Uma defesa acaciana do Acordo Ortográfico

No meio dos seus muitos afazeres, o deputado Acácio Pinto, do Partido Socialista, resolveu, também, defender o Acordo Ortográfico. O texto, publicado no Diário de Notícias, está replicado aqui. Passo a parafrasear e a comentar.

O Acordo, na opinião de Acácio Pinto, é bom porque foi aprovado pela esmagadora maioria dos deputados da Assembleia da República, contrariando uma esmagadora maioria de pareceres negativos e de críticas vindas dos especialistas. Fraco argumento: não é novidade que os deputados decidam contra a opinião dos especialistas e, muitas vezes, contra o mais elementar bom senso.

Depois, o Acordo é virtuoso, porque permitirá que haja uma grafia comum na CPLP, o que não é verdade, pois continua a não haver uma grafia comum. Quanto às novas oportunidades da edição em português, ficamos à espera que Acácio Pinto mostre os estudos de mercado que provam isso ou o contrário. Caso existisse uma ortografia comum, não duvido de que houvesse um festim para as editoras brasileiras.

Em terceiro lugar, o Acordo é meritório, porque já houve mudanças antes e porque todos se adaptam às mudanças. Estamos esclarecidos: desde que haja mudança, tudo será melhor.

Seguidamente, o Acordo é digno de elogios, porque é um acordo e “um acordo é, em si mesmo, um facto que encerra convergência, que é positivo e que importa, portanto, enfatizar.” Do mesmo modo, a concórdia implica entendimento e o entendimento é bom, porque tem virtudes.

Finalmente, o Acordo é louvável, porque Acácio Pinto sabe que as modificações linguísticas continuarão a ocorrer e a Terra continuará a mover-se. Deduz-se, talvez, que não devemos levar a vida demasiado a sério, ortografia incluída.

Da pena genial de Eça de Queirós saiu esse extraordinário Conselheiro Acácio, tão extraordinário que o pai do escritor declarou, numa carta ao filho, que “por si só vale um romance.” O sucesso da personagem foi tal que deu origem ao adjectivo acaciano para designar a expressão convencional, pomposa e vazia, ao mesmo tempo.

Acácio Pinto, talvez por maldição onomástica, quis fazer jus ao adjectivo e produziu uma prosa cheia de vácuo, na sequência das muitas defesas do Acordo Ortográfico que se ficam por afirmações vagas e falhas de sustentação sobre a internacionalização da língua, a sobrevivência do idioma ou as maravilhas dos mercados. Deus nos livre de perdermos tempo a estudar o assunto, lendo aquilo que escrevem os especialistas, esses caturras que se limitam a estudar… o assunto.

Comments

  1. O deputado Acácio Pinto é bem o paradigma acaciano de Eça. Ex-governador do Distrito de Viseu, como todos os governadores civis munido da bel’arte de tudo saber e de tudo fazer, veste a pele do patriota-linguista. Dá conselhos sobre turismo, literatura, política e diplomacia, astronomia e física. É bem. Deve o sr. conselheiro, perdão, deputado, justificar com o seu afã a prebenda partidária.

  2. Manuela says:

    ” […]..O Acordo, na opinião de Acácio Pinto, é bom porque foi aprovado pela esmagadora maioria dos deputados da Assembleia da República, contrariando uma esmagadora maioria de pareceres negativos e de críticas vindas dos especialistas.[…].”

    Quem manda é o povo. O voto não significa dar “carta branca” para os políticos fazerem do País o quintal da casa deles.Toma vergonha deputado.

  3. O deputado Acácio não devia ter falado da aprovação pela esmagadora maioria dos deputados porque, havendo centenas de milhares de anti-acordistas activos – para não falar dos muitos mais que apenas não se revêem neste «acordo», tudo leva a crer que, se a Democracia funcionasse mesmo, sendo representativa, os resultados da votação deviam ser outros…

  4. A cavalgadura omitiu-me lá dois comentários. Não aguenta palavreado, o parlamentar.
    Cumpts.

  5. Bruno Cunha says:

    Primeiro não percebo a necessidade de haver qualquer acordo que seja. Não existe absolutamente nenhuma vantagem. Os diversos povos que usam o português como língua oficial sempre se entenderam e com certeza que não será um acordo qualquer que irá trazer algum benefício que seja. Temos casos práticos como o espanhol falado e escrito em Espanha é bem diferente que o espanhol falado e escrito no México, Argentina, Venezuela e no entanto todos se entendem. Torna assim este acordo uma falácia e dizimando assim a cultura escrita dos povos.
    A escrita sem dúvida que evolui no entanto a sua evolução não deve ser feita por decreto e sem uma ampla discussão pública algo que efectivamente não aconteceu.

  6. A. Meireles Graça says:

    Se o “linguista” Acácio entende que o AO90 é bom por ter sido aprovado por maioria na AR eu, mero cidadão e contribuinte deste infeliz Portugal, gostaria de saber como o país chegou à actual situação de mendicância com desastrosas leis e orçamentos também “aprovados por maioria” numa AR que se ufana, no discurso acaciano, de ter aberto caminho à destruição da verdadeira e única Lingua Portuguesa! Que, no brasilês do senhor Malaca, aprovado por maioria acaciana, aqui deixo:
    Passar bem, senhor deputado.

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