Para se ser de Direita é obrigatório ser-se estúpido, ignorante ou insensível?

Tenho amigos suficientes de vários quadrantes políticos para saber que todos temos os nossos tiques: o cabelo desalinhado da esquerda face ao risco ao lado da direita, a camisa aos quadrados do comunista contra o pullover sobre os ombros do democrata-cristão e outras parvoíces sem importância nenhuma que poderia ficar o resto da tarde a desenvolver, recorrendo a graçolas semióticas de trazer por casa.

Como é evidente, para se ser de Direita não é obrigatório ser-se estúpido, ignorante ou insensível, até porque isso poderia levar a que pessoas de Direita e de Esquerda se pudessem confundir.

Acredito, em contrapartida, que as pessoas inteligentes, informadas e sensíveis, sejam elas de Esquerda ou de Direita, estejam mais próximas do que distantes. Não me espantaria, portanto, que, independentemente das diferenças ideológicas, todos considerassem que as crianças constituem, por assim dizer, um património inestimável que deve estar salvaguardado e que é da responsabilidade de toda a aldeia, de toda a sociedade.

Ora, defender a autonomia das escolas, como muito bem explicou o João José, não é o mesmo que permitir que cada escola ou cada professor ou cada tribo possam fazer das crianças aquilo que lhes passar pela cabeça, desprezando o conhecimento científico e o saber pedagógico.

Diante do disparate perigoso que é expor crianças a uma superstição numa escola (independentemente de ser privada ou pública), alguma Direita blasfema e insurgente limita-se a dar vazão a um reflexo, ao espasmo irracional que defende instintivamente, contra o horror da intervenção estatal, os valores sempre absolutos da “autonomia” e da “liberdade individual” e dos “mercados”. Para essa Direita, a superstição não é perigosa porque é uma escolha local. Perigoso – isso sim – é um currículo nacional, carregado de “propaganda”, característica que, como é timbre dos opinantes irresponsáveis, fica por demonstrar.

Esta Direita é parente da que, nos Estados Unidos, defende que se possa ensinar que a origem da humanidade está toda explicada na Bíblia, desde que a comunidade assim o entenda. O Estado não tem que se meter porque só pode atrapalhar e se, um dia, um Conselho Geral resolver usar a autonomia para introduzir os cultos satânicos ou a astrologia no currículo local, ninguém tem nada com isso.

Comments

  1. José says:

    Quando era jovem os colégios ligados à ICAR tinham fama de preparar bem os alunos para a “Vida”. É óbvio que os preparavam para a vida que os esperava, Os padres, franciscanos, jesuítas, etc conheciam quem componha o mundo dos negócios, a nata da sociedade, os políticos e regras que os orientavam, porque já tinham sido seus alunos e limitavam-se a instruir os meninos e as poucas meninas para se sentirem como peixe na água nesses meios. Além disso, tudo era facilitado porque os jovens adultos iam limitar-se a dar continuidade ao que estava instituido. Após o 25 de Abril, as coisas dificultaram-se porque a influência da ICAR na sociedade foi desaparecendo e com ela a capacidade de se infiltrar onde podia ser útil aos seus “formados”.
    Quem defende “escolas” particulares, apenas quer defender o carreirismo sem obstáculos.
    Os partidos substituíram por uns tempos o carreirismo iniciado nos colégios, As sociedades esquisitas da Opus Dei e da Maçonaria também asseguraram-no para poderes rivais ou paralelos. Depois tudo depende que quem tem poder para influenciar e em todos os casos o que menos conta é que o foi ensinado nas escolas.
    Quando olho para o panorama público da minha região, noto que ninguém que foi meu colega no liceu se destingiu ou ocupa lugar de destaque na sociedade, a não ser 2 vereadorezecos do CDS porque já em meninos eram conhecidos por serem de famílias ricas. Todos os outros são quando muito engenheiros, advogados e um ou outro médico vulgar de Lineu, nada de ministros, de directores gerais, presidentes de administração, nada, Porquê? Porque era o liceu para onde começaram a mandar os filhos dos que tinham deixado recentemente a condição de pobres, Os professores dividiam-se em mal preparados e em preparados em extorquir com explicações particulares os pais dos alunos. Claro que havia excepções, também encontrei mestres em bullying, chalados, mentecaptos e uma mão cheia de professores de excelência.
    As escolas deviam de ter o dever de instruir os alunos em duas disciplinas que considero básicas: A Comunicação (Línguas, Português e Outra ) e Cidadania, para que em adultos não se encontrem grunhos a dividir a humanidade em géneros, famílias, raças, crenças, cores, comportamentos, posses. Se as crianças intuírem que a humanidade é o conjunto de todos os homens e souberem comunicar entre si, usando a língua com rigor, para não ferirem com palavras mal empregadas ou não as usarem como arma; Se formarem os adolescentes para desempenhos profissionais de que se orgulhem, não porque seja mais ou menos bem visto, mas pelo desempenho de elevado nível em qualquer lado do mundo, e… e, se possível, tentarem deixar de ensinar que a acumulação de riqueza se não tiver um objectivo social não deve ser respeitada, e a pobreza não é motivo de vergonha, A condição de pobre só foi uma condição voluntária em alguns períodos da idade de média por ascetas e frades mendicantes. Normalmente advém duma incapacidade (mental ou física) para viver em sociedade, assim sendo só mostra mérito, valor moral e intelectual quem tudo fizer para ajudar estas pessoas. Com certeza que retirar muitos deles dessa dolorosa condição é tarefa impossível, mas ajudá-los a suportar com dignidade e algum conforto o destino só depende da vontade da sociedade. Se a escola publica ou privada estivesse disposta a instruir e a ensinar, e não servir aviltantemente interesses de ocasião o mundo seria diferente e não, como alguém dizia, a retrete que é.

