O Medo nos CHUC*

Por Diogo Cabrita

Falo por ti minha amiga Lina que conheces o Hospital há mais tempo que eu.

Falo por ti Manuela, que tens limpo os espaços de trabalho e tens trazido a marmita diariamente.

Falo por ti Carlos que nunca fizeste compras maiores que o teu salário e com dificuldade consegues gasolina para vir todos os dias aos Covões.

Também falo de ti Josefa que te escondes do trabalho e de ti que nunca sabes e nunca queres aprender.

Falo porque sinto o medo que transversalmente vos afoga. O medo de não saber nada do futuro e a certeza que as decisões são feitas sem vos ter em conta.

Há um receio que atinge os bons, os imprescindíveis e os maus.

O medo como um perfume que nos tolhe a todos e sobretudo a vós, a quem os doutores desconhecem o nome, a vós a quem “os grandes” nunca nomearam além de “olhe”, “chegue aqui”.

Falo do medo do futuro, da insegurança sobre o futuro, da subserviência que o medo incute, do silencio cúmplice que vem do receio.

Assim com as palavras “crise” e “troika” chegaram cortes a quem não roubou, não se endividou mais do que os bancos lhes ofereceram, a quem geriu de modo cauteloso o pouco que sempre lhe deram por salário.

Sim que a Gina trabalhava em três empregos para fazer mil euros.

E com isto educou a filha, e com isto foi pagando a casa que o banco financiou.

A Manuela trabalhava dia e noite, sem domingos, sem feriados.

Agora os empregos duplos escasseiam.

O medo invadiu os empresários, as firmas vão fechando e a falta de compradores foi tapando as escotilhas e o ar não vem.

Mas a Manuela tem dívidas que agora não tem como pagar.

De todas foi a primeira a descobrir a insolvência.

Agora tem medo da fome.

Tem medo da rua.

Tem medo do futuro dos filhos.

E que sabe ela deste Hospital imenso que se constrói num silêncio desastroso? Nada! As trabalhadoras simples estão assustadas e deste modo vemos um mundo antigo que regressa.

Vemos uma nuvem escura que nos cobre.

Falo por ti Rosário que nunca viste um contrato sólido e aguardas a cada minuto um pontapé.

Falo de ti Carlos que sorris quando te dão mais três meses ou te enfiam num jardim.

O medo é a glória desta forma de mandar.

Assim apoucam, mirram e sucumbem a revolta.

Enquanto há esperança num lugar, enquanto há um lugar obscuro onde possam cair, a Gina, a Manuela, o Carlos, o Fernando, a Paula, a Bina, optam pelo silêncio.

Preferem receber menos, trabalhar mais, mas sonhar que aquele pouco vem.

Sonho de gente honesta e simples.

Falo revoltado em seu nome.

Falo indignado em sua defesa.

Falo porque me preenche a alma este choro morrente que sussurra em cada lugar que vou, em cada espaço que percorro.

Caminhamos para a parede onde acossado o gato contra-ataca.

E não se podiam definir os caminhos? Não se podiam esclarecer os objectivos e perceber que é com gente que se faz Portugal e com menos tecnologia e com menos escolhas que desempregam e pisam? Poupem nas construções e nas manutenções, poupem nos medicamentos, poupem nos salários exorbitantes (há médicos a auferir mais de 15000 euros em função pública e em exclusividade) poupem em exames desnecessários, poupem em transportes, mas empreguem, ensinem gente simples, ofereçam-lhes tarefas e não digam que salários de 450 euros mataram Portugal ou os CHUC.

*Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

Comments

  1. Exactamente, Diogo, e agora multiplica isso pelos portageiros, pelos operários e por uma série de empresas e ofícios “inteligentes”, “eficientes”, onde dia após dia, mês após mês, a mão humana vai sendo dispensada. Infelizmente, pensar-se que, um dia, imaginámos que estas coisas se destinavam às pessoas, ao seu conforto, que alguns até, como o “excêntrico” Agostinho da Silva, acreditaram que as máquinas (e enfim o “sistema”) libertariam o homem do trabalho para que o comum dos mortais pudesse usufruir o mundo pelo simples facto de existir…
    Infelizmente, repito, parece que fomos todos capturados algures no caminho, parece que os tecnocratas e os “eficientes” nos retiraram o valor humano e atribuíram outro, sub-humano, precário, utilitário, de peça de engrenagem e pouco mais.

  2. Entreguem Portugal a gente séria; a bandidos, está visto, não resulta…

  3. São estes textos transparentes e lúcidos que nos dão a conhecer a realidade em que vivemos e nos despertam do entorpecimento para termos a certeza de que não estamos a sonhar um pesadelo… mas a vivê-lo.

  4. Sem partido. sem ideologia. sem qualquer interesse pessoal excepto o bem da minha família e amigos e vós que ledes digo por amor:
    Nao tenho medo.
    Nem os meus amigos.
    porque tememos o Deus vivo que cuida de nós e vamos em frente mesmo que nos cruxifiquem…
    Crise é para medrosos, preguiçosos, inertes… ou as massas iludidas pelos mass-media, o narcisismo, o orgulho e a ignorancia da vontade do Senhor dos Exércitos que um padre na TV no outro dia afirmou friamente: “eu não sirvo o Senhor dos Exércitos”.
    Pois não. Ele e os outros servem o deus deste século(s) que oprime e mutila a fé e a liberdade das pessoas através de morais, mentalidades e uma cultura enraizada até ao amago de cada latino – até os que se acham “especialmente” cultos ou intelectuais ou espertos e que se traduz em frustração, cegueira e avareza…
    “Se o filho vos libertar verdadeiramente sereis livres”
    Esquecer iluminismo renascentista greco-romano do sul da Europa e abraçar renascimento luterano bíblico do norte da europa. Eis a diferença! Está no âmago! Até dos que não são praticantes… vem enraizado na cultura…
    Muitos anos (séculos) de vikings barbaros e brutos a lerem biblias impressas na invençao de guttemberg contra muitos séculos de ultra-civilizados-mediterrânicos a lerem filosofos gregos e classicos romanos e seus historiadores…
    Olhem no que deu tanto orgulho de saber temperar bifes (os nordicos nao sabem)… Norte da Europa: sec XVI XVII XVIII E XIX a ler biblias incansavelmente.
    Sul da Europa no mesmo período: inquisiçao e iluminismo, navegadores e clero romano.
    A diferença está na religião. Quer digas que “tenhas” ou não.
    Tenho dito.
    Convertam-se porque já fui como vós sois. Pior ainda.
    Não é convertam-se ao Norte… longe de mim… gosto de peixe temperado como deve ser..
    Convertam-se ao Varão de Guerra Jeová Jiré El Shaddai. Antes que seja tarde e aprendei o que é:
    Amor. Paz no coração. Bondade e benignidade. Longaminidade. Paciência. Alegria. Sensatez. Sabedoria. Temperança.
    Ou seja: Felicidade.
    Aviso: para alcançar paz é necessário travar umas quantas guerras.
    O Cristo disse:
    “Cuidais que vim trazer paz? Pois vim trazer espada. E fogo.”
    Espiritualmente (psicologicamente) falando.
    Até breve.
    Respeitosamente solicito perdão pela linguagem agressiva mas o Reino de Deus não é para fracos nem moles. É para cordeiros valentes! Mansos, humildes, sábios e VALENTES.
    Deus abençoe.
    me é é é é kkkkk

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