É a medo que escrevo. A medo penso,
A medo sofro e empreendo e calo.
A medo peso os termos quando falo.
A medo me renego, me convenço.
A medo amo. A medo me pertenço.
A medo repouso no intervalo
De outros medos. A medo é que resvalo
O corpo escrutador, inquieto, tenso.
A medo durmo. A medo acordo. A medo
Invento. A medo passo, a medo fico.
A medo meço o pobre, meço o rico.
A medo guardo confissão, segredo,
Dúvida, fé. A medo. A medo tudo.
Que já me querem cego, surdo e mudo.
José Cutileiro, «Os Medos»
(Poema de 1961)
Espero que não tenhamos de voltar a sentir estes medos.
Viva o 25 de Abril!
Santa Páscoa.
As Portas que Abril abriu
«Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.
(…)
Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado
pelas ideias nazis
pelo dinheiro estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado
que até hoje já se diz
que nos tempo do passado
se chamava esse país
Portugal suicidado.
(…)
Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.
Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.
(…)
Foi esta força viril
de antes de quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril
fez Portugal renascer.
E em Lisboa capital
dos novos mestres de Aviz
o povo de Portugal
deu o poder a quem quis.»
in SANTOS, Ary dos.- As Portas que Abril Abriu. Lisboa, 1975.
Mas o medo não cala.
#3,
Pode ser que não cale e temos provas disso.
Mas dispenso estes medos e o calar.
Afinal, não é esse o espírito da Páscoa?
Aprovo a escolha dos poemas. Presumo que quem os escolhe também
os sente. É bom sinal que continue a haver quem não cale, apesar do medo. O medo nem sempre é mudo, mas sempre espicaça o engenho. Ensina a resistir e, depois, traz o arrojo faz agir. Falta decidir em que tempo estamos…