  2. José says:

    .

  3. João Paulo says:

    Pelos comentários que tenho lido no Aventar contra a GREVE: sim, sim e sim!

  4. manuel.ferreira says:

    A ESCOLA É O FUTURO DOS JOVENS DE TODAS AS IDADES………NUNCA DEVEMOS CONFUNDIR ORDEM COM AUTORITARISMO……
    NEM DESORDEM COM LIBERDADE……
    A ESCOLA precisa de ser globalizada para formar jovens capazes de vencer todas as complexidades do MUNDO ATUAL……MAS precisa de utilizar toda a inteligência emocional e racional para construir VALORES SÓLIDOS — sem os quais não é possível construir um mundo novo — mais rico , mais justo , e mais humano — e portanto os valores da FILOSOFIA devem podem e são a base da VIDA ECONOMICA que faz o presente e prepara o futuro…
    A ESCOLA deve conter elementos fundamentais e intrínsecos á sua existência…LIBERDADE…( de ensinar e de aprender )…em segundo lugar deve ser COMPETITIVA … ( podendo criar o seu projeto pedagógico )…e em terceiro lugar deve ter MÉRITO…( funcionar externa e internamente com meritocracia ).
    E ASSIM SENDO , O ESTADO DEVE SER PROIBIDO DE SER DONO DE QUALQUER ESCOLA —devendo todas as escolas ser propriedade plena dos PROFESSORES que nela trabalham—limitando-se o Estado a ter duas pequenas equipes…..uma que Fiscaliza e outra que Paga …PORQUE O ENSINO DEVE SER UNIVERSAL E GRATUITO…mas o sucesso vem sempre de 1% de inspiração e de 99% de transpiração…
    Confundir Universal e Gratuito…com Estatizada e feita por Funcionarios Publicos…é um dos MAIORES ERROS da nossa Sociedade Democratica…que deve ser corrigido com a maior urgência…
    ( a letra maiúscula é apenas sublinhado e não é grito…desculpem…)

  5. Ricardo Lima says:

    Não vejo porque não possam coexistir escolas com uma especialização mais religiosa onde se possa ensinar isso que referiu – apesar de, pessoalmente, ser ateu.

    Também não compreendo esta paranóia de uma certa Esquerda temente a tudo que é passível de ser feito de diferente. Se os pais e os alunos decidirem escolhar uma escola estilo colégio militar, uma escola especializada em línguas, ou uma religiosa, qual é o problema ?

    Sabe, não é superstição. É mesmo a certeza, justificada pela história, de que, apesar dos indivíduos errarem – e consequentemente essas escolhas individuais poderem não ser as melhores – farão decerto menores danos que meia dúzia de burocratas sentados numa sala a planear o que uma geração inteira vai aprender. Isso sim é perigoso.

  6. António Fernando Nabais says:

    As escolas não têm que ter especialização religiosa ou ateia ou política. Para isso existem a catequese ou outras instituições em que os pais queiram meter os filhos à custa do seu dinheiro, mesmo sabendo que a Escola nunca estará livre de contaminações ideológicas.
    Cada geração decide aquilo que a seguinte vai aprender e isso deve ser feito com base no estádio do conhecimento científico, o que implica exactamente que a Educação não deva estar entregue a burocratas, que é o que acontece há vários anos, só que os burocratas não se preocupam com Educação, preocupam-se com estatísticas ou com poupanças.
    De resto, eu, que sou de esquerda, é que não percebo qual é o problema de a Educação ser, em parte, fiscalizada por organismos centrais, o que pode, evidentemente, dar origem a perversões, mas acredito que é desse equilíbrio entre o central e o local, com a mediação da CIÊNCIA, que nascerá um sistema educativo aceitável. Nada disso impede que as escolas e os professores apresentem projectos que não existam na escola ao lado.
    Somos todos responsáveis por aquilo a que os jovens estão sujeitos. Que acha das escolas americanas em que se quer ensinar o criacionismo, por exemplo? E se amanhã aparecer um idiota a afirmar que é preciso recuperar os castigos físicos para os alunos aprenderem melhor e houver pais que estejam dispostos a pôr aí os filhos? O problema é deles, é uma escolha individual e a sociedade não tem que se meter nisso?
    Há uns anos, Valter Lemos explicou que o Latim desapareceu dos currículos porque os pais não estavam interessados em que os filhos tivessem uma disciplina que é obrigatória nesses países subdesenvolvidos como a Alemanha ou a Holanda. Se amanhã os pais decidirem que os filhos não devem ter Matemática, temos de aceitar que isso é bom para os alunos porque não foi nenhuma estrutura central a decidir. Já agora, vamos deixar as crianças escolher aquilo que querem estudar e não se fala mais nisso.

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  1. […] Posted on 24/03/2012 por António Fernando Nabais Aguarda-se, a todo o momento, a reacção virulenta de José Manuel Fernandes e dos insurgentes contra mais esta imposição dos burocratas […]

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