A Esquerda e a escravatura

A tese “as dívidas não se pagam, gerem-se” implica a existência de um capital alternativo, o capital humano. Neste contexto, a produção individual de riqueza  é continuamente canalizada, em maior ou menor parte, para pagar essa dívida gerível, que nunca se anula, face à repetida adição de nova dívida.

Gerir assim a dívida é colar um fardo ao indivíduo, o qual pauta a sua existência pela necessidade de trabalhar para a pagar. Acaba-se escravo da dívida, implacável tirana que marca o compasso dos impostos com crescente carga fiscal. Pertence-se-lhe, sendo o trabalho do indivíduo a garantia bancária para novos endividamentos.

A Esquerda, ao defender modelos de crescimento económico baseados nas “grandes obras públicas”, os quais acarretam endividamento, cai no paradoxo de, por um lado advogar a libertação do indivíduo face aos “patrões” mas por outro acorrenta-o ao trabalho que acabe por pagar esses investimentos. Haverá diferença entre ser-se escravo do patronato e ser-se escravo do trabalho? Se no sistema feudal o indivíduo pertencia à terra, a qual era pertença de um dono, no modelo económico do Estado como impulsionador da economia pertence-se à dívida, a qual é gerida pelo Estado. E o Estado não somos nós. Por mais que se deseje, o Estado é o conjunto desses que governam. São os novos senhores feudais e a Esquerda, com o seu ideal económico, faz-nos deles escravos.

Comments

  1. Sim, mas…
    depende de como interpretamos ” as dividas não se pagam, gerem-se”, se considerarmos que todo o dinheiro colocado em existencia provem como divida então a divida existe sempre e como tal a unica atitude possivel é geri-la, mesmo paises com superavit têm dividas (menores eu sei) mas que resultam de outras razões que não a existencia do dinheiro em si mesmo.
    Quanto ao capital alternativo, o capital humano, na realidade é tudo quanto existe, o resto são construções mais ou menos virtuais sobre a unica realidade possivel, o resultado da actividade humana, a produção, o trabalho.
    Na verdade, mesmo para não existir divida, ou existir divida controlada é preciso um aumento da escravidão, uma intensificação da dedicação do individuo ao trabalho, pois é necessário produzir mais para vender mais e criar superavit.
    É preciso entender que hoje o trabalho não é a supressão das necessidades mas sim uma forma de controlo das massas e manutenção de elites pois a tecnologia permite a libertação do individuo em relação ao trabalho servil e mercantista, mas essa libertação significaria a separação da sobrevivencia do trabalho e isso seria um passo gigantesco na libertação dos individuos, coisa tão pouco admissivel.

  2. joao says:

    Sendo que, as dívidas que contraímos a nível pessoal não se podem pôr em paralelo com a dívida nacional, parece-me poder socorrer-me deste exemplo, para explicar o meu ponto de vista que é diferente do seu:

    Como cidadão num estado de boa fé, sei que posso gerir a minha vida e a da minha família de acordo com o rendimento familiar e a despesa familiar.

    Invisto na educação dos meus filhos, a curto e médio-longo prazo, planeio melhores condições de vida para a família a nível de habitação, transporte, cultura, momentos de lazer e saúde. Posso ainda planear um qualquer investimento de empreendedorismo económico e financeiro.

    Faço contas e sei que posso pagar um empréstimo, caso seja necessário.

    Porque este exemplo se baseia num estado de boa-fé, onde o trabalho é um direito e onde a vida se pautará por princípios honestos e humanistas, sei que poderei pagar a dívida que assumi, contribuindo assim não só para o bem estar da família mas também para o desenvolvimento do meu país.

    Esta é a perspectiva em que me coloco, que considero acertada e que merece ser defendida.

    A perspectiva colocada no post parte de um princípio que Tem De Ser Assim porque Sim.

    Daí todas as ilações retiradas sobre o “trabalho escravo para pagar dívidas”, o “aumento crescente de impostos e carga fiscal”, o “fardo” para o indivíduo e, acrescentaria eu, o desemprego, os recibos verdes e a precariedade laboral, o corte patriota de pensões, salários e subsídios de natal e de Férias, o “viver-se acima das possibilidades” e o “despesismo com obras públicas faraónicas”.

