Acordo Ortográfico: Antônio Houaiss reconhecia o valor diacrítico das chamadas consoantes mudas

Foi no mural do Francisco Belard que descobri o vídeo republicado no fim deste texto. É possível assistir a um excerto de uma entrevista, em 1990, a Antônio Houaiss, eminente linguista brasileiro e um dos impulsionadores do acordo ortográfico.

O estudioso brasileiro começa por reconhecer que fazia sentido a oposição dos portugueses, já que as modificações ortográficas decorrentes do acordo eram em maior quantidade do que as que ocorreriam no Brasil. Houaiss, prescindindo de ser linguista, limita-se, então a ser um negociante, fazendo referência ao preço a pagar pela unidade ortográfica, que, mesmo que tivesse sido alcançada, nunca seria suficiente para criar uma quimérica uniformização da escrita, ao contrário do que afirmam os vendedores da banha da cobra acordista que propagam aos quatro ventos a ideia de que, agora, se escreve da mesma maneira em toda a lusofonia.

Houiass começa por revelar um bom conhecimento da pronúncia portuguesa, ao explicar por que razão não faria sentido impor aos portugueses o acento agudo em palavras como “ideia” ou “aldeia”, uma vez que o “e” não é “aberto”.

No final do excerto, o estudioso brasileiro comete, no entanto, um erro, ao explicar que o “a” inicial de “actividade”, em português europeu, se pronuncia “aberto”, o que não é verdade.

Curioso, no entanto, é ouvir Houaiss afirmar que a “abertura” do timbre da vogal se deveria ao facto de estar antes de “c”, o que deixa bem explícito que o linguista brasileiro reconhece a existência de consoantes com valor diacrítico, ou seja, consoantes que desempenham uma função semelhante à de um acento. O reconhecimento desse facto deveria ser suficiente para impedir a supressão dessas consoantes, como é óbvio.

É claro que nunca me passou pela cabeça que Antônio Houaiss, um dos maiores linguistas da língua portuguesa, não soubesse da existência de consoantes com valor diacrítico, mas confirma-se que o acordo foi feito por linguistas que desprezam a Linguística.

Finalmente, gostaria muito que alguns defensores do acordo, que chegam a negar a existência de consoantes cuja função é “abrir” o timbre da vogal precedente, viessem, agora, contrariar o que afirmou Houaiss.

Comments

  1. Reblogged this on Firefox contra o Acordo Ortográfico and commented:
    Republicado de Aventar

  2. maria celeste ramos says:

    Ainda se fala nesta porcaria ??? o que é que os brasileiros ganham que não tivessem já ?? e os outros países que estavam bem como estavam ?? quem anda a fazer apenas “merda” ??eminentes linguistas ?? não preciso obrigada
    Morreu Raúl Nery condecorado a 10 de Junho – em 1959 fundou com Rocha um grupo e acompanhou Teresa Noronha entre todas/os as outras grandes cantaentes de fado – 1921-2012 – há anos que não se fala de teresa noronha e o seu “pintadinho” – mas que voz ?? A minha vida viví-a só por viver, no fundo de todo o mau ser, era noite e fez-se dia, hoje sinto a claridada a dar cor e felicidade à vida que não vivi – da tua vida fiz o meu próprio destino como se um poder divino despertasse o meu viver – estão a falar nos sons do cante alentejano e do cante da tragédia grega – ++ etc – temos de facto sementes culturais primordiais, mas um desgraçado ministério da cultura e secretário de estado que felizmente, ao menos, já não se assoma ao écran das TV – que vá morrer longe – deixem-me a “arte das mãos da mulheres” que a Vasconcelos retomou e levou para Versailles – deixem-me os antes à capela das mulheres do campo e dos alentejanos – não conspurquem mais o meu aoís físico e cultural milenar – varram as ruas das cidades pois nem isso sabem fazer – porcalhões

  3. Nabais; é por demais evidente que Houaiss se enganou em três coisas;

    1º Ao contrário do que previu Houaiss, houve no Brasil quem protestasse – e muito – contra a perda do trema, apesar de ninguém o escrever. Cada um tem as celestinhas mal-amadas que merece, e os brasileiros não são exceção.

    2º Houassis estava enganado quando disse que em Portugal “aldeia” se procuncia apenas “aldâia”. Na verdade, nas pronuncias portuguesas, encontramos três pronúncias diferentes para aquela palavra. Aliás, se ele soubesse desse facto, poderia tê-lo usado para justificar quanto dispiciendo era aquele acento na ortografia antiga usada no Brasil.

    3º Houassis estava enganado quando disse que em Portugal o “c” mudo de “actividade” serve para abrir aquele ‘a’ átono. Não serve, como sabemos todos, tal como não serve para abrir outras átonas que têm uma muda que, supostamente, abre átonas (exemplos na ortografia antiga: tactear, actriz, exactidão e outras. De igual modo, existem inúmeras átonas que se pronunciam abertas em Portugal mas que não precisam de uma muda para as abrir: especular, obrigado, retórica, ilação, e muitas mais. Como sabemos, as falsas crenças tardam em morrer; uns ainda acreditam que Estaline foi um benemérito da humanidade, outros ainda acreditam que, na ortografia antiga portuguesa, as consoantes mudas abriam átonas.

    Mas a ignorância de Houassis sobre as pronúncias de Portugal justifica-se, compreende-se. O que já é mais dificil justificar é a sua incapacidade de perceber que Houassis estava equivocado. E essa limitação faz de si um belíssimo representante da generalidade dos opositores ao AO em Portugal.

    • Pedro Marques says:
      • Caro PM
        Fui ver o link que indicou.
        Em conclusão, Yevgeny Dzhugashvili está para Stalin como VGM para as mudas que supostamente abrem átonas.
        Quanto ao jornalinho, olhe, se o lobby dos maus tradutores e dos maus editores que está por trás da oposição ao AO em Portugal o descobre, vão querer traduzi-lo para “português” ganhando dinheiro com isso, claro. Pela minha parte, terão de procurar formas honestas de ganhar a vida.

        • Pedro Marques says:

          Esteja descansado que eu assim que li o texto enviei um e-mail para que pudessem tratar de estudar a cultura portuguesa e ler os texto do ILC!

      • Olha, um maoísta.

    • António Fernando Nabais says:

      1 – pelo que me apercebi, Houaiss afirmou que, em 1990, não havia muita gente a protestar contra o trema. De qualquer modo, é fraquíssimo argumento eliminar sinais só porque ninguém os usa. É um acto de desistência.
      2 – Independentemente de ser verdade que há várias pronúncias portuguesas para “aldeia”, é igualmente verdade que o acento usado na ortografia brasileira era despiciendo e não faria sentido introduzi-lo na ortografia portuguesa.
      3 – Neste ponto, o J. Silva, mais uma vez foge à argumentação. Vamos lá por alíneas:
      a) O facto de Houaiss ter escolhido um exemplo errado não anula a parte em que ele afirma que existem consoantes com valor diacrítico. Houaiss, eminente linguista, era, então, um adepto das “falsas crenças”?
      b) No Acordo de 1945, de que foi relator o professor Rebelo Gonçalves, outro eminente linguista, optou-se por manter estas mesmas consoantes “após as vogais a, e e o, nos casos em que não é invariável o seu valor fonético e ocorrem em seu favor outras razões, como a tradição ortográfica, a similaridade do português com as demais línguas românicas e a possibilidade de, num dos dois países, exercerem influência no timbre das referidas vogais.” Para se propor a alteração desta regra, era importante explicar o que mudou desde 1945, para que fizesse sentido suprimir as mesmas consoantes. A tradição ortográfica que, por exemplo, serviu para manter o ‘h’ inicial não faz sentido aqui? As ligações à lusofonia são suficientes para apagar a relação do Português com as línguas românicas? Será que as chamadas consoantes mudas já não exercem influência no timbre das vogais que as antecedem?
      c) O facto de haver vogais átonas antes de consoante muda que não se pronunciam abertas ou outras que se pronunciam abertas apesar de não precederem consoante muda só poderia ser argumento se fosse regra (ninguém disse, senhor, que as consoantes mudas abrem átonas, com o simplismo que quer insinuar). Já sei que é vão esperar de si que explane verdadeiros argumentos, mas gostaria muito de o ver contrariar o estudo de Francisco Miguel Valada publicado na revista “Diacrítica” (http://ceh.ilch.uminho.pt/publicacoes/Diacritica24-1.pdf).
      d) Esta alínea serve só para o instar, novamente, a argumentar, a demonstrar. É fácil aludir a excepções para demonstrar que não existem regras ou fazer generalizações simplistas.
      e) Aproveito para lhe relembrar que continuo à espera que me demonstre que, com esta reforma ortográfica, é possível escrever exactamente da mesma maneira em Portugal e no Brasil. Trata-se de um desafio que lhe lancei várias vezes numa outra caixa de comentários e a que não respondeu. De qualquer modo, aqui entre nós, que ninguém nos lê: eu sei por que razão não responde…

