José Gil, Director do Público por um dia, escreveu que:
“se não se souber o número de horas e a qualidade do tempo de que um docente precisa para preparar as lições podemos criar uma carga horária esmagadora e deprimente. E nunca obter uma docência de excelência. Para preparar as aulas os professores têm de ter uma vida própria — e já não têm. Têm cada vez menos férias, cada vez menos tempo para ser pessoas. Uma das questões que coloco é se os responsáveis políticos se dão conta da especificidade da profissão de docente. A relação professor-aluno é extremamente intensa, delicada, forte, vital e específica. Vital para criar qualificação no trabalho e consciência democrática.
É preciso fazer ressaltar esse factor que não está a ser pensado. A avaliação das competências tem de ter em conta um elemento inavaliável, inquantificável em que se funda a criatividade da educação.”
E esta é a questão central da Escola nos nossos dias – que condições têm os professores para desenvolver o seu trabalho com qualidade?
Como nota prévia podemos assumir que todas as profissões têm as suas particularidades e que não podemos, por isso, particularizar ou destacar uma ou outra.
Há um detalhe – esta lida com pessoas e, quase sempre, com crianças e jovens – lida com o futuro.
As dimensões científica e pedagógica são cruciais e devem ser profundamente melhoradas num processo contínuo de formação (que não existe!). Como diz o Ministro, um Professor tem que saber para ensinar. Se esta frase até pode ser verdadeira, o inverso não é! O leitor deste post, para chegar até estas palavras, já mostrou que sabe ler. Pergunto: seria competente para “pegar” em 25 meninos de 6 anos para os ensinar a ler?
Assim, além do saber o que ensinar, é fundamental saber como ensinar. No entanto, há uma terceira dimensão, que José Gil sugere ser fundamental -“criatividade da educação.”
O trabalho dentro de uma sala de aula com 30 “putos” é muito de ciência, de trabalho, mas tem que ser MUITO de inspiração e criatividade. Tem que haver a capacidade de olhar nos olhos de cada um deles e perceber o que eles dizem. Tem que haver tempo para os ouvir.
E esta disponibilidade só existe quando os Professores estão bem – e neste momento não estão!
Não se trata de dinheiro (que importa, claro!). Trata-se de tempo! Tempo para estudar e para ler, para parar e para pensar. Tempo. Só! Simples, não?
Mas, quanto tempo?
É impossível dar uma resposta a esta pergunta com um número apenas. Trazendo ao texto a qualidade de Professor de matemática, diria que “vareia”…
Vejamos. Uma aula implica sempre três momentos – preparação, concretização e avaliação.
Podemos fazer isto de várias maneiras, como facilmente entenderão, por exemplo, na fase de preparação:
1) Abrir o manual e seguir o que lá estiver; Ter um ou trinta, ter uma turma ou dez turmas é igual. Digamos que neste caso estaremos a falar do fast teacher.
2) Procurar exercícios (outros manuais, livros de investigação, web…) e preparar uma sequência metodológica diferente da que o manual apresenta; Equacionar diferentes respostas e dúvidas dos alunos e encontrar (preparar) abordagens diferenciadas para os caminhos que podem surgir – diz-me a experiência que surgem SEMPRE e em todas as aulas. Este seria o slow teacher.
Na fase de concretização, parece-me que o factor emocional do Professor é o mais decisivo no sucesso dos alunos. Quando estamos bem, confiantes, de cabeça limpa – acredito que acontece a todos os profissionais – há tempo para tudo, para ouvir os alunos, para repetir uma e outra vez e todas as que forem necessárias. Há tempo para deixar os alunos pesquisarem, criticarem e até para rir e conversar.
Para este “estar bem” têm que acontecer duas coisas: o Professor tem que voltar a ser livre é LIVRE – só tem que o assumir. Livre de papeladas, de directores incompetentes, de administrações cinzentas e ignorantes. Tem que ter o seu foco de trabalho virado para o fazer e não para o dizer que fez ou que vai fazer. O professor é um prático não é um teórico.
Ser um slow teacher em oposição ao fast teacher dentro da sala de aula faz toda a diferença – e ter tempo dentro da sala de aula só acontece se houver tempo fora dela.
Depois da aula terminar, começa outro tipo de trabalho:
1) No Professor fast teacher só há fazer e corrigir fichas.
2) No Professor slow teacher há a avaliação mais tradicional dos alunos, mas há muito mais. Há o pensar nas dúvidas que surgiram e no pesquisar formas para as resolver – todas e cada uma delas porque cada aluno é uma pessoa! Não é um número como os senhores directores tanto gostam.
