Contra a Obscena Isenção

Não percebo a que santo rezam os opinadores prostituidores da própria consciência na questão manhosa da judicialização da política. Só logram confirmar o quanto esta República está podre na medida em que se aceita como normal e não passível de escrutínio o rosário de crimes óbvios de um dado político amplamente sujo, mas elevado ao estatuto de santo benfeitor e mito intocável. Se esse político roubou descaradamente o erário público; se promoveu um sem-número de negociatas gravosas para as contas públicas; se arrastou com dolo o País para a bancarrota apenas pelo capricho de manter intactas as condições de reeleição, então os prostitutos da opinião que enfiem os seus pruridos quanto à suposta judicialização da política. Os políticos são cidadãos. Os políticos cidadãos convertidos em impunes e imunes são um escarro-em-gente nos demais cidadãos à sua mercê e não sujeitos à mesma obscena isenção arbitrária. Uma ditadura não faria pior. Não se pode despenalizar políticos que por incúria, malícia e avidez extremas em poucos anos explodiram com os equilíbrios financeiros de um Estado. Se esses políticos comprometeram gravemente o futuro dos nossos filhos, se de muitas maneiras lesaram o seu País, não é a pequena barganha das contas eleitorais que nos fará justiça. Democracia não é isto, ó vacas da opinião sagrada, cabras da cegueira facciosa! A lei que nos deveria fazer iguais, verdadeiramente iguais perante si, não passa de caricatura graças a delicados exílios e ainda mais delicados modos de defender o indefensável.

Comments

  1. jorge fliscorno says:

    Pretender que a responsabilidade se esgota na eleição é o sonho de muito político. Mas porque hão-de os políticos serem diferentes dos outros profissionais? São pagos como qualquer outro gestor, têm responsabilidades como qualquer outro gestor, logo porque não hão-de ser responsabilizados perante gestão danosa como qualquer outro político? Por exemplo, porque há-de ficar impune a adjudicação do TGV Poceirão-Caia e das obras da Parque Escolar? É o próprio Tribunal Constitucional que diz ter havido ilegalidade, porra!

  2. palavrossavrvs says:

    Exactamente. E andam as vacas sagradas da opinião publicada a pôr a mão por baixo dessa colecção de feitos asquerosos, meu caro!

  3. Vacas e cabras … certíssimo! Só faltaram mesmo os Boys! 😉

  4. Tiro ao Alvo says:

    A palavra-chave para manter “tudo com dantes, quartel-general em Abrantes”, é ser-se contra a “inversão do ónus da prova”.
    Em 2005, o então presidente Jorge Sampaio, propôs a “inversão do ónus da prova”, nos casos de enriquecimento inexplicável, face aos rendimentos conhecidos e declarados por muita gente que se tem por boa. Então, apareceu logo um exército de gente iluminada, tipo Miguel Júdice, na época Bastonário da Ordem dos advogados, insurgindo-se contra essa eventualidade e a sugestão do presidente foi “arquivada”.
    Como se pode ver, tudo se mantém na mesma, para mal das pessoas honestas (que são a maioria esmagadora do nosso povo), que nada teriam a perder se isso fosse implementado.
    Daí resulta que nem o Isaltino cumpre a pena, nem os criminosos do BPN são constituídos arguidos… Uma desgraça.

  5. Tudo muito bem, mas precisamos de justiça e tribunais a funcionar. Vejam casos Isaltino, BPN, Freeport, Face Oculta, e tantos, tantos, tantos outros.
    Os políticos querem ser julgados nas urnas e na comunicação social, porque assim não vão presos nem têm que restituir o saque.
    Muitos advogados são promiscuos, pois são deputados e criam leis que depois vão aplicar conhecendo todos os escapes e estratagemas que deixaram nos textos legais. Tentem ler um decreto ou uma portaria, comparem com os escritos de Fernão Mendes Pinto ou Fernão Lopes.
    É mais fácil perceber um texto com séculos do que outro actual mas escrito propositadamente para ser pouco transparente!
    Por isso não prendem Isaltino, não chegam a lado nenhum no Freeport, mas se for algum vulgar cidadão será decerto esmagado por toda a máquina judicial.
    Acusem-se e julguem-se os políticos, se os tribunais não o fizerem o povo pode um dia decidir agir por si na praça pública, com resultados imprevisíveis.

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading