Acordo ortográfico: a displicência dos professores

A classe docente vive embrutecida, especialmente desde o consulado de Maria de Lurdes Rodrigues. Devido a uma quantidade brutal de medidas lesivas da Educação e da sua condição profissional, os professores quase se limitam a reagir e a fugir em frente, ficando privados de tempo para pensar, actividade que deve constituir, evidentemente, o cerne da profissão. Assim, sabemos que há, por exemplo, demasiados professores que estarão, neste momento, angustiados face a vários factores que vieram criar uma instabilidade profissional injustificada, entre muitos outros problemas.

Reconhecida a existência de muitas atenuantes, a verdade é que não é legítimo que os professores se afastem daquilo que é essencial: a sua condição de intelectuais. No último parágrafo deste texto, já tinha feito referência à displicência com que a comunidade docente aceita muitas imposições. No que se refere ao chamado acordo ortográfico (AO90), essa displicência é nítida e consubstancia-se na ausência de debate e num conformismo amargo. É certo que essa atitude não se verifica apenas relativamente ao AO90, o que constitui agravante.

A ortografia – ou qualquer outra decisão relativa à língua materna – diz respeito a todos os professores de todas as disciplinas, porque terá, entre outras consequências perniciosas, reflexos nefastos na aprendizagem dos alunos. Na minha opinião, face a um assunto tão relevante, a abstenção é criminosa, não sendo aceitável que os professores se limitem a encolher os ombros, sem uma reflexão consciente, passe o pleonasmo.

Depois disso, cada professor deverá agir em conformidade. Se não concordar com o AO90 e se concluir que a sua aplicação trará prejuízos pedagógicos, deve combatê-lo e nunca resignar-se. A propósito, faço minhas as palavras que Rui Miguel Duarte publicou no grupo FaceProf:

A resistência e desobediência ao chamado acordo ortográfico é do interesse e uma obrigação dos professores, porque (1) é uma imposição político-económica, (2) é cientificamente mau, (3) está a provocar crescente iliteracia, amplamente atestada no Diário da República, portais electrónicos de várias entidades e na comunicação social, (4) se prende, em última análise, com o cerne da educação, a língua, (5) a resistência é possível e prerrogativa de cidadania.

Colegas, subscrevei a Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico. Há um formulário a descarregar e imprimir, preencher e enviar. Todos não são poucos.

http://ilcao.cedilha.net/

Acrescento, ainda, uma ligação para a nota de Ivo Miguel Barroso: “Inconstitucionalidades das normas do Acordo Ortográfico, bem como das Resoluções da Assembleia da República, do Governo e dos órgãos regionais que o implementam”.

Comments

  1. Pois says:

    Nem mais. Sou professor. É espantosa a subserviência dos elementos da minha classe, embora não só neste particular, como, de resto, foi notado. Enojou-me o afã com que os colegas se inscreveram em “ações de formação” sobre o AO90 e o fanatismo com que, não apenas em documentos oficiais como actas, mas também nos e-mails que servem para comunicação inter pares, adoptaram o famigerado AO90. A funcionarização dos docentes e a corrosão legislativa da profissão não são alheias à passividade que, neste caso, tão notoriamente se manifesta. Mas isso não explica tudo – nem metade. A verdade é que a maioria dos professores não têm o mínimo de qualidade intelectual e cultura. Podem dominar – era o mínimo que se podia exigir! – os conteúdos que leccionam, mas pouco mais do que isso sabem, mesmo que tenha que ver com a “sua” área, para não falar nas outras. Quantos professores de Português têm hábitos de leitura (para além da light)? É possível conversar sobre Stendhal ou Dostoievski com semelhantes espécimes? Quantos professores de Filosofia se interessam por alargar o campo dos seus filosóficos e expandir a sua actividade crítica? Quantos professores de Biologia acompanham investigações actuais? Os professores não se vêem a si mesmos como intelectuais. Para esta visão deturpada do seu estatuto (que os leva a ostracizar, muito portuguesmente, qualquer um que revele a mínima elevação), podemos encontrar causas no processo de formação, no eduquês, no Ministério, etc. Mas não podemos esquecer a responsabilidade individual. Há pessoas que gostam de ser estúpidas e de viver na mediocridade. Nenhum mal nisso, excepto quando se tem como missão desenvolver nos outros a inteligência e a abertura ao mundo do espírito.

    • Nem mais. Não sou professor.É um facto o que escreve.Lamentavel, mas em muitissimos casos assim é,….lê-se alguns blogues na area da educação, e é confrangedor.

  2. António Nabais, sou professor reformado. E, como reformado, sempre alimentei fantasias heróicas sobre a resistência que havia de opor ao acordo ortográfico se ainda estivesse ao serviço.

    Até que me deparei com a seguinte situação: procurando um livrito para dar ao meu sobrinho-neto que faz três anos, verifiquei que todos os recentemente publicados obedecem ao acordo ortográfico. Para não comprar um “Livro de Atividades” optei por um puzzle.

    Depois ocorreu-me que podia ter ido a um alfarrabista. Mas os inventários dos alfarrabistas não duram para sempre; ao passo que o disparate, quanto mais dura, mais se enraíza.

    • Maquiavel says:

      Pois, tive o mesmo problema ao querer comprar um livro de leitura para as minhas filhas, que vivemos no estrangeiro!

    • António Fernando Nabais says:

      José Luiz, ainda estou ao serviço e alimento essas fantasias, mesmo que não faça nada de heróico. De resto, e face a tanta leviandade, também temo o enraizamento deste e doutros males.

  3. Numa sociedade em que “intelectual” é insulto, é de esperar que muitos professores não se assumam como intelectuais. E há todas as atenuantes que sabemos. Mas continua a não haver desculpa para essa demissão.

  4. Jonh says:

    Deliciosa a sua posta. Adorei o facto de, de acordo com as suas palavras a principal tarefa da profissão de professor ser «pensar». Lindo. Mas há mais, os «profs» afinal são intelectuais (!!!) . São pensadores e intelectuais, devem filosofar e «parlapiar» coerentemente sobre Stendhal ou Dostoievski e as escolas secundárias talvez sejam sucedâneos da Academia de Platão. Que no meio de tanta verborreia sobre «professores» não se leia uma única vez o verbo «ensinar» parece-me de somenos, mas para que cá não falte aqui vai: «quem não sabe fazer, ensina».
    E que se foda o AO, é a única resposta razoável a este atentado ao património nacional. De todos.

    • António Fernando Nabais says:

      Igualmente delicioso é o seu comentário. Em primeiro lugar, afirmar que pensar constitui o cerne da profissão não é o mesmo que dizer que é a principal tarefa da profissão de professor. Depois, é evidente que o professor é um intelectual, a não ser que adquirir conhecimentos científicos e pensar na melhor maneira de os transmitir, entre outras actividades, seja trabalho braçal. Como acontece a muitos, em Portugal, a palavra “intelectual” causa-lhe uma espécie de urticária e desata logo a imaginar um parasita social que se limita a falar de autores que mais ninguém conhece ou a dizer frases que ninguém entende. Para completar a sua reacção pavloniana, lá cita a frase do costume para deixar bem claro o preconceito anti-docente.
      Finalmente, gostaria muito que o seu argumento contra o AO fosse suficiente, mas, infelizmente, não chega.

  5. antonio cerqiera says:

