Já me tinha queixado recentemente do hábito muito português de deixar impunes as vigarices que se disfarçam em ciência histórica e entre nós abundam. Manuel Loff dá hoje um bom exemplo de sinal contrário, desmontando o labor revisionista de um tal de Rui Ramos, vendedor de banhas da cobra várias, com o objectivo muito claro de, neste caso, branquear Salazar e afins. Basicamente a História para Rui Ramos é uma narrativa fantasiosa elaborada sem qualquer rigor para defesa de um programa ideológico, algo à altura de um doutorado em… “ciência política”. Coisa que a esquerda já praticou, convenhamos, com a honestidade de a historiografia marxista sempre se ter assumido como… marxista.
A Joana Lopes publica o artigo saído hoje no Público. Helena Matos não refuta uma linha e diz que é inveja. Um argumento imbatível, ao nível da desonestidade intelectual que caracteriza a nossa extrema-direita.
Pois bem, mas se tirarmos a acusação de revisionismo, que não é acompanhada de qualquer tentativa de a justificar, estas críticas ao trabalho de Rui Ramos não tem qualquer fundamento. É como se o tivessem a atacar simplesmente por não gostarem da opinião dele, apesar de no fundo reconhecerem que não está errada.
Logo, epítetos de inveja não são totalmente descabidos.
Pois bem, nem uma linha de refutação ao que está em causa, o texto de um historiador que refuta um herói de tolos, bate certo.
«O Expresso está a oferecer gratuitamente aos seus leitores uma História de Portugal dividida em nove fascículos, apresentando-a como “um dos livros mais vendidos de sempre” entre os que se dedicaram à nossa história. O Expresso acha (eu não) que este é “hoje reconhecido como um dos melhores livros sobre a História de Portugal”, e terá querido disponibilizá-lo a dezenas de milhares de leitores para quem é apetecível uma síntese em 900 páginas da “história de um grande país”.» – P. Manuel Loff.
Eu gostaria só de acrescentar mais uma coisa. O volume de Rui Ramos, B. Vasconcelos e Sousa e Nuno Monteiro É um dos melhores resumos de histórias de Portugal. Não é uma análise profunda, não é uma reflexão afincada, mas é uma obra de resumo, muito inteligente e pertinente. Que cumpre bem os objectivos a que tinha sido proposta: fazer um resumo da História de Portugal no sentido da História de divulgação. Sei que Loff faz questão e bem de não comentar o trabalho de B. Vasconcelos e Sousa e Nuno Monteiro mas é necessário dizer que o trabalho destes dois historiadores corresponde a mais de metade do livro. E com ou sem Ru Ramos o livro vale o título de um DOS melhores resumos. Nuno G. Monteiro é um excelente e brilhante historiador e BCS com quem tive a honra de ter aulas é um dos melhores medievalistas deste país. Até posso compreender as críticas de Loff mas parece-me que ele está a julgar a obra por um terço.
Leia-se a entrevista de Medeiros Ferreira ao Expresso, (uma análise através do umbigo) que, entre outras, inclui esta esta barbaridade: – “,,, A ditadura (salazarista) tinha esse lado artesanal. A ditadura obviamente não era fascista, era simpática e querida”.
Parece que há muita gente interessada em branquear o fascismo.
E a entrevista do Medeiros Ferreira continua:
Só conheço um Estado que se tenha proclamado fascista, que foi o italiano. Para mim o salazarismo era uma ditadura repressiva. Considero a repressão salazarista um atentado permanente contra a dignidade humana. A violência podia ser gradual, mas o atentado à dignidade humana era permanente.
E Salazar responde: “A nossa Ditadura aproxima-se, evidentemente, da ditadura fascista no reforço da autoridade, na guerra declarada a certos princípios da democracia”.
(http://www.avante.pt/pt/2018/opiniao/121267/)
Citar o avante sobre o estado novo é tão sensato quanto citar os comunicados do governo sobre a razoabilidade das políticas que implementa.
Alfredo: Não foi o Avante que foi citado, foi a entrevista de 1932 do Salazar a António Ferro em “Salazar, O Homem e a sua obra”, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1933, p.74
Obrigado Amadeu por ajudar a demonstrar ao Alfredo como o preconceito embota o discernimento.
Muito provavelmente, a maior parte do que qualquer de nós aprende ao longo da vida, e da qualquer tira bom proveito, perder-se-ia através do filtro preconceito.
toda esta historia tem as suas nuances tragi-cómicas. Rui Ramos transformado em mascote da direita reaccionária, a viver a sinecura dos alinhados com o regime, a fazer história quase pitonísica: explicar o passado enquanto se deseja o futuro, um portugal ordeiro, céptico e pobre.