Quem se tenha dado ao trabalho de ir lendo as historietas que por aqui se escrevem, lembrar-se-á, porventura, da Giraldina, a moça roliça que morreu de amores pelo Isabelino.
Pouco tempo depois da sua morte, a mãe apareceu no café, como foi relatado, chorando amargamente a perda da filha. Mas depois levou sumiço, nunca mais apareceu.
Apareceu ontem, com alguns quilos a menos. Meia a sorrir, meia a chorar, tinha os olhos mais papudos e sempre molhados. Falava com a Tininha da Cantareira, a quem contava que andava na módialse. A módialse é uma coisa triste, mas nem tudo é mau, pois já tinha perdido peso e estava muito melhor das barizas. Tinha as pernas mais lisinhas.
E em surdina, lá foi dizendo à Tininha que havia um bruxo, ali para os lados de Campanhã, que era capaz de a pôr a falar com a sua filhinha. Falar… falar… , não era bem falar como as pessoas falam, era um falar assim a modos que por sinais, por meio de uns trupos numa mesa, que só ele entendia e depois dizia de maneira a gente perceber. Dizem que é spritismo.
A Tininha estava de boca aberta, mas disse que já ouvira falar nesse bruxo, e mais, disse que a Fatinha lhe dissera que essas falas com o além só se podiam fazer com mortos que não foram atopsiados.
– Qual atopsa qual carapuça. A minha filhinha nunca foi atopsiada, pois o mal dela não era mal de corpo, era mal de amor, e os males que não são do corpo não podem ser atopsiados.
– Isso é verdade.
– Só há uma coisa Tininha, que me faz cá uma comichão dos diabos!. É que a Lurdinhas também já falou com a mãe, que morreu na páscoa do ano passado, mas ficou chateada porque lhe pareceu tudo uma vigarice. Diz ela que não entendeu nada daquela lenga-lenga e só gastou dinheiro. Mas houve uma coisa que a impressionou muito, foi quando o spritista lhe disse que a mãe lhe pediu umas papas de sarrabulho. (A minha mãe era louca por papas de sarrabulho, mulher!… Ele há coisas!…)
Este tipo de misticismo é propalado até por alguns canais de televisão que não se coíbem de montar espectáculos com a participação de supostos intérpretes do além. Que alguém acredite nestas patranhas já é suficientemente mau, mas que órgãos de comunicação supostamente idóneos se prestem a divulgar estas práticas fraudulentas é absolutamente condenável. Será que nunca ouviram falar nos oráculos da antiguidade? Já me têm confrontado com um argumento um tanto primário de que a ciência não explica tudo, ao que eu respondo sempre com um “dêem-lhe tempo”. Antes da explicação hoje lógica da pressão atmosférica, também era voz corrente de que “a natureza tinha horror ao vácuo”.
Perfeitamente de acordo. Espectáculos televisivos com oráculos, horóscopos, tarots e quejandos são a mais exuberante mostra da estupidez e da mais cagagesimal falta de inteligência.