Só não se privatizam a si próprios porque ninguém os quer (a propósito da privatização do Centro Infantil de Valbom)

O Centro Infantil de Valbom, propriedade da Segurança Social até hoje, vai ser privatizado. A partir de 1 de Setembro de 2012, nada restará de uma história de mais de 30 anos a não ser as paredes.
Directora, equipa pedagógica, educadoras de infância, auxiliares, restantes funcionários – vão todos embora. Para onde, não se sabe muito bem, porque a Segurança Social vai privatizar todos os infantários que ainda estão nas suas mãos.
Não se pense que o Centro Infantil de Valbom é um infantário qualquer. Não, não é um daqueles Centros Escolares que o Daniel Oliveira tanto venera. Não é um depósito de crianças. Não é um monte de betão.
Tem vida, tem alma, tem ar livre, muito ar livre. São 10 mil metros quadrados de jardins e de parque infantil para as nossas crianças brincarem. Só a caixa de areia do Centro Infantil de Valbom é maior do que o espaço livre desses Centros Escolares horrendos com que Sócrates infestou o país.
Tem hortas. 3 hortas. Uma por cada sala do pré-escolar em funcionamento. Alfaces, repolhos, couves roxas – tudo plantado, tratado e colhido pelas nossas crianças. Todas as semanas, lá iam elas regar as suas plantinhas e ver se estavam ou não a crescer. Na semana passada, comprei e comi uma das alfaces plantadas pela minha filha.
O Centro Infantil de Valbom foi totalmente remodelado em Agosto de 2011. E ainda agora, em Junho de 2012, sofreu melhorias. Claro, para em Setembro os privados não terem de gastar o dinheiro. Assim, gasta o Estado.
Depois de tantas obras, ficou com todas as condições necessárias para dar às nossas crianças um desenvolvimento harmonioso. Um crescimento saudável.
Sabem, crescer de forma saudável não é possível dentro de um aviário. Não é possível num monte de betão a simular uma cidade. Lá chegará o tempo em que, já adultas, as nossas crianças terão de trabalhar entre 4 paredes. Como crianças, merecem respirar o ar da natureza, merecem brincar na areia, merecem sujar-se na terra.
E não há maior alegria do que chegar de um dia de trabalho para ir buscar as nossas crianças e vê-las a brincar lá fora com os olhos a brilhar. A respirarem o ar da natureza. A brincarem na areia. A sujarem-se na terra.
Tudo isto vai acabar. Porque este Governo acha que o serviço social não é vocação do Estado. Porque este Governo acha que 30 anos de experiência de toda uma equipa podem ser deitados fora assim, de um momento para o outro.
Não é que o Centro Infantil de Valbom vá fechar, mas vai acabar tal qual o conhecemos hoje em dia. É que, para os privados, o lucro é a razão da sua existência.
Ali, vai ser fácil cortar a torto e a direito. Nos funcionários e em tudo o resto. Até nos cestinhos de pão de cada sala, que as educadoras vão esvaziando durante todo o dia para a boca das nossas crianças. «Queres pão, Leonor?» «Queres pão, Carolina?» «Queres pão, Rui?» «Queres pão?» «Queres pão?» «Queres?»
A partir de Setembro, a Imelda, a Angela ou a Paula, a Rosa (a minha filha chama-lhe Goja) ou a São, já não vão dar mais pão às nossas crianças. Ninguém o fará a não ser nas horas a que a lei obriga.
Quando há alguns meses Sampaio Pimentel, o actual presidente do Centro Distrital da Segurança Social do Porto, se passeou pelo infantário, fez uma grande festa às nossas crianças, abraçou-as e brincou com elas. Por trás, espetou-lhes a faca da traição. Falou muito com elas. Mas não lhes disse que lhes ia tirar todas as suas referências. Tudo aquilo a que estavam habituadas.
10 mil m2 de espaço ao ar livre? De jardim infantil? De terra? De areia? Quem precisa de tanto? Olha, os alunos desses Centros Escolares tão modernos sobrevivem com zero metros de relva, com zero metros de terra. O betão é tão bonito!
Daí a construírem mais umas salitas no lugar do antigo jardim, vai um pequeno passo. E por que não construir mais um bonito Centro Escolar? Isso é que é bom, que as crianças pobres têm tanto direito como as ricas a estar enclausuradas num edifício onde o sol não entra e onde a conta da luz, propositadamente, passou a ser exorbitante.
É este o país que temos, é este o país que me envergonho de habitar. Mas é também o país onde é possível encontrar educadoras e auxiliares – as tais Funcionárias Públicas bode expiatório de tudo em Portugal – que amam as nossas crianças da forma que as do Centro Infantil de Valbom amaram.
Educadoras e auxiliares para quem as nossas crianças não são meros clientes que dão lucro. São mais, muito mais do que isso. São as nossas crianças. São as crianças delas.
Juntos, fizemos um caminho lindo que não voltará mais. Contado, ninguém acredita. No dia 14 de Julho, dia do encerramento do ano lectivo, teremos a nossa festa de despedida. É o ponto final. Vai doer, mas vai ser bonito.
O resto? O resto será só para encher os bolsos de alguém.

