Em defesa da liberdade de expressão – Protesto contra os poderes soberanos

Sempre que ouço falar no crime de difamação, sou invadido por uma alergia mental. A repressão penal das palavras é algo que não consigo conceber num Estado Democrático, sendo este facto, no nosso país, , agravado por uma magistratura que, a espaços, demonstra não conseguir compatibilizar de forma adequada o direito à honra com o minimo de liberdade de expressão que se exige a uma democracia.

É evidente que o direito à honra merece protecção. Não é disso que se discorda. A discordância surge apenas e só quando alguém tem que responder criminalmente por palavras que proferiu.

Em abstracto, até poderia concordar com a criminalização de palavras mal intencionadas e mentirosas que visam apenas denegrir os visados. No entanto, coloca-se o problema da caixa de Pandora: a partir do momento em que essas palavras são puníveis com condenação criminal, abre-se a porta a interpretações desadequadas de mentes não muito democráticas que querem calar outras (palavras).

Dito isto, faço já uma declaração de interesses: não subscrevo a forma com que o Dr. António Marinho e Pinto tem execrcido os seus mandatos, e muito menos aplaudo as palavras que ele proferiu, muito embora concorde com a posição de base da qual ele parte: no caso do video do You Tube que mostra duas jovens a agredir violentamente outra nas traseiras do Colombo, é profundamente desadequada a pena de prisão preventiva aplicada às jovens se, e é um grande se, a sua aplicação não foi fundamentada em fundado receio de que as arguidas iriam continuar a agredir a vitima ou outros alvos, se libertadas (penso que o Dr. Marinho e Pinto deveria ter salvaguardado esta excepção).

Sem dúvida que a forma como o Bastonário transmitiu e fundamentou a sua opinião não merece o meu aplauso:

Estou estupefacto. É terrível. Isto é um sistema judicial da Idade Média. […] Medieval, de poder ilimitado, de poder pelo poder, que não respeita as pessoas”

“Veja-se o que ocorreu hoje ao decretarem a prisão preventiva a uma jovem de 16 anos por uma situação daquelas. É terrível quando temos aí assassinatos, assaltos a ourivesarias, a caixas multibanco. Podemos com isto ter ideia dos nossos tribunais e da nossa justiça.”

Felizmente, o nossos sistema judicial, com todos os defeitos, está a anos-luz de qualquer sistema existente na Idade Média, e a existência de garantias ao nível do recurso limita bastante o poder atribuído aos magistrados da primeira instância, incluindo o que proferiu esta decisão que o Bastonário criticou.

Mas existem alguns magistrados que acham que este exagero deselegante do Bastonário é crime. Por causa deles, o Bastonário foi pronunciado para julgamento, a efectuar no mesmo local que demonstra ressentimento pelas suas palavras. No entanto, por mais injustas que as palavras do Bastonário possam ser, ameaçá-lo com condenação criminal é uma reacção despropositada numa democracia.

Todos temos direito a ser injustos. Todos temos direito a criticar todos. Todos temos direito a dizer disparates. Saindo do escopo dos factos inventados para prejudicar alguém ou do incentivo a condutas anti-sociais, para entrar nos juizos ou opiniões subjectivamente considerados disparatados (e quantas palavras geniais já foram consideradas disparates na época em que foram ditas, e ditaram a perseguição dos autores) ou nas meras deselegâncias, a criminalização do verbo começa a funcionar como uma mordaça. O Bastonário deve ter o direito a dizer o que disse sem recear prisão ou multa, ou a gastar tempo e dinheiro na sua defesa contra essas ameaças. Tal como eu e os referidos magistrados temos direito a discordar dele e a sobre ele formular os nossos juizos, em função dessa discordância.

No actual estado de coisas, mostra-se prevertido o fundamento que ditou a criação de um crime como o de difamação numa sociedade democrática. Muitos não respeitam a dimensão minimalista que a a criminalização deve ter. A começar pelos próprios queixosos, sendo ainda mais alarmante quando estes se confundem com os julgadores desse crime e evidenciam igualmente essa incompreensão, o que já valeu inclusivamente a Portugal condenações no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Esta preversão leva-me a defender isto: é preferível que a defesa da honra possa ser feita apenas por via civil (concessão de indemnização caso existam danos, publicações de sentenças em jornais, etc) do que manter uma criminalização que visa apenas tutelar os casos mais graves mas que, pela preversão efectuada por quem aplica o Direito, há muito transbordou esse âmbito.

Quanto às palavras do Basonário, o magistrado que apresentou a queixa, à falta de bom-senso de quem proferiu despacho de pronúncia. deveria tomar ele próprio a iniciativa de demonstrar o equivoco do Dr. Marinho Pinto, desistindo de uma perseguição criminal que, por ser tão infundada, apenas tem por efeito afastar o Bastonário do disparate em direcção à critica certeira.

Comments

  1. MAGRIÇO says:

    Embora me pareça por vezes um pouco excessivo e nem sempre esteja de acordo com as suas convicções (por exemplo, acho despropositada a sua tendência para defender os direitos dos criminosos) considero Marinho e Pinto um caso raro de inconformismo social, sobretudo se comparado com Bastonários de outras ordens profissionais que abusam do corporativismo situacionista, senão mesmo, nalguns casos, de conservadorismo bacoco, reaccionário e elitista. Mas entre Marinho e Pinto e a maioria dos magistrados escolho Marinho e Pinto. Até porque, ao contrário daqueles, foi eleito democraticamente e está sujeito a críticas enquanto os Magistrados, que são nomeados, consideram-se acima de qualquer crítica e por mais incompetentes e negligentes que se mostrem na aplicação da lei gozam de uma impunidade absolutamente inadmissível. Julgo mesmo que a instituição que mais contribui para o descrédito internacional do nosso país é a Magistratura.

  2. maria celeste ramos says:

    Magriço – pois é

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