Esquerda, direita, exames

O regresso dos exames no último ano do Primeiro Ciclo reavivou fantasmas reaccionários e revolucionários.

Por uma vez, Nuno Crato revelou coerência entre o que defendia como comentador e o que pratica como ministro, ao revalorizar a importância dos exames. Devo dizer que, como simpatizante do comentador e opositor do ministro, não tenho, perante os exames, uma reacção instintiva de adesão entusiasmada ou de repulsa enojada. Antes procurarei reflectir, o que não me parece acontecer com a direita ou com a esquerda, especialmente se parlamentares, porque a Assembleia da República é, demasiadas vezes, palco de coreografias.

A esquerda limita-se a um reflexo condicionado diante da expressão “exame de quarta classe”, como se esse momento ou essa expressão significassem exclusão pura e simples, como se os alunos não devessem, todos, independentemente do estrato sociocultural a que pertencem, ser sujeitos, o mais possível, ao mesmo grau de exigência.

As crianças não têm todas o mesmo ponto de partida, é certo, mas a esquerda, em vez de pugnar por mais recursos e de obrigar a uma maior articulação entre políticas sociais e educativas, num país que vive em subdesenvolvimento educativo, prefere defender paliativos que, através do abaixamento das exigências, contribuem para uma igualdade ilusória.

Curiosamente, o PS socrático, ideologicamente gelatinoso, estendeu-se à direita, quando foi preciso proletarizar a classe docente, e chegou-se à esquerda, sempre que, obcecado com estatísticas, precisou de fingir o sucesso educativo. No segundo caso, pôde contar sempre com a cumplicidade da esquerda.

A direita, preocupada em melhorar a situação do país, piorando a vida dos cidadãos, cujo valor facial é menor do que o de um peão no xadrez, fica satisfeita com o regresso dos exames, sem que isso, na realidade, implique maior exigência ou maior investimento em Educação. Na realidade, a reforma curricular levará à diminuição de recursos humanos e não será acompanhada da devida atenção à formação inicial e contínua dos professores, ao mesmo tempo que, através da insistência nos mega-agrupamentos, se criam dificuldades acrescidas à autonomia e à gestão das escolas e, portanto, à efectiva resolução dos problemas educativos.

Face a isto, antevejo que poderá haver uma tendência para treinar os alunos para o exame, até porque, com maior ou menor discrição, haverá pressões para que os resultados sejam globalmente positivos, o que nos trará, no fundo, de volta à simulação de um sucesso educativo.

No meio de todos estes tangos, valsas e restantes danças de salão, os alunos continuam a desempenhar o papel de mexilhão. E rima.

Comments

  1. joao says:

    De acordo com esta questão dos exames que vai continuar a fazer correr rios de tinta.

    Quando o problema é o da “reorganização curricular” que não se deve esgotar nos exames.

    Mas isso não dá para sublimações apaixonadas.

    Os exames, sim.

    Continuemos, pois.

  2. Pedro Manuel Freitas says:

    Fazer exames a nível nacional sai caro, pelo que estes não devem servir apenas para assustar criancinhas. No passado, os exames da 4ª classe faziam sentido porque marcavam o final de um percurso escolar, a que davam credibilidade. Hoje, exames no 4.º ano só farão sentido como meio de diagnóstico a fim de facilitar eventuais decisões técnicas. Mas, atenção, como li algures, não basta verificar a temperatura do paciente muitas vezes para o curar. Impor exames apenas por imperativo ideológico ou por um qualquer obscuro fetichismo saudosista é perder tempo e dinheiro.

  3. António Fernando Nabais says:

    #2
    Concordo: imperativos ideológicos não fazem falta, neste assunto.

  4. chico estróina says:

    Não se preocupem com este ou outros exames que possam surgir. Como sabem, a escola forma analfabetos (foi a forma que encontraram para resolver o analfabetismo em Portugal, de acordo com os chulos de Bruxelas). Como tal, os exames servem para apreciar se a formação de analfabetos está a decorrer nos conformes. Está, sim. senhor, os alunos já há muito tempo que não falam, grunhem!!!

  5. Tito Lívio Santos Mota says:

    de acordo com todos os comentários.

    exames? mas para avaliar o quê?
    O nível de iliteracia dos alunos ou para constatar que não sabem e que, de qualquer maneira se não dão meios à escola para resolver o assunto?

  6. Cátia Santos Ferreira says:

    Qto a mim, o texto começa logo mal! “O regresso dos exames no último ano do Primeiro Ciclo reavivou fantasmas reaccionários e revolucionários.”???? Correção: O regresso dos exames no último ano do Primeiro Ciclo reavivou práticas fascistas, isso sim. Basta estar atento à História.

  7. António Fernando Nabais says:

    #7
    O exame é, então, uma prática fascista? Não há outra maneira de ver o assunto? O exames não pode ser, também, um método de avaliação de vários elementos do sistema? Um bocado simplista, Cátia.

Trackbacks

  1. […] aqui, sintetizar as reacções ideológicas, quase instintivas, da direita e da esquerda, face aos […]

  2. […] segundo lugar, deve obrigar a reflectir sobre a real importância dos exames, nomeadamente no que respeita à possibilidade de que o peso excessivo dos mesmos exames acabe por […]

  3. […] argumentos suficientes para se excluir a realização dos ditos exames. Não nego, no entanto, que o assunto mereça um debate, ainda que menos apaixonado e o mais informado possível, tendo sempre em conta os interesses dos […]

  4. […] Na verdade, e graças a eventuais boas intenções (que, como se sabe, enchem o Inferno), há tiques de esquerda que levam a que se tomem decisões com base em reacções ideológicas e não numa reflexão […]

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