    • Na verdade, o comum Português nem sequer abre o “a” em “actividade”, como Houaiss declarou. Em “activo” é que sim.

  4. Nabais,
    1. Uma regra que está cheia de exceções não é uma regra, é uma fezada. Vale-lhe que está bem acompanhado na sua fé, como sempre estão bem acompanhados todos os crentes nas suas fés.
    2. o AO unifica a ortografia. O que sobre, aí, sim, são verdadeiras exceções. Como verá, que ainda é novo, elas terão tendência para desaparecer, posso explicar-lhe porquê noutro contexto.
    3. o meu comentário tem um erro que resulta das maravilhas do “localizar e substituir”: onde está Houassis deve estar Houaiss. É castigo póstumo por ele ter enfiado o barreta das mudas que abrem átonas, além do que o Word tem as costas largas. Noto que o seu post original vc também se enganou; escreveu Houiass (como pode ver pelo endereço do post); no seu caso não foi para castigar o homem, foi mesmo dislexia.

    • alice says:

      ó homem. Que teimosia!
      Diz-se correctamente “excepção/excepções”. É a pronúncia “culta” que os novos pseudo-linguístas que tanto admira querem substituir pela má pronúncia que impera em Lisboa. Escreva como deve de ser sff.
      (Tanta falta fazem umas reguadas nas mãos)

      • Ai, pois, Dônna Allice; a mannia que éstta gentte tem que Dômm Migguéll morreu e não é rei. Ai que desgracça, Dônna Allicce, que desggracça.

    • António Fernando Nabais says:

      Houiass afirma que há consoantes com valor diacrítico. Rebelo Gonçalves explica por que razão se devem manter as chamadas consoantes mudas. Francisco Miguel Valada demonstra o aumento de excepções provocado pela reforma ortográfica, num contexto específico. A tudo isto o senhor Silva nada diz, pondo em prática a atitude tipicamente acordista que pode ser ilustrada, de maneira popularucha, pela frase “Ler nem pensar e argumentar ‘tá quieto!”.
      O mesmo senhor Silva continua a ignorar o desafio de demonstrar que a reforma ortográfica permite escrever exactamente da mesma maneira em Portugal e no Brasil. Percebe-se porquê: não permite, é um embuste.
      Tenho de lhe dar razão: já não é a primeira vez que me acontece escrever mal o nome do ilustre linguista brasileiro. Espero, entretanto, que esta minha dislexia não me leve a escrever “dispiciendo”.
      Finalmente, agradeço-lhe a referência à minha juventude. Confirma-se que estou muito bem conservado para a minha idade.

  5. Esse argumento da “tradição ortográfica” ainda não tinha ouvido. Mas é um bocadinho incoerente. Tradição ortographica lia-se melhor.

    • António Fernando Nabais says:

      Nada como manter o bom umor.

      • Precisamente. A manutenção de consoantes mudas que não falam (se algumas falam que se mantenham), tal como a supressão de algumas que falam excepto na verbalização de espetadores marados, é o que faz desta reformita ortográfica uma coisa em forma de soube-me a pouco. Umor percebia-se perfeitamente e com o tempo o h desaparecerá das outras línguas românicas também. O povo e só o povo é dono da língua, e a lei do menor esforço imbatível. Bais ber.

