Postcards from Romania (13)

Elisabete Figueiredo

O comboio para Sighisoara

Nunca vi um comboio tão velho, tão ferrugento, tão sujo. Sento-me e imediatamente a minha pele se entranha no cheiro a ferrugem. Ao meu lado uma família. À minha frente senta-se uma senhora. Ponho a mala na grade. Que grade, senhores! Juro que nunca vi nada assim. Entrei noutro filme do equivalente romeno do Kusturica e desta vez, desta vez, é a sério. Mil olhos. Quem dera, para guardar tudo. Para ver tudo, para experimentar tudo aquilo.

Peço à senhora da frente se me olha pelo saco em cima do banco. Vou à plataforma fumar um cigarro. Diz que sim, com a cabeça. A viagem, diz-se, demora 3 horas. É proibido fumar no comboio. Depressa me darei conta que, também isto, não faz qualquer sentido.

Ao fumar penso que raio, por que raio não vou no rápido uma hora mais tarde. Digo de mim para mim por que raio não hei-de ir neste. Sabe-se lá se voltarei a andar num comboio assim, Foram precisos 45 anos para andar num comboio assim. Reentro. Abro a janela. Sento-me.

Entra um homem, da minha idade e uma velhinha. Será a mãe. O homem olha para mim sem qualquer tipo de malícia, com genuína perplexidade. Hei-de apanhá-lo até que saia, a olhar-me do mesmo modo, muitas vezes. Eu olho-o sem estranheza. Como olho, de resto os outros passageiros e, na verdade, toda a gente.

Muito cedo na minha vida aprendi que se olhamos os outros com estranheza é porque nos sentimos menos estranhos que eles. E eu não me sinto, nunca, menos estranha que os outros. E pensando nisto, penso na frase do Enrique Vila-Matas que gosto de repetir: ‘quando viajas com alguém, tudo te é estranho. Quando viajas só, o estranho és sempre tu’. Mil olhos e eu sempre estranha. Agora, mais que nunca.

(Estação de Brasov, 10 de Agosto de 2012)

Comments

  1. Maquiavel says:

    Deixa lá que para comboios velhos e sujos tens a Itália. Especialmente os InterCidades que fazem Norte-Sul, tipo o Veneza-Nápoles. Credo.
    Ou os Regionais em que as carruagens de 1.a classe passam a ser de 2.a classe quando o ar condicionado deixa de funcionar e já näo mais o reparam… e que às vezes manda ar quente, mesmo com 40 graus no exterior!
    Que os hajam ainda nos países pobres como a Roménia ainda se pode compreender… agora num país moderno do G7…

  2. Mike says:

    Se calhar já andou por cá em comboios mais velhos, só que não se enferrujam porque a Sorefame construia-os em aço inoxidável…

  3. Elisabete Figueiredo says:

    Maquiavel em Itália andei em alguns comboios regionais mas nenhum como este. Mas confesso que para longas distâncias apanhei sempre os rápidos, confortáveis e modernos. Por isso…

  4. Elisabete Figueiredo says:

    Mike, possivelmente andei sim, mas não eram como este, garanto.

  5. R. Vieira says:

    É verdade o que Mike diz. Uma das garantias de durabilidade das carruagens construídas na Sorefame era justamente a presença de inúmeros elementos em aço inoxidável, a começar pelo próprio revestimento exterior, em chapa canelada (coisa, pelos vistos, de patente americana).

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