    viajando eu por esta europa toda(comunidade europeia)encontro grandes buracos vazios na sociadade portuguesa!!!e,atenção que eles existem em todo o lado!!inglaterra;desde que alguem teve um par de bolas quadradas e largou no mundo uma bela canção ao qual muitos de nós na nossa juventude abanavamos o capacete,não porque a comprêndesemos mas porque era moda (pink floyd),a coisa mudou defacto!!..ex;professores não podem,e,tomem nota;não podem nem sequer arregalar os olhos a um aluno que os insulta e lhes falta ao respeito ou até que maltrata um outro colega de sala ou turma,sem que na semana seguinte tenha uma vesita policial a casa se veja metida/o com consultas em medicos psicquiatricos ou psicologos não esquecendo as muito famosas asistentes sociais inglesas.e isto tudo em nome de que??não nos podemos esquecer daqueles imigrantes portugueses ao qual muita gente desconhece e prefer nem falar,ou dar ouvidos;aqueles que á alguns anos emigraram em busca de uma vida melhor não porque financeiramente encontrassem melhores rendimentos,mas,por dar uma melhor educação aos filhos.e,falamos das exelentes condições que defacto se recebem!lá,no quintal da rainha!é só perguntar a um destes emigrantes a razão do repentino regresso dos filhotes e em alguns casos deles mesmo!MAS,tenham atenção!
    por cá,vivendo eu junto a uma escola publica(olivais)cada vez que por ali ando a divagar(liquidos e afins)á sempre um filme diferente e ao mesmo tempo identico!um aluno é chamado átenção pelas mesmas razões acima descritas e vem a famelga prega um arraiale de porrada na professora/o(requerimento para comparencia da psp com 6 mese de antecedência)!isto para mim revela um grande falta de autoridade e competencia!!
    claro aqui não temos os inqueritos ingleses!as coisas neste querido paìs nunca vão seguir em frente porque nós não temos as famosas bolas quadradas,não interessa nem nunca vai intressar!com tantas coisas importantes para resolver nós(eu não sou professor sou um português como tantos outros) preocupamo-nos com o acordo ortografico!!!!pergunto eu uma coisa!!como é,que um professor universitario de português ou outras disciplina,quando ao dar uma aula a alunos que estudam de noite(pedreiros,cortadores,condutores,empregadas de limpesa etc.etc. todos com mais de 30 ou 40 anos) tem que escrever algo num quadro e se fazer entender!?(POIS É )
    português só no dicionario!se todos nós adulteramos a nossa propria escrita quando nos convém,entâo qual é o problema??ao longo dos séculos temos permanemtemente alterado a lingua portuguesa para nosso proprio proveito!!!
    já perguntaram aos novos alunos(alguns universitarios)quantos rios portuguêses atravessa a A1,quantos rios nascem a sul e desagoam a norte!!
    perparem a barriga para um fartote de risotas!!encontro aqui uma grande falta de vontade por parte daqueles que se dizem intelectuais e tiraram canudos,a mais importante,competencia!digo isto pela grande falta de professores em detreminasdas regiões do nosso paÌs!é triste ver que temos imensos professores e que á imensos professores sem colocação ou no desemprego, porque não se sentem na obrigação de serem colocados 2 anos em BRAGANÇA,AÇORES,MADEIRA,CASTELO BRANCO,etc…etc…etc….boicotes,greves,gritos por assim dizer para que pergunto eu!??para que????será que os nossos filhos não tem direito a uma educação e que ficam dependentes de certo tipo de pessoas no que toca a educação!vejo alunos bons e inteligentes chubarem os anos lectivos pelas greves feitas(PACIÊNCIA DIZEM ALGUNS)ver encarregados de educação gastarem balurdios em livros de um ano lectivo para o outro,todo porque o professor faz greve e a turma não teve notas!!
    o mais engraçado é vemos alguns estoicos lutarem por algo que nem sequer é reconhecido pelos nossos proprios emigrantes ou paises onde estão emigrados!!
    não escrevo aqui denegrir a imagem dos professores em questão!acredito que ainda existão alguns bons professores e que lutam todos os dias por um bem estar dos nosos filhos!escrevo esta palavras para dar a entender que á coisas bem mais importantes a serem resolvidas!!escrevo para dar a entender que defacto tenho(E NÃO SOU O UNICO) um grande ressentimento com quase todos os que se dizem intelectuais
    e não passam de uma corja nogenta e bafienta que ao longos destes 30 anos nos têm levado á tristeza miseria e desespero!

    • É “Jonh” de propósito, ou porque não sabe escrever “John”? Mas isto não interessa, deixe lá. O que interessa é que um professor que nunca tenha lido Stendhal, Jane Austen ou Flaubert fica particularmente vulnerável à doutrina “pedagogicamente correcta” de que um anúncio de telemóveis tem o mesmo valor que um soneto de Camões; e um professor que nunca tenha lido Dostoievski ou Kafka aceita mais facilmente, ou até promove, as burocracias sem sentido em que a escola se esgota e se desfaz.

      Conheci muitos professores, uns melhores, outros piores. Dos bons, nunca conheci um que fosse inculto. Uma professora de Química não precisa de ler Agustina para ensinar Química; mas a que lê ensina melhor, e os alunos apercebem-se disso – como se apercebem da incultura dum professor inculto. E são impiedosos na punição.

      O hábito, o esforço e o prazer de pensar são coisas que só se ensinam pelo exemplo. Como a independência de espírito, a racionalidade, o gosto. Ou os protocolos do debate profícuo.

      Num professor, ser um intelectual não é afectação, é dever. E ser anti-intelectual é desleixo.