  6. A propósito da “tradição ortographica”, um destes dias olhei para uma placa da Junta de Carnide onde ainda se lê “Junta de Freguezia” e lembrei-me imediatamente destas polémicas..
    Com o passar do tempo, e não obstante as mais profundas razões “técnicas”, este tema cada vez mais vai ganhando a coloração do ridículo…

    • António Fernando Nabais says:

      Já se sabe que as razões técnicas só servem para ser ignoradas. Espero que nunca passe numa ponte cujas condições técnicas não estejam devidamente verificadas pelos técnicos, essa gente colorida de ridículo.

    • Não é demais sublinhar as grandes vantagens em que se traduziu para o Brasil ou para Portugal o uso do f em vez do “ph”. Graças àquela mudança, estes dois países tornaram-se portentos intelectuais geralmente invejados pelo resto do mundo.
      Crê-se que na Alemanha, que escreve Philosophia, em França, que escreve Philosophie, bem como em todos os países anglófonos, que escrevem Philosophy, se prepara a mudança, tentando assim aqueles povos recuperarem do grave atraso que hoje têm em relação ao Brasil e a Portugal, sendo o Brasil, com os seus 75% de analfabetos – clássicos e funcionais – um exemplo vivo do que se consegue com as alterações da ortografia.
      Torna-se assim ridícula toda a argumentação da defesa da tradição ou da etimologia.
      Alguém conhece um filósofo inglês importante do séc. XX, para além de Bertand Russell e de mais algumas dezenas? Ou francês, para além de Bergson ou de Derrida e de mais algumas dezenas? Ou algum alemão para além de Heidegger ou Habermas e mais algumas dezenas?
      Já brasileiros ou portugueses, todos os contamos por centenas! E porquê essa pujança do pensamento? Não se vê outra razão senão ortografia moderna! É que as mudanças são para alguma coisa! Não se muda pelo gosto pueril e bronco da novidade!
      Só não vê as vantagens que a grafia moderna trouxe ao Brasil e Portugal – mais ao Brasil, por a ter ainda mais moderna – quem é cego ou estúpido ou esteja de má fé.

  7. lingu(ü)ista says:

    Atenção, que as consoantes mudas não têm exactamente o valor de um acento, visto que quando se coloca um acento agudo numa sílaba, esta tem de ser sempre a sílaba tónica.
    No entanto, podemos colocar consoantes mudas numa sílaba sem ela representar a sílaba tónica.

    • António Fernando Nabais says:

      Algumas consoantes mudas têm o mesmo valor que um acento, servindo para indicar o timbre e não a sílaba tónica. Se quisermos um termo de comparação, estas consoantes mudas têm um valor semelhante do acento grave banido em 1973, em palavras como pègada, em que o “e” não pertencia à sílaba tónica.

      • António Fernando Nabais says:

        *semelhante ao

      • J.Silva says:

        Nabais, não fazem nada. As mudas não têm valor diacrítico nem hoje nem há cem anos quando foi decidido poupar mudas em algumas palavras. Isso são patranhas do lobby dos maus tradutores que querem “inventar” uma língua.

        Aliás, o exemplo que deu (e tantos outros), serve precisamente para demonstrar que nas pronúncias portuguesas a abertura de átonas de faz por transmissão oral, e não porque existam diacríticos que as assinalem.

        • António Fernando Nabais says:

          Pois, os linguistas com provas dadas que demonstraram que algumas (não todas, evidentemente) consoantes mudas têm valor diacrítico faziam todos parte do “lobby” dos maus tradutores. Era bom que algum rebate de honestidade intelectual o levasse a argumentar contra esses linguistas.

        • É interessante a negação do óbivio por parte de “silva”. Partem do princípio que a realidade é contruída por eles, e por isso, o que é a verdade?
          Assim é o pensamento totalitário
          Dezenas de gramáticas, manuais, prontuários a falarem do valor diacrítico das chamadas consoantes mudas são nada, perante a megalomania da grande potência lusófona (!!!) onde se morre de fome e existem dos mais elevados índice de analfabetismo.
          Perante isso, Lindley Cintra e Celso Cunha, (um exemplo entre muitos), que afirmam o valor da chamada consoante muda para indicar a abertura das vogais átonas que as precedem (Breve Gramática do Português Contemporâneo, pg 56) estariam a soldo dos maus tradutores.

