Acordo Ortográfico: Juiz condena leviandade

aqui tinha feito referência a uma decisão de um juiz de Viana do Castelo que encontrei aqui. O mesmo juiz aparece agora identificado nesta notícia.

A clarividência e a frontalidade do juiz Rui Estrela Oliveira são evidentes e é fácil perceber cada um dos três motivos que apresenta para ter emitido uma ordem de serviço a impedir a aplicação do Acordo Ortográfico no segundo Juízo Civil do tribunal de Viana do Castelo.

Embora o próprio qualifique esta situação como “uma questão eminentemente jurídica”, não posso deixar de realçar um dos pormenores contidos nesta crítica: “Se há campo onde há mais mudanças, na intensidade de utilização de certas palavras, é no Direito. Pode provocar, com o mesmo texto, um sentido totalmente diferente. Isto nunca foi pensado nem acautelado de nenhum modo. Juridicamente é muito importante o que se diz e o modo como se diz.” Eu diria que este problema se estende a muitos outros campos. Para além disso, mesmo sem ser essa a sua intenção, Rui Estrela Oliveira põe o dedo numa ferida que continua em carne viva: o AO foi imposto com a habitual leviandade portuguesa que prescinde de verdadeiros estudos.

Este é o país em que o estudo e a argumentação, aliás, estão extintos há muito: reformas curriculares são inventadas porque sim, alteram-se PDMs porque é fundamental, constrói-se uma barragem em cima de património histórico porque está decidido,  esmagam-se os cidadãos com austeridade porque é inevitável e impõe-se um acordo ortográfico porque certamente.

Comments

  1. Escusado será dizer no site da ILC não se revelou a identidade do juiz em causa por puro masoquismo, é claro.

  2. António Fernando Nabais says:

    Não chego a perceber se lhe pareceu existir no primeiro parágrafo deste texto alguma crítica ao facto de a ILC não ter divulgado o nome do juiz. A explicação dada no “site” da ILC pareceu-me perfeitamente justa e prudente.
    De qualquer modo, para que fique absolutamente claro, não tive a mínima intenção de criticar a opção da ILC: limitei-me a relatar factos.

  3. Posso comentar?
    Não é sobre o acordo ortográfico. Eu sou a favor da nova grafia, mas contra a sua imposição legal. Sou pela língua escrita com liberdade. Não quero ser obrigado a escrever Egito, mas quero poder escrever Egito, Egipto e egípcio, como escrevo dicção, dicionário e ditado.
    Também não é sobre o facto de o juiz andar a armar aos cucos e a dar entrevistas em vez de trabalhar, porque o mal de Portugal está mais na justiça do que na escrita. E, a julgar pela forma como são escritos os comentários que os cidadãos indignados colocam nos jornais online, a nossa língua está condenada, com ou sem AO.
    Também não é sobre o facto de o juiz não se limitar ao argumento jurídico-legal, que eu ainda aceitaria.
    É mesmo sobre as graçolas do senhor, que revelam que temos ali um perigoso ignorante.
    Imaginam quantas frases do tipo “corretor” se podem fazer com a palavra “direito”, que é muitíssimo mais polissémica? E ele nunca se deu conta do perigo que existia? Quantas sentenças terá feito confundindo direito com direito com direito com direito…? Ou coibiu-se e cerceou a sua liberdade, tentando escrever um texto claro e inteligível?
    Como sabemos, isso é coisa que advogados e juízes aprendem a não fazer, não é?
    Quantas mais palavras assim temos já na nossa língua? E, coitado, nunca tinha dado conta?
    Enfim, eu pedia-lhe decoro, mas ele podia confundir com decôro.

  4. António Fernando Nabais says:

    Não precisa de pedir licença para comentar.
    Gosto de regras ortográficas consistentes e, por isso, não concordo com o AO. Nada disso me impede, na minha expressão pessoal, de escrever como quiser. Por isso, a favor da imposição legal e a favor da liberdade, o que faz com que discorde de si, em parte, e concorde consigo, ao mesmo tempo.
    O juiz não me passou nenhuma procuração para o defender, mas, seja como for, não comungo da sua crítica a alguém que dê entrevistas, se assim lhe aprouver, e dar entrevistas, espero eu, não impede ninguém de trabalhar.
    O jogo de palavras à volta de “corretor” pode ser de gosto discutível, admito. Por mim, limito-me a reiterar a crítica de que o AO aumenta, perigosa e desnecessariamente, o número de homografias.

  5. Rui Fonseca says:

    Artur Costa, desculpe o comentário. O senhor é extremamente ignorante. Porquê? Porque pior do que ser ignorante é desconhecer-se que o é.
    Com que então o juiz em vez de trabalhar dá entrevistas. Não o fazem o Presidente da República, o Primeiro Ministro, etc. Saberá o senhor que um juiz é um representante de um orgão de soberania que não é tutelado pro nenhum outro. Consequências do “montesquianismo”.
    Brincadeiras com palavras homografas e homologas todos conhecemos. Nada tenho contra o acordo ortográfico. Assim como nada tenho a favor. Apenas uma questão: quantos acordos ortográficos existem na língua mais falada no planeta?
    Por último, gostaria de esclarecer que não não sou juiz, advogado ou funcionário judicial.
    PS. Pior do que um perigoso ignorante é um ignorante armado em esperto ou inteligente; pior do que a unanimidade ortográfica é a intolerância e a verborreia fácil.
    Cumprimentos.

    • Tentarei manter-me civilizado e não farei referência à sua ortografia bastante deficiente.
      Sei o que é um juiz: um funcionário público, para todos os efeitos. Que, por acaso, ninguém elegeu.
      Quanto a verborreia fácil, basta ler a sua nota. Uma resposta oca, quase tão extensa como o meu comentário, e sem falar do essencial. E, sobre intolerância, nem digo nada, não vá cair debaixo da sua apertada vigilância.

  6. «põe o dedo numa ferida que continua em carne viva: o AO foi imposto com a habitual leviandade portuguesa que prescinde de verdadeiros estudos»

    Qual foi o «verdadeiro estudo» que Salazar efectuou quando nos obrigou a escrever com a antiga (nova na altura) ortografia?
    O Acordo Ortográfico é muito menos ambicioso e muito mais “percebível” que as espadeiradas salazaristas que foram desferidas, anteriormente, na nossa língua e que implicaram inclusive a reescrita de nomes como Luiz de Camões que passou a Luís de Camões ou Eça de Queiroz que em salazarento foi decretado que se deveria escrever Queirós.

    Enfim há quem não tenha medo nem da mudança, nem da liberdade e há os que querem continuar a escrever como o Beirão lhes ensinou.

  7. Já cá faltava Salazar. Pela Páscoa ainda havemos de ver que também foi culpa dele…
    Cumpts.

  8. DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 19-Fevereiro-2012//carta “ironizando” com o Acordo Ortográfico “HUM AUCTHOR DISTINCTO” (ou “UM AUCTHOR DISTINCTO”)

    Teophilo d’Assumpção Thomaz era parocho e, em 1912, sem dar satisfacções sôbre a ortographia, prohibiu na sua parochia que a pronuncia do Portuguez modificasse a ethymologia na escripta, decisão de Carolina Michaëlis, Cândido de Figueiredo, Leite de Vasconcelos e outros. O parocho defendia o systema de ortographia da monarchia como o chimico defendia os manipulados da pharmacia. As phrases da rhetorica, fructo do seu talento, e as do theatro de que era auctor, tinham a syntaxe d’esta lingua portugueza em que cantava os psalmos. Elle era hum intellectual distincto, não na arithemetica e na gimnastica, com instrucção para analysar a incoherencia e a differença da ortographia dos scelerados. Teophilo odiava que o incommodassem com o novo systema de ortographia, abysmo que não approvava. Mandou collocar annuncios nos edificios da parochia a prohibir a nova ortographia e affligia-se com o que succedia nos novos livros. Teophilo Thomaz foi um Vasco Graça Moura, fructo d’aquelle tempo. Perdia a phleugma e ficava exhausto nos combates, mas, prompto, salvava o estylo e os diphtongos, às vezes com uma lagryma propria de quem se offendia com a expressão graphica das novas regras da Esthetica, que causavam damno à lingua portugueza. Gostava de lyrios e melhorava a psychologia cantando psalmos. O extincto parocho não usou a assignatura archaica em paginas mal escriptas nam foi presidente do CCB.
    (nota: por decisão pessoal o autor do texto não escreveu segundo a Reforma Ortográfica de 1911)/CARLOS ESPERANÇA, COIMBRA

  9. António Fernando Nabais says:

    #6
    Deve ser por isso que muitas edições do tempo de Salazar ainda mantêm Queiroz. Deve ser também por isso que há várias pessoas nascidas no tempo do Salazar que foram registadas Queiroz.
    Nada disso está relacionado com o Acordo. De resto, aí estão os argumentos pobrezinhos do costume: mudar é sempre bom, porque é mudar. E argumentos?