Há também as leituras, os vídeos que é preciso procurar, editar, as apresentações que é preciso construir, o documento para os pais que é necessário redigir… Enfim, um conjunto sem fim de tarefas que são fundamentais para o sucesso dos alunos.
Em síntese, o Professor fast teacher, trazido ao terreno pela ex-ministra Maria de Lurdes Rodrigues não é mais do que um simples funcionário administrativo, que abre o manual na sala, que procura manter os putos quietos e calados durante o máximo de tempo possível. Depois, de tempos a tempos dá um teste, corrige, entrega e três vezes por ano, dá notas aos alunos. Este Professor, pode, sem qualquer tipo de dúvidas, ter um horário semelhante ao de um funcionário administrativo.
No entanto, se a Escola que se pretende, for uma escola de sucesso para TODOS os alunos, então temos que organizar os horários de outra maneira e vamos mais uma vez ter com a autonomia das escolas.
Há turmas em que 6 horas de matemática por semana são suficiente e outras há que seria necessário o dobro. Do mesmo modo, há turmas que exigem uma trabalho doméstico de grande intensidade e outras que nem por isso. Cada escola deveria ter uma bolsa de horas que poderia gerir em função das diferentes realidades – o trabalho de um docente de Educação física do segundo ciclo não é o mesmo do que o trabalho de uma professora de matemática do 12º, certo? Então porque é que têm que ter os horários organizados da mesma maneira?
A chave para esta questão é a autonomia da Escola.
Elabora-se o Projecto Educativo – não estou a falar da anedota que é um candidato a Director levar um plano para intervir numa escola, ignorando o que lá se faz, mas enfim…
Em função das prioridades que aí forem encontradas, organiza-se então a distribuição de horários, de aulas, de tempo para a preparação e de avaliação do trabalho. No fim de cada ciclo, cada escola faria a avaliação do que tinha sido conseguido e assim sucessivamente.
À luz do que temos hoje, e correndo o risco de passar a escrito, uma proposta sem sentido, diria que a mediatização dos exames torna muito complicada a vida dos professores de matemática e de língua portuguesa, sujeitos a pressões de diferentes tipos – estes docentes deveriam ter uma carga horária mais reduzida, sempre inferior a vinte horas. Algo extensível a algumas disciplinas do ensino secundário, também avaliadas em exame.
As disciplinas de dimensão mais prática – por terem uma dimensão de trabalho não lectivo inferior – poderiam ser objecto de uma maior componente lectiva, por comparação com os docentes acima referidos. No deve e haver, não haveria aqui qualquer custo acrescido para o estado.
À pergunta de José Gil e para não detalhar mais interrogações poderia responder simplesmente – Sr. Ministro, deixe-nos trabalhar. Saia da frente, não estorve:
Deixem-nos SER PROFESSORES!
Nunca será demais trazer para o debate esta questão tratada no texto.
Parece óbvia a questão, mas não é. E a ministra Lurdes Rodrigues e os seus secretários de estado trataram de defender o fast teacher e a fast school. Os outros continuaram o trabalho e continuam ainda a fazê-lo.
Mesmo não sendo professora, o conteúdo deste post faz todo o sentido!
Agora a pergunta que faço é: será que há interesse, por parte dos dirigentes deste país, que haja VERDADEIRA EDUCAÇÃO? Afinal, um fast teacher mantém as coisas dentro do sistema, não é verdade? E um slow teacher pode contrariar o sistema, pode até causar mossa ao usar a arma da Educação…
Espero estar enganada, mas temo que a luta dos professores jamais venha a ter um desfecho a seu contento. Infelizmente, ninguém está disposto a ouvi-los; nem o governo, nem as massas, nem os pais dos alunos, nem os alunos… Enfim, chafurda-se na ignorância mas não se quer sair dela!
Isabel,
Para além do que referiu, um fast teacher sai mais barato, para além do que referiu. Porque a visão é uma de quantidade. É como se ensinar fosse uma produção em série, qualquer coisa como produzir salsichas enlatadas num tempo mínimo e com custos mínimos de produção.
A realidade é que para competir com a (ideia que se tem da) China, então formatar tudo igual e educar pessoas como se constroem carros faz todo o sentido. Mas continua a haver gente que não percebe e não quer perceber o modelo económico que este governo quer…
Óptima analogia, Dora!
A total automatização e cristalização da educação, que, pela sua própria natureza, tem de ser dinâmica e evolutiva!
Concordo em absoluto com os vossos comentários, porque a questão é, claro, mais ampla: este modelo fast school serve os interesses de um poder financeiro que visa ter pessoas como parte de máquinas, nada mais que isso! A educação é vista como instrumental, no sentido em que se torna útil para preparar essas peças da engrenagem…
Caro Nightwish, o modelo económico que este e outros governos seguem e seguiram (sim, porque a coisa já não se põe ao nível nacional, mas sim a nível global) está à vista de todos e é bem perceptível. Mas é-o para nós, aqueles que recebemos uma educação adequada e que, portanto, estamos preparados para reconhecer padrões de governação, padrões sociais, etc., etc. e habilitados a raciocinar a nível individual.
Mas a grande maioria das pessoas, o chamado povo, não tem essas aptidões e capacidades. O povo é ignorante, o povo segue cegamente a liderança, seja ela de quem for, e o povo é muito fácil de manipular: dê-se-lhe festa e romarias, natais, carnavais e páscoas, concertos pimba, jogos de futebol, cerveja e tremoços e o resto não lhe interessa. Ao povo ignorante tanto lhe faz se os filhos passam de ano porque estão aptos para isso, como se passam sem saber nada!
Por isso é que acho que a Educação é uma arma, mas dada a oposição que se lhe faz, cada um (e estou a referir-me especialmente aos professores) terá que a usar individualmente o melhor que possa. Talvez, se assim o fizerem, daqui a uma década ou duas o povo já não seja tão ignorante e venha a perceber, desta vez com sensato raciocínio, a importância da educação e por isso a importâncias do professor!
E se eu falasse na primeira pessoa?! E se eu dissesse que ainda fazem turmas com vários anos de escolaridade, sendo o número de alunos igual às que só têm um?! (26 alunos por turma, por exemplo.) E se eu referisse aqui que os professores do 1º Ciclo passam pelo menos cinco horas diárias com os mesmos alunos (25) mais duas no horário das AEC’s, não tendo tempo para fazer o trabalho de direção de turma, tendo que cumprir extensos programas, cujos não permitem tempo para exercitar aquilo que foi lecionado?! Será que algém me iria ler/ouvir?! (Suspirando…)Nós nem nos queixamos disto, porque queremos tanto trabalhar que é praticamente a “todo o custo”. Sinceramente, nada disto nos afetaria se houvesse educação. Parece-me que a escola é apenas um local onde as crianças ficam, enquanto os pais têm a sua vida e vão buscar como se fosse uma creche! Não tenho nada contra as creches, mas parece-me que ensinar a ler (como li neste post) é uma tarefa bastante mais complexa, assim como escrever, calcular… E penso que ficaríamos muito ocupados se tivéssemos que ensinar as bases. Mudaram os programas de tal maneira que não tenho tempo para consolidar e não sei se a minha criatividade não está a ser posta de parte por haver esse “mau” estar que foi referido.
Sei que me alonguei, mas sinto-me à vontade aqui para deixar esta partilha. Espero que tenha valido de alguma coisa.
🙂
ELI 🙂 Claro que sim! E para continuar 🙂
O trabalho realizado no primeiro ciclo não é valorizado. É um ciclo onde a dimensão científica não tem a exigência de um ensino secundário, mas que é muito violento porque implica um conjunto de áreas muito amplo, além de que a proximidade aos Encarregados de Educação, resulta, nos dias que correm numa pressão acrescida.
João, obrigada pela força. 🙂
há umas semanas, num jornal catalão, discutia-se aumento de uma hora lectiva para os professores, passavam de 18 para 19…
#11 – Ramila, então isso vem de encontro ao que acima sugiro… Nós estamos MUITO acima disso.
MUITO BEM ELI E JOÃO PAULO! UM ABRAÇO A TODOS OS PROFESSORES DO 1º CICLO!
maria
Obrigada. 🙂
Muito bom dia,
não sou professora, sou funcionária judicial, mas estou totalmente de acordo com o que aqui foi escrito.
Tenho 3 filhos e o mais velho frequenta o 2.º ano.
Na altura em que andei no 1º ciclo os professores, que era sempre o mesmo durante todos os anos do 1º ciclo, eram uma referência e uma inspiração para os alunos. Quantos de nós nessa altura tínhamos o sonho de sermos professores?
Dos professores tínhamos ensinamentos, tínhamos carinho e muito respeito!
E porque gostaria muito que os meus filhos tivessem esse sentimento pelos seus professores, associo-me à Vossa reivindicação: deixem os professores serem professores.
Professor |ô|
(latim professor, -oris)
s. m.
1. Aquele que ensina uma arte, uma actividade, uma ciência, uma língua, etc.
Gente, estou desenvolvendo um software para apoio pedagógico. A ideia é reduzir o tempo gasto no planejamento de aulas e atividades. Estou aberto a sugestões.