          • Eu gosto muito particularmente deste tipo de anti-acordistas militantes, por acaso a maioria entre a populaça incapaz de perceber que a língua é um ser vivo feita por seres vivíssimos, mas que raramente se assumem. O analfabeto desconhece que o Brasil tem só a 9ª economia mundial, coisa conseguida sob a presidência de um homem que para esta alimária deve ser um analfabeto.
            O colonialismo é uma praga mental que demora séculos a curar. Enquanto não forem reduzidos ao que são: uma mera consoante mais que muda que não abre vogal alguma mas apenas as portas da estupidez.

          • A gente vê logo que o inglês, com a mesma ortografia de há 300 anos, é uma língua mortíssima.
            Quanto ao resto dos absurdos, seria interessante saber em que é que a fonética tem a ver com o PIB…
            Terá a ver com 75% de analfabetos ou 32 milhões de pessoas a passarem fome – de que pouco se fala.

          • António Fernando Nabais says:

            O comentador Sc poderá responder às tuas acusações de colonialismo, aceitando-as ou rejeitando-as. Limito-me a discordar da ligação entre o facto de a língua ser um ser vivo e a realização de uma reforma ortográfica. São questões diferentes. Apercebemo-nos de que a língua é um ser vivo quando há palavras que se impõem pelo uso (exemplo: será, provavelmente, muito difícil convencer as pessoas a dizerem “pudico” em vez de “púdico”, mesmo sabendo que a segunda não existe no dicionário). A ortografia, pelo contrário não pode ser decidida da mesma maneira: a fala é acontecimento e a ortografia é História. A ortografia deve, efectivamente, estar entregue a especialistas e não pode ser decidida pelo povo, como se estivesse sujeita a um plebiscito quotidiano. Imagine-se o que seria se todos decidíssemos alterar regras e sinais de trânsito todos os dias, conforme nos desse mais jeito. Mais: há relações entre a ortografia e a fonética e, para saber isso, convém ler os especialistas. O próprio Antônio Houaiss, impulsionador do acordo ortográfico, defende que há consoantes mudas com valor diacrítico. E estava e está acompanhado por muita gente.

          • A ortografia era decidia por especialistas, no tempo em que a escrita era pertença das elites. Felizmente a galáxia do tipógrafo acabou.
            E assim púdico se escreve pudico, e se diz como o inventor da língua, uma coisa chamada ser humano, muito bem entende, seguindo as suas sacrossantas regras, em primeiro lugar a do menor esforço, e outras que nos poupam a ainda falarmos latim.

          • António Fernando Nabais says:

            A galáxia do tipógrafo estará a chegar ao fim, mas a galáxia da comunicação ainda poderá sobreviver muito tempo, também através da escrita e num mundo em que há cada vez mais gente a escrever (resta saber se isso torna a definição de regras mais ou menos necessária).
            O que tu defendes, na prática, e com todo o direito que te assiste, é a anarquia ortográfica e isso é contrário a qualquer acordo e contrário ao próprio conceito de ortografia. Essa tua ideia, aliás, torna desnecessário qualquer acordo e torna correcta qualquer grafia. A lei do menor esforço, reconhecida pelos linguistas, refere-se à pronúncia e não à escrita (é devido a essa lei que dizemos “faxavor”, “’tou” ou “pra”).
            De resto, sou tão defensor de um sistema ortográfico coerente e lógico como do direito a desrespeitar esse mesmo sistema, em determinados contextos. Falar latim não teria mal nenhum, se não tivessem ocorrido uma série de fenómenos que conduziram ao aparecimento de novas línguas (ou de uma série de “latins”, se não quisermos esquecer a História).
            Mais uma provocação: se a ortografia, pelos vistos, deixou de fazer sentido, por que razão não podemos dizer o mesmo da etiqueta? Não és tu um fundamentalista contra o uso das maiúsculas na net? E se me apetecer passar a escrever em maiúsculas? Hmmm, afinal, parece que acreditas em regras.

  8. Fernando Nabais: pensava que o apodo de colonialista já tinha sido retirado, quando se tornou evidente que ninguém pretende impor nada ao Brasil, senão o respeito pela diversidade cultural. Creio que o insulto que lhe sucedeu era “xenófobo”, mas em 1823 já os brasileiros queriam mudar o nome da língua de português para brasileiro… e a coisa foi retirada.
    A língua é, claro está, criada pelo povo e pelos génios. Eça, que não mudou a grafia de uma única palavra mudou a língua portuguesa para sempre. Pelo povo, pelos grandes escritores e não por burocratas e políticos e muito menos por nacionalistas serôdios.
    Interessante como as falácias lançadas na campanha publicitária pró-acordo ignoram dados da realidade, parecendo apostar na ignorância. A questão é simples: quanto mais elevado o nível cultural, menos a ortografia muda. Foucault escreve no mesmíssimo francês de Diderot e em todo o mundo Shakespeare é lido na ortografia original. A evolução da ortografia consiste na estabilização.

    • António Fernando Nabais says:

      Caríssimo, não tenho responsabilidade nenhuma no dito apodo de colonialista e concordo inteiramente consigo. A vida da língua é feita da inevitável anarquia da sua utilização quotidiana, em que novas palavras e expressões nascem, vivem e, por vezes, morrem. A vida da língua é feita também de regras ortográficas estáveis e criadas por especialistas.

      • Creio que as regras não são criadas pelos especialistas, mas meramente descobertas por eles. A grafia das palavras é produto da história, de milhares de utentes ao longo de séculos, é, em si mesma, testemunha de várias culturas que se sucederam. Um “acordo” que passe os limites do do castelhano é um crime contra a diversidade e a identidade culturais: 9 palavras… e é facultativo, em nome do respeito democrático. O que tentam aqui é staliniano. O polaco foi proíbido pela Rússia czarista e o bretão quase destruído pelo centralismo jacobino francês, num plano de genocído físico e cultural que apenas há 10 anos começou a ser considerado.
        Quanto ao “colonialista”, já percebemos, depois da declaração de Passos Coelho que o acordo está ao serviço do 5º império e da dilatação da fé – desta vez do Corcovado…

      • Sim, mentalidade colonial, claramente afirmada na acusação feita ao Brasil de ter milhões de analfabetos e de esfomeados, coisa que em nada foi chamada à conversa. E ignorância de História da Ortografia, Eça não mudou nenhuma grafia? claro que não, a primeira norma é de 1911, mas já Camilo escrevia de forma diferente de Eça, no mesmo século. A ideia de que as normas devem seguir os grandes escritores é respeitável, mas discutível.
        Foi assim, deixou de ser. Porque se vamos por esse caminho, façam lá toda uma nova gramática a partir por exemplo de Saramago. E deixou de ser porque a linguagem escrita deixou de pertencer a uma minoria, logo vai-lhe suceder o mesmo que à oral: evoluir.
        Eu não tenho nada contra as normas, sei é que elas não podem ser fixas e terão de se adequar à evolução da escrita.
        Fernando, o que tu insistes em não querer ver é muito simples: a ortografia sempre teve como primeiro mandante o seu suporte. E o suporte mudou. Teclar não é um estilete, nem uma pena, nem sequer uma esferográfica.
        Claro que nascem novas regras (a das maiúsculas foi criada pela comunidade mundial por uma razão mais que óbvia, a leitura aqui é diferente). Regras novas precisam-se para a nova linguagem escrita, portuguesa e não só (é caricato pregar a imutabilidade da grafia inglesa, língua onde os números já são ditongos) assunto que muito me interessa.
        O alfabeto é agora todo um teclado (101 caracteres se não me falha a memória), o bold e o itálico já não pertencem só aos impressores, tanta coisa que precisa de ser fixada em novas regras. Ao pé disso discutir a grafia de 1 vírgula qualquer coisa por cento das palavras é pura perda de tempo.

        • António Fernando Nabais says:

          O modo como se comunica é, evidentemente, alterado pelo suporte, mas continuas a misturar regras de comunicação com regras ortográficas. Num tempo em que até se inventaram correctores ortográficos e é possível, nos processadores de texto, criar automatismos para nem sequer dactilografar as letras todas das palavras mais usadas, torna-se ainda mais fácil escrever de modo ortograficamente correcto. Nada disso tem que ver com itálicos e bolds.
          O Saramago não criou uma nova gramática ou uma nova ortografia (e poderia tê-lo feito, como o fez o James Joyce). Limitou-se a criar um sistema de pontuação pessoal e perfeitamente lógico. Muito antes dele, o Dinis Machado escreveu um livro inteiro sem pontuação.
          A velha questão da reduzida percentagem de palavras alteradas é uma falácia habitual que ignora se essas palavras são muito ou pouco utilizadas, para além de outras consequências que muitos preferem ignorar. Se me disserem que tenho de cortar o dedo pequenino do pé direito porque a gangrena pode alastrar, eu percebo e que se lixe o dedo. Se não me explicarem por que razão aquele dedo tem de ser cortado, só mo cortam se me prenderem.
          De resto, companheiro historiador, sabes bem que não deixo de visitar o Mattoso quando quero escrever sobre a Idade Média. Quando quero escrever sobre língua, não prescindo do Lindley Cintra, do Houaiss e de muitos outros que pensaram demasiado sobre estes assuntos para que possa escrever sem os ler.

        • Sobre colonialismo: o Brasil firmou um tratado internacional com o meu país. Na minha esfera de cidadania cabe o direito e o dever de me informar sobre todos os aspectos relevante dos parceiros de um acordo com relevância no meu dia-a-dia e na minha vida privada. E o «acordo» consiste, grosso modo, na adopção de soluções ortográficas brasileiras dos anos 30 do séc. passado e denominadas da “ortografia nacional brasileira” e apadrinhadas por um governo proto-fascista há 85 anos. Diziam que estava adaptada à fonética brasieira…. que não é a portuguesa, o que desde logo nos deveria inquietar.
          Sobre nacionalismo brasileiro e ortografia vd. http://www.filologia.org.br/revista/artigo/5%2815%2958-67.html
          A adopção dessa ortografia, hoje velha de muita décadas e tributária de modismos franceses ( v.g. o uso de minúscula nos meses) não colocou o Brasil no mesmo patamar de alfabetização de países próximos e muito menos rícos (Bolívia, Uruguai, etc).
          Em Portugal seria sempre um retrocesso, não um avanço, em relação à ortografia que valeu a Saramago reconhecimento mundial. Escusado será dizer que Saramago respeitava as regras gramaticais… A inovação não é a adolescente violação de regras…
          Camilo e Eça escreviam com as mesmissima regras ortográficas e a língua foi mudanto até 1911 sem qualquer medida legislativa… Interessante notar que todas as modificações tiveram origem governos ditatoriais.
          Talvez ler uma historia da ortografia.portuguesa seja útil.
          Sobre o mais que diz, faz-me lembrar os que afirmavam que o avião iria substiuir o comboio. As novas tecnologias tornaram o uso da escrita muito mais comum e necessária – nos adolescentes, por exemplo – do que há anos atrás. Mas esses adolescentes não confundem o uso da estenografia que inventaram para os SMS com o uso da língua noutras ocasiões.
          Sobre minorias: há mais de um século que a língua é pertença de todos, nos USA ou mesmo na Grã-Bretanha ou em França. Isso não ocasionou em nenhum pais qualquer mudança ortográfica e em França e nos USA há concursos de ortografia com grande concorrência de dezenas de milhares de adolescentes. Nós não temos, como não temos nada que se compare ao Festival Shakespeare que reúne milhares de adolescentes todos os anos no Zimbabué. As modificações grandes na língua dão-se a nível de léxico e sintaxe: não escremos nem falamos agora como há 20 anos. Quanto à ortografia, quanto mais fácil, por mais geral e faciltado pela escolarização, o acesso à norma, menos erros há: a grande modificação na ortografia consiste na sua estabilização.
          A existência de regras escritas e fixas, seja na ortografia seja no direito é apenas possível por um esforço de sistematização que apenas pode ocorrre em sociedades evoluídas: é um avanço civilizacional. Fazemos hoje uso diário de regras de direito romano com 2000 anos.
          A percentagem de 1%: calculada sobre que léxico? Media por quem e com que método?
          Os números divergem. E o que interessa mais do que isso é a frequência da utilização.