  10. No texto inicial não eram os argumentos era o «verdadeiro estudo» que o preocupava, lembra-se?
    Onde está o «verdadeiro estudo» da alteração ortográfica efectuada por Salazar que (penso que concorda) foi muito mais profunda que esta que tanto o repugna e com a qual não concorda?

  11. Caro Rui Fonseca: se conseguir explicar o que queria dizer, eu posso tentar defender-me. Mas não compreendi nada do que tentou transmitir, tenho a certeza que com a melhor das intenções e com grande esforço, dada a sua verborreia difícil.
    Já que fala do que não sabe, dispenso as suas explicações sobre esse órgão de soberania que, se não é tutelado por nenhum outro nem é eleito pelo Povo, é próprio de países e regimes que talvez lhe interessem, mas não a mim.
    E podemos evitar conspurcar o espaço de outros, que merece o nosso respeito? O meu contacto, para insultos ou para conversar, está aí em cima.

  12. António Fernando Nabais says:

    #10
    O Acordo de 1945 foi o corolário de um processo iniciado nos anos 30 e, entre outros intervenientes, teve como relator Rebelo Gonçalves, um linguista eminente. Trata-se de um texto consistente que pode ser melhorado, evidentemente. Poderá objectar que Houiass, Bechara e Malaca Casteleiro não são menos eminentes. Seja como for, a leitura atenta do AO90 mostra um texto muito mau e um instrumento péssimo (escrevi aqui no Aventar uma série de textos: http://aventar.eu/tag/contra-ao-90/). O eventual cheiro a mofo salazarento ou a necessidade de mudança não são argumentos para esta discussão.
    De qualquer modo, mesmo que não tivesse havido estudos que sustentassem o anterior Acordo, em que é que isso serviria para defender que também não devemos realizar estudos para o actual? A verdade é que a esmagadora maioria dos pareceres é contra o Acordo. Para além disso, tanto quanto sei, há um único estudo sobre uma das muitas consequências deste acordo: é do Francisco Miguel Valada e está “linkado” num dos textos da série que lhe indiquei, se tiver paciência para ler.

  13. Nelson Sousa says:

    Caros Amigos aconselho-os a ler o livro do línguista António Emiliano onde ele põe a nu os erros, contradições,imprecisões e disparates desta Lei- Acordo.
    Sou contra o AO e faço “minhas” as palavras do Prof. Vitorino Magalhães Godinho: “Nenhum orgão de soberania tem poderes para instituir sobre a língua Portuguesa. A língua é um legado de séculos, uma obra de cultura, digo um rotundo não ao acordo ortográfico.” Expesso 10/5/2008
    Aproveito também para lhes contar uma pequena conversa que tive com o Prof. Lindley Cintra (um dos negociadores do acordo) a quando da presença dele num programa de rádio moderado por Adelino Gomes na Antena1 em que lhe coloquei a seguinte pergunta: “O Brasil tira apenas os tremas e cede no hífen em Primeiro-Ministro e nós do nosso lado, aceitámos tudo o que eles nos obrigaram a acrescentar ou a tirar.”
    Respondeu-me o Prof. L.Cintra: “Sabe partimos para o Brasil precipitadamente e aceitámos um acordo que efectivamente nos vai trazer alguns prejuízos culturais e materiais.”
    Gostaria também de lembrar a todos aqueles que dizem que não somos donos da língua Portuguesa, que de facto não somos, mas sem dúvida que este acordo dá ao Brasil o domínio do Português no mundo e o curioso é que para os defensores do AO pelos vistos, isso não os incomoda, os brasileiros podem impôr-nos o que o Português que lhes convém e isso já não é considerado ser dono da língua.
    Quanto à balela de que eles são 200 milhões e nós 10 milhões devo dizer-lhes que pouco nos deve incomodar, porque se formos por aí, devemos recordar que os ingleses e espanhóis pouco se importaram com os muitos milhões dos EU e da América latina, pois como se sabe nunca fizeram qualquer acordo e no entanto as grafias são bastante diferentes no outro lado do Atlântico.
    Nelson Sousa

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