Carta do Canadá – Universidade e política

Assim como o ensino primário é o sólido alicerce do conhecimento daquele que o busca, a Universidade é a cúpula desse mesmo conhecimento. O primeiro garante bom terreno para o secundário e este, se não tiver qualidade, pode liquidar as esperanças do candidato ao saber de nivel superior. O ensino no seu todo, creio, é uma longa cadeia de indissociáveis elos, firmemente mantida por professores que, salvo lamentáveis excepções, dão grande parte da sua vida à tarefa de formar jovens. É tarefa tão nobre,e tão exigente, que nos parece evidente o  direito que têm ao respeito, ao apoio, às boas condições de trabalho.Infelizmente, quem (des)governa por conta de partidos que só vêem o palmo diante do nariz, fala em conhecimento para ficar bem no retrato eleiçoeiro mas reduz tudo a contas de mercearia. Vivemos a hora do cifrão, da ganância, da mediocridade – basta ler atentamente os curricula académicos e profissionais da generalidade dos políticos. Logo se percebe que,de facto, a ignorância é atrevida.

A Universidade não pode apenas preparar técnicos nos vários ramos da ciência, da tecnologia, das artes. Tem, como disse John Stuart Mill, “a finalidade de formar seres humanos capazes e cultos”. Isto é, seres que, pelo saber, o carácter e o civismo, contribuirão para que o mundo seja melhor, formados por mestres superiores e impolutos. Como o Reitor da Universidade de Lisboa, Doutor António Sampaio da Nóvoa, mostrou ser, perante o país e a diáspora, no seu memorável discurso nas cerimónias do Dia de Portugal. Um discurso que a generalidade da comunicação social ignorou ou truncou porque, também ela,  vive tempos de mediocridade e baixaria.
Há países em que os professores universitários não fazem política partidária. O Canadá é um desses países. Aqui, os professores universitários respeitam a instituição a que pertencem e cumprem a missão de preparar os que hão-de liderar o país. É coisa rara e estranha um mestre universitário armar em paraquedista, trocando os alunos por uma licença sem vencimento para se meter  na galopinagem politiqueira, saloiamente convencido que a universidade que o recebeu vai ficar deslumbrada com a façanha e o vai receber de volta com a coroa de louros depois de o coiso dar com os burros na água. Santa cegueira dá a vaidade.
Em Portugal não é assim. É comum professores universitários acumularem com cargos políticos,  incluindo o investimento nas suas ambições futuras através de intensivas aparições mediáticas. É mesmo prática corrente duns  sujeitos com bojo de autocarro, com dezenas de lugares sentados em empresas várias, para quem o “gancho” universitário representa apenas, e só, mais uns milhares de  euros anuais. Esta é a solidariedade que dão como exemplo a centenas de universitários deseempregados. E depois ficam surpreendidos com  a revolta crescente dos “indignados”. Vamos ver com que cara ficarão quando a bomba da indignação lhes rebentar aos pés, desprezada que foi  a sugestão de dois advogados de sanzala aos académicos desempregados: emigrem, disseram eles (Advogados de sanzala se chamava noutro tempo aos “calcinhas” de Luanda, calmeirões de calção branco e brihantina, uns chicos espertos de musseque, cheios de lábia e presunção, que viviam de se fazerem sábios perante povos carentes. O vento os levou…).
Um dia,quando a serenidade voltar e com ela a justiça, há-de ser lembrado o exemplo do  Professor Fernando Pacheco de Amorim.  Mestre na Universidade de Coimbra, opositor de Salazar que entrou na revolta da Mealhada, monárquico progressista, demitu-se da universidade em 1974 por ter resolvido aceitar liderar um partido político.  Partido esse que, como vários outros, foi vandalizado, perseguido e esmagado pelos comunistas, esses grandes democratas do estalinismo vesgo e sanguinário. Fernando Pacheco de Amorim esteve exilado, passou “coisas que é bom ter pudor / de contar seja a quem for”, como dizia o (também silenciado) José Régio.  Morreu pobre,  mas de alma limpa e mãos livres. Um luminoso exemplo do que deve ser um mestre universitário.

Comments

  1. há muito que não lia um artigo do Aventar que tanta satisfação me desse!

  2. maria says:

    Excelente artigo. Parabéns!

  3. maria celeste ramos says:

    A ignorância é uma infelicidade – sem precisar de “universidades” – as universidades privadas que conheci são máquinas de fazer dinheiro e desfazer mentes – é a ignorância ao mais alto nível instituciolalizada – felizmente há os “bons” que nem sabem ler nem escrever e nem precisam – saber ler e escrever pode ser o primeiro passo para o homem mais consciente e colectivamente activo e que faz andar a sociedade para a luz ou pode ser opostamente o que espalha “escuridão” – escolaridade é uma ferramenta do melhor e do pior e que não muda a consciência de quem nasceu “mal”

  4. Fernanda Leitao says:

    JOSÉ PESSOA DE AMORIM E MARIA
    Bem hajam!

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