          • Eça e Camilo escreviam de acordo com as mesmas regras? então diga lá quais as regras, estabelecidas por quem e publicadas onde, para percebermos quais dos dois não as respeitava.
            Quanto a essa de a República ser uma ditadura, é certo que para osparâmetros de hoje apenas se livrou de uma família de inúteis, mas se vamos por aí, é claro que “todas as modificações tiveram origem em governos ditatoriais”, até 74 não tivemos outros.
            Comece pois por ler uma História, pode ser que depois consiga chegar aos mínimos da História da língua portuguesa em qualquer das suas vertentes. E google nova linguagem escrita, em qualquer idioma, pode ser que perceba a diferença entre ela e a estenografia.

  9. As regras ortográficas não precisam se ser publicadas em jornais oficiais. Basta ir ao google para ter uma noção dos manuais usados ao longo do séc. XIX, dicionários, etc. Também encontra informação sobre a formação dos professores de primeiras letras.
    Acho, aliás, estranho a admiração sobre Camilo e Eça, que publicavam na mesma altura e até no mesmo editor. Não percebo em nome do quê escreveriam de modo diferente.
    Como se pode observar, o tempo da ortografia é longo e o inglês ou o francês não registam mudanças há perto de 300 anos.
    Quanto a ditadura, parece ignorar que o regime que existia em Portugal desde 1826 era uma monarquia parlamentar. Fontes Pereira de Melo ou Rodrigo da Fonseca não eram ditadores, mas primeiros-ministros segundo as regras constitucionais vigentes, que eram idênticas às das outras monarquias constitucionais europeias.
    A república, interrompendo um regime parlamentar constitui-se em ditadura, de que apenas saiu após eleições. Porém, o governo que nomeou a comissão que mutilou o português não estava legitimado por qualquer voto popular e a decisão é, por isso, ditatorial.
    Houve, já na altura quem deu a tal vandalismo o nome de crime, dizendo que além do impatriotismo, foi o acto imoral e impolítico. Chamava-se Fernando Pessoa.

    • Então procure no google os tais “manuais”, dicionários, etc. E depois vá ao google books consultá-los, ou experimente as primeiras edições de Eça e Camilo, disponíveis gratuitamente na Amazon de for caso disso. Depois conversamos.
      É que não há mesmo pachorra para quem faz afirmações sem saber os mínimos, nem se esforça por aprendê-los

  10. Eles estão lá – no google – e eram e chamavam-se mesmo manuais.
    Nem percebo a admiração, o Bluteau é de 1712, o Moraes de 1789, decénios antes de os dois escritores aprenderem as primeiras letras!
    Camilo acusava Eça de ter um léxico pobre, mas não de dar erros ortográficos! Parece-me que os trata como não sendo contemporâneos, quando ambos colaboravam nos mesmos jornais e publicaram ao mesmo tempo, pelo menos de 1870 a 1890 partilhando, por vezes, o mesmo editor…
    Crê que os revisores do Chardron usavam ortografias diferentes?
    Não venha com argumentos “ad igorantiam”, que até esse fraquíssimo recurso exige algumas condições que, parece-me, não estão reunidas.

    • Pois são. Muito mais antigos. Agora experimente o Moraes e veja até que ponto era respeitado pelos citados autores, que por acaso publicaram grande parte da sua obra em folhetins, os livros vieram depois. Há coisas piores do que um casmurro? há. Quem se queixava ontem do francesismo dos brasileiros e hoje descobre o francófono Bluteau.

Trackbacks

  1. […] Esta caixa de comentários inspirou-me o pequeno divertimento que se segue. O visado perdoar-me-á. Ou não. […]

  2. […] se  isso não bastasse, os mesmos defensores ainda foram contrariados por Antônio Houaiss e, mais recentemente, por Lúcia Vaz Pedro, apresentada como formadora do acordo ortográfico. […]

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