O Américo Tomás do século XXI

Luís Manuel Cunha

Costuma dizer-se que a história tem tendência a repetir-se. Primeiro como tragédia, depois como farsa. Estávamos em 1969. Em 22 de Junho de 1969. A Académica preparava-se para disputar a final da Taça de Portugal com o Benfica no Estádio Nacional, no Vale do Jamor. Estava-se em plena crise académica despoletada após a prisão de Alberto Martins, então presidente da Associação Académica e na subsequente greve aos exames. A equipa de futebol, constituída maioritariamente por estudantes universitários, respeitava escrupulosamente o luto académico decretado em Assembleia Magna da Academia. Preparavam-se grandes manifestações dentro dos estádios, de apoio aos jogadores, de informação à população e de divulgação das razões da luta estudantil. O Vale do Jamor e particularmente o Estádio Nacional iriam transformar-se no maior comício alguma vez feito contra o regime salazarista. Que fez então Américo Tomás, a quem competiria entregar ao vencedor a taça conquistada? Simplesmente não apareceu. Cobardemente. Américo Tomás, o almirante, Presidente da República de Portugal, borrou-se de medo. E, como todos os cobardes, não quis sujeitar-se aos apupos, às vaias da multidão.

Sexta-feira, 17 de Fevereiro de 2012. Integrado num “roteiro da juventude”, Cavaco Silva, Presidente da República de Portugal, prepara uma visita a uma escola de Lisboa. Ao ter conhecimento de que o esperavam meia-dúzia de adolescentes revoltados contra esta democracia e este ensino de merda, Cavaco não fez mais nada. Inopinadamente, cancelou a visita, dando como única explicação um “impedimento” de última hora. O impedimento foi que este auto-intitulado “provedor do povo” acobardou-se. Teve receio do que o esperava, uma manifestação de adolescentes. E, borrado de medo, aceitou a indicação da segurança para que o reconduzissem ao sossego tranquilo do palácio presidencial. O Presidente da República, chefe supremo das Forças Armadas, veja-se a ironia, fugiu. Pura e simplesmente fugiu. Percebem agora os meus leitores uma das razões pela qual me tenho referido várias vezes a Cavaco como “o Américo Tomás do século XXI”? Só que, e com mágoa o digo, em versão bem pior que a do falecido almirante. Perceberão também, espero, as razões porque não raramente a história se repete como farsa. É que, em 1969, os jovens estudantes tinham ideais. Viviam de sonhos. Construíam utopias. Lutavam por valores, por princípios, por objectivos. E tinham “tomates”. Ao contrário, bem ao contrário, dos governantes de então que os reprimiam brutalmente através da polícia de choque. Hoje, os governantes continuam a não ter “tomates”. A serem fortes com os fracos e cobardes com os poderosos. E a juventude académica não tem objectivos, nem valores, nem sonhos, nem… “tomates”. Alguns, acantonados nos “jotinhas” (Passos Coelho é o mais expressivo exemplo desta inutilidade política), esperam as migalhas do poder enquanto prémios da subserviência e da sabujice cobardes. Enquanto outros, muitos outros, sem perspectivas, párias no seu próprio país que os aconselha a emigrar, acobardam-se. Anulam-se. Não lutam. Não resistem. Não correm a pontapé esta gentalha que emerge das ralés partidárias. Tornaram-se numa massa informe “amodorrada e crassa” à espera da esmola que possa cair do bolso desta escumalha política dirigente.
Por tudo isto, não espanta que uma parte de Portugal ainda se reveja num presidente da República como Cavaco Silva. E damos a palavra a Miguel Sousa Tavares: “Este (Cavaco Silva) é o homem que não é ‘político profissional’ e que nada mais faz do que política há trinta anos, mas apenas a pensar em si próprio. Este é o homem que teve sempre a arte de aparecer nos momentos fáceis (…) e desaparecer nos momentos difíceis. O homem que nunca enfrenta os adversários em terreno aberto, mas só quando os sente enfraquecidos ou derrotados. O homem capaz de patrocinar, tolerar ou calar uma conspiração montada no seu palácio contra o primeiro-ministro em funções e depois vir queixar-se da deslealdade deste. O homem que protege os seus aliados, mas só enquanto eles não se lhe tornam inconvenientes. Um homem que, de facto, Sócrates não respeitava. Como Soares não respeitou, como não respeitam Passos Coelho ao Paulo Portas.”
Este é o homem, digo eu, que me fez começar a gostar de José Sócrates. Este é o homem que se revela de uma mesquinhez vingativa, sem honra nem grandeza. Este é o homem que, enredado nas revelações do que foram as suas relações com o BPN, sentiu necessidade de afirmar ser tão sério que é preciso alguém nascer duas vezes para se lhe poder comparar. Este é o homem que, muitas vezes, me faz sentir vergonha de ser português. Este é o homem que não passa de um clone do almirante de Salazar. Uma espécie de Américo Tomás do século XXI. Desgraçadamente para Portugal.

Luís Manuel Cunha in Jornal de Barcelos de 21 de Março de 2012.

Comments

  1. Maquiavel says:

    Será que vai aparecer na final da Taça??? Ou vai ficar doente na véspera?

  2. Pois, pois, que isso da taça tem uma importância!!!!!!!

  3. Maquiavel says:

    Näo é isso… é que é um acontecimento público onde o PR está presente.
    Mas como pode ser vaiado…

  4. Eu sei, caro Maquiavel, eu sei! Mas para mim é muito mais grave a preocupação que a maioria dos portugueses demonstra pela porcaria da taça (futebol = formatação) do que propriamente a aparição ou completa ausência de uma figura já de si apagada e inútil!

    Se a energia que se canaliza para o futebol fosse inteligentemente canalizada para aquilo que realmente importa, talvez as coisas não fossem tão degradantemente más como agora são…

  5. Zé Carioca says:

    Que se f.. a taça e já agora “este” também. “Este” representa o portugal dos pequeninos no seu pior, este é o sem vergonha que com a quadrilha dos seus amigos afundou os portugueses em 5 mil milhões, mas que não teve a coragem e hombridade de devolver as mais valias que ele e a família obtiveram com os ladrões dos amigos, “shame on you, Mr presidente”, e já agora, eu não preciso de nascer duas vezes para ser “mais” sério do que tu.

  6. Maquiavel says:

    Envergonhe-se mas é em quem votou nele (alguns 4 vezes), ou se absteve, aceitando este energúmeno tacitamente!

  7. Tito Lívio Santos Mota says:

    nem sei para que se gasta dinheiro em eleições se é para eleger um presidente que não se serve das suas prerrogativas constitucionais nem da legitimidade que o voto popular lhe confere.
    Para isso, mais valia voltar ao velho método da eleição pelo parlamento duma figura puramente simbólica para juntar à bandeira e ao Hino.

    Em matéria de discursos tomasescos tem um concorrente de monta na pessoa do Álvaro dos Pasteis-de-nata.

    Quanto ao tal campeonato de homens a correr atrás duma bola vestidos de cuecas boxer (modelo anos 80), assino por baixo o que diz a Isabel.
    Futebol é desporto, mas noutros países. Em Portugal é doença mental grave para muitos.
    (não para toda a gente, felizmente).
    E sobre tudo, melhor para branquear dinheiro mafioso que o sistema do Jardim madeirense.

    Quanto à Cavacolar figura (ou fístula), poderia ir e dizer como o Tomás : “é a primeira vez que aqui venho desde a última vez que cá vim”.
    Ou falar de algumas aves canoras que dessem à Cavaca.

  8. Tito Lívio Santos Mota says:

    Maquiavel :
    acrescento : quem foram aqueles intelectuais de esquerda, doutores à rasca e outros chicos espertos que votaram no submarino do PSD que depois quis ser Presidente da AR (ou nada)?
    Not me 😉

  9. maria celeste ramos says:

    coitadinho do meu país que foi assaltado e vai ser “governado” pelos xinas – já não bastava a troika

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