    Tenho a absoluta convição de que o que o post relata não tem de ser assim.

    Não vou por aí. Sei que nada fará mudar a sua opinião. Só a procura em se estar melhor informado sobre o que se passa. Só com o tempo e com maior abertura para debater.

  3. joao says:

    #1,

    “…pois a tecnologia permite a libertação do individuo em relação ao trabalho servil e mercantista…”

    Este é um tema que realmente faz pensar.

    Diziam-nos que a tecnologia iria ter um impacto positivo no conceito de trabalho, de riqueza e de desenvolvimento economico, social , cultural e político tão grande que todo o paradigma das sociedades actuais iria modificar-se para níveis nunca antes obtidos pela humanidade.

    Pergunto: é esta a realidade para onde nos dirigimos? Pergunta retórica, penso que estamos de acordo.

    E a questão vai sempre dar ao mesmo: não será da tecnologia, certo? Então teremos de encontrar a resposta noutra dimensão.

    Muitos escreverão e continuarão a pensar que “É a esquerda e a escravatura”.

    Gosto de pluralismo de ideias, mas não de ideias embrulhadas no mais retrógado, conservador e ignorante papel de embrulho, como é o caso do que é escrito no post.

  4. Quando no passado, mesmo recente, á cinquenta anos por exemplo, se discutia o desenvolvimento tecnológico, o grande desenvolvimento tecnológico que o futuro nos traria, um dos benefícios expostos era a visão de que no futuro o homem estaria muito mais liberto do trabalho, consequência da automação da industria, da produção e que a vida das pessoas seria muito mais gratificante ficando responsáveis apenas pela criação de novos sistemas e sua gestão.
    Foi uma previsão acertada, chegámos cá, parcialmente, a tecnologia permite hoje alcançar esse objectivo, não tenho dúvida, a tecnologia cumpriu a sua promessa mas nós seres sociais não! No tempo dos satélites, estação espacial internacional, acelerador de partículas, neutrinos e bosões, querem fazer-nos crer que não é possível libertar o homem do trabalho servil e mercantilista e no entanto fomos nós enquanto organização social que não permitimos e continuamos a não permitir que a tecnologia nos liberte.
    Paradoxalmente o presente obriga-nos constantemente a trabalhar mais, fazendo-nos crer inevitável tal condição paralela ao estatuto tecnológico.
    O erro é tão grande que no momento em que o mundo subdesenvolvido ou em vias de, dispõe finalmente das capacidades tecnológicas que nós usámos e lhes “facultámos” para que possam elevar-se ao nível que o “Ocidente” atingiu, o que fazemos? Em lugar de dar o passo em frente que seria de esperar, ou seja transitar progressivamente de uma sociedade de trabalho humano intensivo próprio das fases industrial e pré-informação, para uma sociedade de trabalho humano participativo, o caminho escolhido, foi o da regressão, destruir parte do percurso evolutivo já percorrido e harmonizar por padrões de inferioridade.
    A tecnologia não nos libertou já, porque não somos apenas trabalhadores, somos um bem, um activo que precisa de estar dependente para poder ser controlado e assim valorizado (obrigado a produzir mais) ou desvalorizado (auferindo menor salário) para valer ainda mais, é esta escravidão dissimulada que pode ser difícil decifrar, e permite um sistema em que meia dúzia domina milhões de pessoas independentemente do nível tecnológico alcançado.
    Não é portanto a técnica que nos prende é a doutrina, a política e em última instância os valores morais, a consciência do ser humano.

  5. joao says:

    #4,

    Completamente de acordo.

    Não é a tecnologia que temos de interpelar, mas sim o uso que se faz ou não dela.

    E voltamos sempre ao problema principal: o da ideologia, quer queiramos quer não.

    De que lado é que se está? – do lado dos que mandam no mundo e manipulam tudo e todos, ajudados pelos que lhes fazem o obséquio, consciente ou inconscientemente, ou do lado da maioria dos cidadãos que têm o direito a uma vida melhor do que a das gerações anteriores tiveram?