      • Silva says:

        Deixe-me que lhe diga que compreendo os seus argumentos. O meu comentário vai simplesmente no sentido de que dada a realidade concreta é não só inconsequente como quase «ridículo» (no sentido de que contraria o senso-comum) pedir aos professores mais do que «aguentar» as X horas que lhes são afectadas e não se deixarem linchar pelas hordas de selvagens que frequentam o «ensino» em Portugal.
        Elogio-lhe também a atenção. Foi o primeiro. Passarei agora a assinar «Silva», pois creio desta forma jamais ser corrigido.
        Um apontamento também p/ o Sr.Naboso, que se esgueira dizendo que «afirmar que pensar constitui o CERNE da profissão não é o mesmo que dizer que é a PRINCIPAL tarefa da profissão de professor». Consultei então o dicionário p/ descortinar as palavras que me eram desconhecidas, felizmente só uma e verifiquei: «CERNE»: parte CENTRAL; que tem FUNÇÕES ESTRUTURAIS; o ponto MAIS IMPORTANTE; o ÂMAGO; o ÍNTIMO. Mas ele não disse que era a tarefa mais importante da profissão de professor, queria apenas era usar a palavra CERNE. Eu percebo, também gosto da palavra.

        • António Fernando Nabais says:

          Ó John Silva, o meu apelido (não confunda com alcunha ou com “nickname”) é mesmo Nabais. Se tiver dificuldade em escrevê-lo, basta copiar e colar. Vai ver que consegue. Quanto ao “cerne”, fico contente por saber que contribuí para que aprendesse uma palavra nova (duas, se lhe juntarmos o meu apelido). De resto, é verdade: como sou um intelectual, uso a palavra “cerne” o mais que posso, porque fica sempre bem, mesmo que não faça sentido. E sim, confesso: no fundo, quero que os professores pensem e que não façam mais nada.

          • Silva says:

            Meu caro, Nabais teria sempre de ser o seu apelido.

          • António Fernando Nabais says:

            Ora ainda bem que já aprendeu a escrevê-lo. Obrigado pelo elogio.

          • Silva says:

            Apraz-me satisfazê-lo e mais ainda que aprecie e se orgulhe da sua chã origem.

          • Provocam-me o riso as suas vãs tentativas, caro Silva, de obscurecer o brilho do caro António Nabais! 🙂 Lamento informá-lo de que, por muito que tente, por muito que se esforce, jamais lhe chegará sequer aos calcanhares; é que a diferença entre os dois é para lá de abismal!

            Tenho é que me precaver, porque com o caro Nabais aprendo e com o caro Silva desaprendo!

          • Silva says:

            Se lhe provocam riso caríssima Isabel parece-me que contribui positivamente p/ o seu dia.
            E realmente p/ um olhar atento a diferença é abismal…
            Os meus mais calorosos cumprimentos Isabel.

          • Não que queira desapontá-lo, caso Silva, mas o que de positivo acontece nos meus dias é sempre obra minha, nunca de terceiros! Demais a mais, muito raramente concedo aos outros o poder de provocar ondulações, e até picos, nos meus dias!

            Os meus cumprimentos para si também, e um conselho que não me pediu: se conseguir ser tão elegante com a língua portuguesa como o foi ao ironizar a resposta ao meu comentário, creia que está no bom caminho… e talvez chegue à planta do pé do caro Nabais!

          • Perdão! Queria escrever “caro” e não “caso”!

  6. antonio cerquiera says:

    eu sei que tem erros ortograficos!mas assim nunca me poderiam chamar ou apelidar de BURRO……

    • António Cerquiera, no início de um período utiliza-se letra maiúscula. Eu sei que esta regra, como muitas outras, se fez para ser quebrada, mas isto é para quem sabe o que está a fazer com a língua portuguesa – e você, obviamente, não sabe.

      A seguir a um sinal de pontuação deixa-se um espaço. Esta regra, como a outra, tem uma razão de ser: torna o texto mais legível. Quando o texto tem duas ou três linhas, tanto faz que você acate as regras como não. Mas quando é um lençol como o que você deixou acima, acredite: a primeira reacção do potencial leitor é passar adiante e nem sequer tentar embrenhar-se em semelhante matagal.

      Não precisa de agradecer. Espero que esta lição lhe seja útil e não cobro nada por ela.

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