Comments

  1. maria celeste ramos says:

    Quem fez o 1º projecto para escola secundária com jardim e horta escolar (e árvores de fruta) fui eu para escola secundária de Coimbra quando foi feito o estúpido aterro da foz do Mondego – de encomenda da sec estado de juventude e desportos – 1981 – bem bonito depois integrado no PDM Coimbra – como fui a 1ª a fazer espaços de paragem ajardinados e de picnicar, das gasolineiras da Shell sendo a 1ª Canal Caveira e depois Aveiras e depois já não recordo e onde até moradores dos arredores aproveitam para ir picnicar

  2. jorge fliscorno says:

    Não conhecia o Centro Escolar de Valbom e já tenho saudades de ter deixado de o conhecer.

  3. pedro says:

    Sei que é um bom lugar para as crianças .Apesar de ter lá inscrito a minha filha um ano antes ,recusaram a sua entrada.Depois ,dei-me conta que não foi por falta de vaga pois entraram filhos de colegas que se inscreveram mais tarde .Explicaram-me que lá só se entrava por cunha . E é verdade ,neste infantário só se entra com cunha .

  4. Joana says:

    Pedro, não se esconda num nomer ficticio para dizer disparates. Diga qual o seu nome quando se passou essa suposta inscrição e prove o que diz ser verdade diga quem entrou por cunha. Aliás, suspeito que nem tem filhos.

  5. Zé Carioca says:

    Então Pedro, já não estás de serviço, pá? A merda da pocilga é sempre a mesma, os porcos é que vão mudando, uns até se mudam para Paris outros para Belém, vá-se lá saber porquê.

  6. Maria Luísa Madureira says:

    Os meus dois filhos frequentaram o infantário precisamente à 10 anos, era diretora a DRª Isabel, e foram muito felizes. Antes deles, os meus sobrinhos fizeram o mesmo percurso. O avô, ajudou a construir a antiga capoeira, inaugurada com pompa e circunstancia pelo major Valentim Loureiro. Tempos Felizes… É com muita pena, mas já acostumada, que vejo mais uma vez os interesses económicos prevalecerem em detrimento da qualidade, dos valores, do que é correcto… É o país que temos!

  7. vitor monteiro says:

    ou ha de haver dinheiro para por nos ladroes dos banqueiros ou para a populaçao,e evidente que o poder economico atraves de ps,psd e cds onde veja negocio nao perdoAM E PRIVATIZAM.O CAPITALISMO VIVE DA MISERIA DA POPULAÇAO

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  1. […] o Estado paga!) 08/06/2012 Por Ricardo Santos Pinto Deixe um Comentário Já aqui o disse, o Centro Infantil de Valbom vai ser privatizado e todo o seu pessoal mandado […]

  2. […] e auxiliares especializados em 25 infantários da Segurança Social em todo o país através de um processo de privatização que deveria estar concluído até 1 de Setembro, dia de arranque do próximo ano lectivo. São eles […]

  3. […] se previa desde há vários meses, e apesar da luta encetada, o Centro Infantil de Valbom foi mesmo privatizado, a exemplo de 24 outros infantários espalhados […]

  4. […] um dia de despedidas no Centro Infantil de Valbom. Como se sabe, a instituição foi privatizada e entregue à Cruz Vermelha, que logo que pôde tratou de se livrar de tudo o que cheirava a […]

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