    Fica-se do lado das negociatas mundiais e da consequente pornografia humana ou do nosso lado, do lado de todos nós?
    ( não uso a expressão “capital humano” porque não gosto)

  6. patriotaeliberal says:

    #0
    “no sistema feudal o indivíduo pertencia à terra, a qual era pertença de um dono”

    Amigo, em que é que ficamos?

    Afinal a terra pertencia a quem?

  7. Pisca says:

    Nisso da terra é como dizia uma alentejano já bem entrada na idade:

    – É deles ! É deles, cagaram-na foi ?

    Jorge vai dar banho ao cão mais as teorizações, para não ser pior

  8. patriotaeliberal says:

    “A terra a quem a trabalha!
    Mortos fora dos cemitérios, já!”

    (para que não se lembra do PREC-período revolucionário em curso, ao contrário do mui recente PREC-processo raio que os parta de empobrecimento em curso)

  9. manuel.ferreira says:

    TRABALHO………SÓ UMA ESTRATÉGIA COMPLETA…EQUILIBRADA…E ROBUSTA , pode conduzir o País ao caminho do Progresso das pessoas , das famílias e das empresas…
    O TRABALHO NÃO DEVE PAGAR QUALQUER IMPOSTO…!!!
    Quem trabalha ,( e produz riqueza ) , trabalha para si , para a sua família , para a sua empresa , para o seu município , para o seu País…
    MERECE UM INCENTIVO…MERECE UM LOUVOR…MERECE UM PRÉMIO…e nunca um imposto…e mais grave ainda um imposto progressivo…quanto mais trabalha mais paga…
    É UMA GRAVE INJUSTIÇA COBRAR IMPOSTO SOBRE O TRABALHO…
    E um dos maiores erros da nossa sociedade…sendo urgente corrigir tal erro que é de uma injustiça COLOSSAL…
    O Estado só deve cobrar impostos JUSTOS…sobre o Consumo , a Poluição e os Vícios…e todos os outros impostos devem ser ABOLIDOS…
    A redistribuição dos rendimentos deve ser feita apenas no investimento do Estado…e nunca na cobrança dos impostos…
    Os impostos injustos sobre o TRABALHO devem ser PROÍBIDOS imediatamente…para que haja um mínimo de JUSTIÇA FISCAL…

  10. jorge fliscorno says:

    Para reforçar o ponto de vista aqui exposto trago à discussão algumas intervenções massivas do Estado na economia: SCUT, energias renováveis, Parque Escolar e nacionalização do BPN. Todas elas contribuíram para aumentar a dívida e a dependência financeira face aos detentores do capital. Todas todas foram enunciadas como de boa-fé, contribuindo como impulso económico (SCUT, PE), como aumento da nossa autonomia (renováveis) e como prevenção da banca rota (BPN). E, no entanto, todas elas conduziram à necessidade de aumentar impostos, ou seja de trabalharmos mais. É aqui que está o paradoxo  da Esquerda, onde o que foi feito em nome do bem do indivíduo piorou a sua condição de escravo.

  11. Tiro ao Alvo says:

    Anda aqui gente, militantemente, a vender o seu “peixe”, treslendo o post. Não há ninguém que os convença a mudar de iseias: meteram-lhe aquelas coisas na cabeça e agora não entra mais nada. Coisas como “o trabalho é um direito”, fazem parte de uma doutrina que consideram certa e imutável. Nestas condições, que interessa que eu venha dizer que “cada um deve comer o pão amassado com o suor do seu rosto”, logo que o trabalho, antes do mais, é um dever? Para essa gente isso não interessa nada, ficando-me a consolação de não me calar quando penso que o outro está errado e me é permitido manifestar a minha opinião. Como acontece aqui e agora.

  12. Para reforçar…
    temos que elaborar mais um pouco e para melhor entender há que separar o investimento do estado, da forma como o investimento do estado é concretizado.
    O estado como criador das condições dinamizadoras da actividade económica não é por si só um facto negativo, podemos dizer que foi até fundamental, imagine cada empresa a ter que construir a sua própria estrada, rede de água, esgotos, electricidade etc, etc e como dizia alguém, “Ninguém é milionário sozinho”, pois utiliza sempre as infraestruturas publicas no desenvolvimento da actividade.
    O estado pode criar as condições para o desenvolvimento das actividades do colectivo, o que o estado não pode fazer ( e não é o estado, são os representantes sob o pretexto do bem comum) o que os representates do interesse comum não podem fazer é utilizar essa função para privilegiar segmentos da sociedade, favorecendo interesses particulares e prejudicar na realidade o próprio estado, que é evidentemente, todos os cidadãos.
    Os exemplos que deu são a prova não da impossibilidade do estado como dinamizador mas sim da condição de sequestro em que se encontra a representatividade democrática.
    Agora se disser que com o actual desenho de representação da sociedade na gestão da coisa publica o resultado nunca será muito diferente daquele que expôs, estou de acordo.

  13. joao says:

    Horizonte XXI,

    Concordo a 100%!

    Parece-me que todos concordamos com o que escreveu.

    ou não?

  14. Orlando Teixeira says:

    Não é por acaso que a escravatura actual, e a falta de democracia que se encontra a ela associada, existe sobretudo e de forma bem vincada nos regimes de esquerda, por mais traavestida que esteja.

  15. jorge fliscorno says:

    Naturalmente que todos percebemos que investimento do Estado e a concretização desse investimento são coisas distintas. E que há infraestruturas comuns que fazem sentido serem de todos, feitas por todos e para todos. Mas o diabo está nos detalhes e é quando se chega à concretização que os ideias esbarram com a realidade.

    Como é referido no post, apesar das boas intenções, o facto é que o poder do Estado se resume ao poder daqueles que o controlam, que decidem fazer uma obra ou não, que decidem despejar dinheiro dos contribuintes num negócio ou não. Os exemplos apresentados são prova de que as pessoas decidem em função de interesses não necessariamente coincidentes com os do Estado. Eu, cínico confesso, não acredito que quem exerce o poder, venha de que quadrante político vier, alguma vez tenha uma atitude diferente. O poder corrompe. A solução que vejo é que quem tem o poder num determinado momento – e que se faz confundir com o Estado, não tenha o poder de decisão que agora tem. Um ministro não deve ter o poder que lhe permita fazer uma enormidade como foram as SCUT, só para citar um exemplo. Por isso, quando vejo a Esquerda pedir mais obras públicas como forma para sairmos da crise (recorde-se o recente manifesto a favor das obras públicas), naturalmente que discordo.

  16. jorge fliscorno says:

    Entretanto, saiu a segunda parte da série:

    http://aventar.eu/2012/03/26/a-direita-e-a-escravatura

  17. Tiro ao Alvo says:

    Tem todas a razão Jorge, quando diz que “há infra-estruturas comuns que fazem sentido serem de todos, feitas por todos e para todos. Mas o diabo está nos detalhes e é quando se chega à concretização que os ideias esbarram com a realidade”, como é o caso da CRIL, por exemplo, que nunca foi SCUT, mas que é das poucas auto-estradas do País sem custos para os utilizadores, mais de 100.000 por dia, ao que dizem, auto-estrada que é, nem mais nem menos, a mais cara de Portugal (com custos enormíssimos), por onde eu nunca passei e, provavelmente, nunca vou passar. Nem eu, nem a maioria dos portugueses, que a estamos a pagar sem qualquer proveito, parece-me. Por outro lado, utilizo as ex-SCUT, onde pago portagens ao abrigo daquele principio, que até parece razoável, de utilizador/pagador, tão defendido pela malta da capital…

  18. chatice_tuga says:

    Hitler, o Nazismo e a Esquerda

Trackbacks

  1. […] Segunda parte da série; primeira parte: A Esquerda e a escravatura partilhar: Esta entrada foi publicada em geral, com as tags divagações, por jorge fliscorno. […]

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading