Nestas expressões há receio, há desagrado, há um escondido grito de alarme. Dirão: é a mania da superioridade dos ingleses. Será, mas têm boas razões para isso: se não fossem eles, patriotas, a dar o primeiro grande passo da resistência, a Europa teria sido esmagada e abastardada por um punhado de facínoras.

O sonho da Comunidade Europeia foi, a partir das ruínas, bater-se pelos Direitos Humanos pelos quais várias gerações ansiaram e pelos quais lutaram. Foi um ideal de solidariedade, de partilha, de bem comum, de paz. Mas afastados que foram os fundadores, por morte ou idade avançada, a UE foi, pouco a pouco, caíndo na mediocridade, no mercantilismo, na ausência de valores morais e espirituais.  Abriu a porta larga a todos os oportunistas.

É um dado adquirido que austeridade sem desenvolvimento económico é um suicídio, como recentemente disse o primeiro ministro de Espanha.E austeridade cega, de cortar a eito, custe o que custar, é a destruição total de um país e de um povo. Então, se já há vários dirigentes europeus a dizê-lo, vai sendo tempo de,em conjunto, dizerem em Bruxelas o que deve ser dito, ao arrepio das ameaças de Merkel e Sarcozi ou das tiradas de Barroso que, coitado, segura pelas pontas o emprego bem pago.

Em Portugal, não conseguiremos saír do beco armadilhado em que nos meteram, como disse Krugman, o prémio Nobel da Economia, com estes dirigentes tão ignorantes da História e da Vida, tão destituídos de patriotismo que deitam a memória da Restauração para o lixo, tão desnorteados que pensam criar riqueza cortando um dia de folguedo ao povo, tão servis perante o estangeiro que deram à troika uma importância que ela não tem e se rebolam de vaidade quando  essa troika os elogia por excesso de zelo.

É hora de mudar. Ou os dirigentes actuais arrancam a pele e vestem outra, bem portuguesa, ou os portugueses de lei mudam de dirigentes. A Pátria vale bem essa ousadia.

Comments

  1. Carlos Fonseca says:

    Excelente texto!
    Historicamente substantivo, politicamente assertivo em relação a uma Europa vergada aos interesses e poder da Alemanha e castigada pela inépcia da França.

  2. Tito Lívio Santos Mota says:

    o mais estranho é que os média do Sul nunca mencionem que há na Alemanha 14% de trabalhadores que ganham entre 2,5 e 5 euros por hora de trabalho, sem contrato nem garantia de horas de trabalho.

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading