A minha vida sexual com José Hermano Saraiva (com vídeo)

Na primeira vez que fui aos Dias Medievais de Castro MarimJosé Hermano Saraiva constava do programa. Ainda lhe escutei parte de uma oração na capelinha do castelo, irritei-me e saí. Como qualquer ex-aluno da FLUC, com formação em História ou Literatura, via pela primeira vez ao vivo aquela fantástica capacidade de transmitir, e aquela total ignorância no saber.

Ignorância que hoje se designa revisionismo histórico, coisa que ingenuamente e ignorando a existência de um tal Rui Ramos me parecia na altura definitivamente arrumada a um canto.

Ora na manhã seguinte, descíamos a encosta para a manhã no século presente, com chuveiro, pequeno-almoço e tudo, ia respondendo a alguém que não considerava um jurista de seu nome José Hermano Saraiva com habilitações para historiador, quando choco com o destinatário a meio metro (quem conhece o cotovelo que defende o castelo percebe). Acontece. Olhámos um para o outro, e cada um seguiu o seu caminho, tendo ficado claro que o convidado a orador não estava habituado a ouvir de voz viva uma evidência repetida em qualquer corredor de universidade a sério. O problema da historiografia portuguesa é esse.

Tempos depois, já a trabalhar, em destacamento, na Companhia de Teatro Vivarte que nesse episódio me convidara para uns dias de férias, apareceu-nos a Videofono, empresa que produziu tudo o que José Hermano Saraiva feza em vídeo. Queriam, pro bono, filmar coisas, incluindo curtas encenações para o que veio a ser a História Essencial de Portugal. Tive uma boa discussão com o Mário da Costa, e entre director e produtor da Companhia pesámos e aceitámos. Por um lado, do ponto de vista científico, nas versões concisas José Hermano Saraiva tinha pouco tempo para inventar (já conhecia o seu método de trabalho na televisão por via de uma experiência da minha irmã: pesquisa feita por técnicos autárquicos, selecção tola do próprio privilegiando o irrelevante e transformando um bom TPC dos outros numa ênfase à lenda, mesmo que completamente desmentida pelas fotocópias de trabalhos científicos). Por outro lado, numa altura em que a recriação histórica nascia em Portugal e combatíamos sozinhos contra empresários estrangeiros muito piores cientificamente do que José Hermano Saraiva , dava-nos algum jeito.

Não desgostei da experiência, nem tenho vergonha de aparecer no que agora é uma colecção de DVD’s. Como actor sou muito pior do que José Hermano Saraiva  foi como historiador, coisa que o excelente trabalho da Videofono até disfarça.

Posto isto, hoje, dia de falecimento, constato como o balanço da obra televisiva de José Hermano Saraiva é perigoso. Sem dúvida que superiormente teve o talento de dar a história como objecto a amar, com um talento fabuloso, num tempo em que os mais simples documentários não existiam. Sem pensar muito num nome, foi um daqueles nossos cronistas seiscentistas que inventaram a granel, em nome da causa dita da restauração, sendo os primeiros a experimentarem a revolução tipográfica. Pregou a mentira, o revisionismo à Mattoso pai, hoje continuado pelas anglaises efabulações dos Rui Ramos ora entretidos a escrever o próximo programa da disciplina para o mentiroso Crato, na revolução que acaba de mandar o papel impresso para o seu idoso tempo histórico.

A tradicional e aristocrática tradição académica portuguesa de tratar estes assuntos muito em privado também ajuda. Na historiografia portuguesa José Hermano Saraiva  deixa apenas e só a História de Portugal da Alfa, onde de resto o peso do nosso Carlos Loures é se calhar muito superior ao que se pensa (mas sobre isso que fale o próprio).

Pobre pátria a minha que discute a sua História na exclusividade dos congressos e suas actas (e tanta porradinha o homem levou), deixando o Relvas da historiografia portuguesa à solta, a abrir  terreno para o revisionismo que se está a seguir.

Acabo com os problemas realmente académicos: é historiador quem investiga (de preferência com habilitações para tal) ou também quem divulga? não interessa muito, mas interessa bastante que seja quem sabe (e esteja para tal devidamente habilitado) a divulgar (e tive pelo menos uma professora na faculdade com tanto talento a comunicar como o ora defunto, mas rigor e ciência no que dizia).

Como professor sei, de ciência feita e praticada, que ensinei mais e melhor História enquanto produtor e vagamente consultor de recriações históricas dramatizadas (como o Mercado Medieval de Óbidos que me orgulho de ter produzido nos seus primeiros 5 anos) que a todos os alunos que me metam numa sala de aula, obra e graça de uma Maria de Lurdes Rodrigues que não o percebeu e de um Nuno Crato que prossegue, para quem divulgação científica é exclusivo seu e das suas ciências.

O único “concorrente” que na altura tive foi precisamente José Hermano Saraiva, e com ele acho que fui leal e profissional pela mesma causa (gostar de História é a condição número um da aprendizagem da História, e quem negar isto que vá com o Crato para a cama), embora trabalhando em territórios diferentes, e desculpem qualquer coisinha, quando não sei não invento. O Mário da Costa ainda lá anda, e abençoadamente nunca ninguém se lembrou de o meter a melhor professor do ano, que o é desde que começou a leccionar.

Andassem os nossos historiadores preocupados com isto, e o mítico entretidor televisivo José Hermano Saraiva nunca teria tido a exclusividade e os elogios populares, que bem vistas as coisas, até merece, da parte dos receptores. Hoje até estou muito liberal: quem não vai ao mercado é responsável pelo que depois acontece.

Escrito antes das 17h, publicado agora por razões editoriais.
Sobre o Homem Ministro, só tinha mesmo duas palavras, se tivesse mais eram descritivas, científicas, e por isso mesmo muito mais azedas. Mas tenho por príncpio separar História, ciência, de coisas que vivi. Em 1969, era puto mas estava cá, na Coimbra campo de concentração. Fizessem outros o mesmo e a historiografia da segunda metade do século XX fazia-se de uma forma muito menos horizontal e sossegada.

Comments

  1. Poys Poys el Professoratto Engordou com o Arsénico says:

    nã seijas fascista pá…o home era um homme de fé…a fé era péssima
    mas nem era maçon nem fazia masturmaçon
    e a história revisionista de 1982-83 tinha muita opinião que era contrária à dele…
    logo se eras desse baluarte cu in brão da inkultur e da sebente
    tamém és un inkulte…

  2. Amadeu says:

    Porra pá, cortaste as cenas porno !!

  3. Cá Por Mim Estão con Raivinha nos Dentes says:

    De resto foi um colonialista convicto e nascido na pequena burguesia que ascendeu com o salazarismo
    Mas tinha uma visão da insustentabilidade económica da nação mação e nisso foi lúcido

  4. palavrossavrvs says:

    Dar a História como objecto a amar, sim, foi isso o que ganhei dele. Belíssima reflexão mordiscante e terna, como deve ser. Abraço.

    • deu uma visão parcial apesar da paixão com que a perorava says:

      Dar uma visão patrioteira e parcial da história é prestar um mau serviço à memória…

  5. No meu post José Hermano Saraiva não faço só «elo-
    gios populares, pelo contrário. procurei conhecer a verdade Um banho de água fria.Leste o post ?

  6. albanocoelho says:

    Muito bem escrito. Com a cambada de imbecis que tem comentado hoje, este poist é de Homem com grandes Tomates (ou ovos/huevos como dizemos por aqui).

  7. deu uma visão parcial apesar da paixão com que a perorava says:

    não pá porque fazer da hhistória um teatro com alunos histéricos que fazem daquilo um frete e não refletem no que estão a fazer é um péssimo serviço como o do outro

    o barão barbudo de entrudo como um aluno lhe chamou em 199…etc não consegue transmitir a paixão que o outro tinha
    ou como uma profe de inglês que foi aluna dele disse….ah a história é tão maçuda..

    captar a atenção duma plateia é dificilis
    facilis é dizer que se con segue sempre e se faz melhor que os outros

    tentar é que é importante
    não dizer que se é extra-ordinário
    e nisso o colonialista falava em nós e não em eu..
    tinha uma ideia do colectivo e da abnegação quiçá altruísmo truista ó alpista

  8. edgar says:

    Permita-me que repita aqui o comentário que deixei noutro blogue.

    A História sem povo de H. Saraiva era como a Agricultura sem Reforma Agrária de Sousa Veloso.
    Ambos ajudaram na campanha de branqueamento do fascismo.

  9. edgar says:

    Esqueci:
    Agradecer-lhe a coragem da denúncia da contrafacção da história.
    Relembrar as bastonadas, processos disciplinares, expulsões e prisões a que foram sujeitos os estudantes que lutaram pela dignificação do ensino, contra o fascismo, enquanto H. Saraiva e outros como ele utilizavam a PIDE, a Polícia de Choque e até a Polícia Judiciária (nos processos disciplinares) com a colaboração activa de alguns reitores e professores.
    Evocar a memória do José Manuel Pais, estudante de Coimbra, da Republica Rás-te-parta, castigado por ter sido candidato à direcção da Associação Académica, despachado rapidamente para a guerra colonial como oficial miliciano e falecido em combate em Angola.

  10. A “história portuguesa”, foi definida no tempo de Salazar, com essência de Camões, e é mais um encobrimento para satisfazer vaidades nacionais, atuais, como os futebóis de CR7 e Mourinho, do que uma realidade efetivamente sucedida.

  11. alex sub says:

    você deve ser gay, então devia assumir isso publicamente e não dar uma de macho intelectual…

  12. Francisco Silva says:

    Que bosta de comentário desenxabido e invejoso!

Trackbacks

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