A ponte

(Adão Cruz) 

   O Homem é um ser uno e indivisível, muito complexo. Ele é, no entanto, composto por uma infinidade de sub – unidades, todas elas intimamente ligadas entre si. A mais importante de todas, se assim podemos dizer, a unidade soberana, é o cérebro. Este órgão, bem guardado numa caixa óssea, feita da substância mais dura do corpo humano, é constituído por cerca de cem biliões de neurónios em permanente actividade, através dos quais se processam em cada momento, provavelmente, triliões de neuro – transmissões. O nosso esquema cerebral é idêntico em todos nós mas o conteúdo de cada cérebro é totalmente diferente.

A Humanidade não é um mero conjunto de homens e mulheres. A Humanidade é uma profunda e intrincada rede de relações, de relações humanas muito complexas. O cérebro de cada um de nós, apesar de encerrado num compartimento estanque, não se encontra isolado. Relaciona-se, permanentemente e mais ou menos intimamente, com todos os outros, e todos os outros se relacionam com ele de forma mais ou menos profunda, através dos múltiplos canais de comunicação que vão desde a linguagem falada, escrita ou gestual, à mímica, à postura, às atitudes, aos comportamentos – não falando já de outras formas de comunicação menos conhecidas que estão na base da investigação de hipotéticas concepções, como a existência de campos ou configurações electromagnéticas extra – cerebrais. Todo o homem se relaciona mais ou menos activamente com os inúmeros fenómenos que o rodeiam e com tudo o que vê e não vê, com tudo o que entende e não entende. O diálogo do Homem com o homem e do Homem com o mundo no seio da natureza e da Humanidade é permanente, profundo e inevitável. Assim vai ele construindo, dia após dia, o seu emaranhado mundo relacional, o seu autêntico microcosmos regido por todas as inimagináveis forças da sua microgaláxia.

Deixo um pouco de lado este homem – relação e vou imaginar que um qualquer de nós, encontrando-se num qualquer ponto do macrocosmos, no seio do Universo, a milhões de anos-luz de distância, resolve vir por aí abaixo (ou por aí acima!) dar um passeio. Vai-se aproximando, aproximando, passa por triliões de estrelas e por outros tantos triliões de outros corpos celestes, e ao fim de biliões de quilómetros encontra uma pequenina bola de berlinde a que chamam Terra. Pára um pouco para pensar e chega à conclusão de que a Terra, afinal, é um pequeníssimo e quase desprezível grão de areia no meio do Universo, sem qualquer valor ou significado. Continua a viagem, aproxima-se, aproxima-se um pouco mais, e repara que sobre essa bolinha chamada Terra se mexe uma multidão de pequenos bichinhos chamados homens. Pára novamente para pensar e definitivamente se convence de que o Homem, afinal, não é, rigorosamente, o centro de nada. Vai-se aproximando, aproximando ainda mais até penetrar dentro do próprio Homem, onde depara com o tal microcosmos que deixei atrás, na minha descrição. Conclui, então, pelo que lhe parece, que o Homem vive entre duas poderosas forças. Uma força antropocêntrica, que o atrai e o arrasta para a sua natureza, para a sua condição humana e para a sua esfera relacional, da qual não pode, de forma alguma, libertar-se, e uma outra força de sentido oposto e centrífugo dentro da permanente expansão do Universo, que tende a projectá-lo em cada momento na dimensão universal a que pertence. Nesta zona de divergência, nesta interface, na fronteira entre estas duas poderosas forças, reside, a meu ver, a verdadeira vida, a vida que procura fugir e transitar da sua natureza palpavelmente biológica, para um estádio que, sem deixar de ser material e biológico, cada vez mais se integra na natureza cósmica da sua origem – destino. Nesta zona de divergência, nesta poderosa interface reside, em minha opinião, a mente, a verdadeira ponte entre as duas naturezas, que o são apenas na aparência. E quem diz a mente diz o desenvolvimento mental, quem diz o desenvolvimento mental diz o desenvolvimento cultural, e quem diz o desenvolvimento cultural diz o desenvolvimento da expressão artística, talvez o maior vector humano nesta força de projecção universal. Toda a natureza humana muda e altera em cada momento as relações do seu microcosmos, podendo fazê-lo de forma negativa ou positiva, isto é, cortando ou abrindo as asas da mente. Só as alterações e mudanças que levam ao saldo positivo da mente permitem o salto positivo da mente, a travessia desta ponte, para além da qual se dá a verdadeira evolução do Homem, a que conduz ao equilíbrio da sua concomitante expansão como ser do Mundo e do Universo e à preservação da harmonia cósmica da nossa existência

Comments

  1. Ama a Deus says:

    Caro Adão Cruz

    Acredite que simpatizei com a sua prosa e depois de googlar o seu trabalho, ainda o fiquei a apreciar mais.

    Mas confesse lá. O amigo fuma umas coisas às escondidas !!!

  2. maria celeste ramos says:

    O homem é de facto um microcosmos embora ache também que há “muitos” que dentro do escalpelo têm um grande “vazio” E ainda outros terão massa encefálica altamente deteriorada onde existem os mesmos neurónios que entretanto fundiram e não se contentam com tais curtos circuitos sem os “transmitir” à sociedade, contaminando-a e deteriorando-a a prazo

  3. Caro Adão, fantástico texto! Sempre me pareceu que a sua dimensão cósmica não cabia num mero espaço limitado; agora tenho a certeza que também abraça o infinito!

  4. Augusta Clara Matos says:

    Ama a Deus mas não bate bem da bola, de certeza!
    Não sei como o Adão ainda tem paciência para colocar aqui os seus trabalhos, não pelo blogue mas por certos comentadores que tenho visto aqui desrespeitá-lo. Coitados, ainda não perceberam que nem lhe chegam aos calcanhares.

  5. Carla Romualdo says:

    eu não estou aqui para defender ninguém, mas acho que aquele comentário lá de cima não pretendia ser ofensivo. talvez seja despropositado, mas acho que pretende dizer que este nosso Adão vê coisas que escapam ao olhar comum e ainda há quem pense que para isso é preciso fumar umas coisas. Já dizia o Manuel António Pina que se os ganzados lessem um livro de astronomia sentiriam uma pedrada muito mais forte

  6. Reblogged this on Beto Bertagna a 24 quadros.

  7. norma7 says:

    Uma grande mente contendo tudo e todos. Uma “Rede de Indra”, onde – ciente ou não – troca-se informações e interferências o tempo todo, em busca da manutenção do equilíbrio. Gostei. Obrigada por compartilhar.
    _/\_ (gasshô) Norma

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