Clean IT – ou Limpar a Internet

A Internet como a conhece está em perigo de desaparecer.

As empresas de publicidade, perseguindo o seu desejo normal de terem cada vez melhores resultados, querem a todo o custo eliminar a navegação anónima na Internet. Ainda ontem se descobriu que o facebook anda a pedir aos utilizadores que denunciem “amigos” que não usem o seu nome real na rede. É bem conhecida a política em relação a nomes adoptada pela Google. Isto para já não falar nos serviços que, graciosamente, se oferecem para guardar toda a nossa informação pessoal (mais uma vez os piores são a Google, a Apple com o iCloud, etc).

Bufo 2.0: como delatar na Internet (roubado daqui)


 

Para além das ameaças das empresas, os políticos começam a aperceber-se do verdadeiro poder dos cidadãos organizados e estão por isso a tomar medidas para se certificarem que mantém o monopólio sobre a informação, capturando para si o controlo da Internet. Há vários exemplos dessas tentativas, que temos comentado aqui no Aventar.

O último ataque às nossas liberdades, financiado com o nosso dinheiro, vem da comunidade europeia. O projecto Clean IT, financiado pela Comissão Europeia (sim um dos três da troika), pretende lutar contra o terrorismo através de medidas auto-regulatórias que defendam o estado de direito (qualquer pessoa que conheça os crimes perpetrados nas chamadas industrias auto-reguladas deverá neste ponto ficar com os cabelos em pé – estou a referir-me, por exemplo, ao que aconteceu no mundo financeiro).

As propostas feitas por este projecto são secretas, apenas tomámos conhecimento devido a uma fuga de informação que tornou público um documento com as respectivas recomendações (PDF em inglês).

E quais vêm a ser estas medidas? Em resumo temos:

  • Eliminação de qualquer legislação que iniba a filtragem e monitorização das ligações à Internet feita pelos empregados;
  • As forças da lei deverão ser capazes de remover conteúdos sem “seguirem os procedimentos formais mais intensivos em trabalho para levantamento de autos e acção”;
  • Fazer links com conhecimento de causa para “conteúdo terrorista” (o draft não refere que o conteúdo tenha de ser considerado ilegal por um tribunal, refere-se a “conteúdo terrorista” em geral) será considerado uma ofensa equivalente a “terrorismo”;
  • Dar suporte legal a regras de “nomes reais” para evitar a utilização anónima de serviços on-line;
  • Os provedores de Internet serão responsáveis por não fazerem esforços “razoáveis” para utilizarem vigilância tecnológica que identifique o uso “terrorista” da Internet (o tipo de uso não é definido);
  • As empresas que forneçam sistemas de filtragem de utilizadores e os respectivos clientes serão responsabilizados se não reportarem actividades “ilegais” que tenham detectado;
  • Os clientes também serão responsabilizados se reportarem com dolo conteúdos que não são ilegais;
  • Os governos deverão usar o grau de colaboração dos provedores de Internet como critério para atribuírem contratos públicos;
  • Os sites de media social devem implementar sistemas de bloqueio ou de aviso sobre conteúdos;
  • O anonimato dos individuos que denunciem conteúdos (possivelmente) ilegais deverá ser preservada, no entanto, o respectivo endereço IP será guardado para o caso de terem de ser processados por fazerem uma falsa denuncia.

Ou seja, os políticos pretendem ter a última palavra sobre os conteúdos que podem ser colocados na Internet. Escusado será dizer que só um terrorista muito estúpido se deixaria apanhar por estas medidas. – Não, quem é afectado por elas é o cidadão comum, isto é uma verdade evidente.

Há muito mais medidas explicadas no documento, muitas vezes contraditórias entre si. O estado actual da tecnologia que suporta a Internet ainda não permite o tipo de controlo sonhado pelos políticos. No entanto, estão sem dúvida a dar-se os passos necessários na direcção de um controlo muito mais apertado. Desde sistemas de hardware que removem o controlo ao utilizador (pensem em iCoisas de todo o género) até sistemas de rastreio do uso da Internet que criam perfis super detalhados de cada um de nós (utilização de tracking cookies, criação de ecosistemas como os da Google ou o Facebook onde todas as acções são observadas, analisadas e guardadas, etc…).

Nós temos representantes em Bruxelas, pergunte-lhes porque motivo gastam o nosso dinheiro com projectos que nos cerceiam a liberdade.


Adenda2012-09-24 11:15:

Ainda sobre a necessidade das companhias de publicidade melhorarem a qualidade dos dados que extraem dos nossos hábitos de navegação, veja-se como a Google tenta certificar-se que utilizamos o nosso nome real quando usamos as respectivas propriedades:

Comments

  1. No Facebook, tal como noutras redes sociais, os utilizadores são também, em simultâneo, o produto. Por isso, não me surpreende esta decisão do Facebook, nem a cada vez maior tendência deles imitarem tudo, até mesmo o mau, do Google Plus.

    Quanto à UE, este rascunho contém coisas gravíssimas e que fariam George Orwell dar voltas no túmulo. No entanto, este não é o primeiro disparate do género a vir de Bruxelas e que, com certeza, foi criado com a ajuda de alguns lobbies menos claros.
    O terrorismo já foi utilizado anteriormente para defender a censura na internet. Fico é surpreendido que a pedofilia também não seja mencionada, já que foi durante muito tempo o estandarte de quem defende estas medidas perigosas.

    • Claro que as criancinhas também são usadas, do artigo que linquei:

      CleanIT (terrorism), financed by DG Home Affairs of the European Commission is duplicating much of the work of the CEO Coalition (child protection), which is financed by DG Communications Networks of the European Commission. Both are, independently and without coordination, developing policies on issues such as reporting buttons and flagging of possibly illegal material. Both CleanIT and the CEO Coalition are duplicating each other’s work on creating “voluntary” rules for notification and removal of possibly illegal content and are jointly duplicating the evidence-based policy work being done by DG Internal Market of the European Commission, which recently completed a consultation on this subject. Both have also been discussing upload filtering, to monitor all content being put online by European citizens.

  2. jorge fliscorno says:

    O poder sempre procurou controlar o acesso à informação. Alguns exemplos do passado incluem a proibição de livros e autores por parte das religiões e dos governos, a instituição de crimes de blasfémia (religiosa ou estatal) e a perseguição de indivíduos.

    A Internet é uma chatice para estes controladores. Permite a constituição de memória colectiva (tão fácil que agora é confrontar o que dizia um vira casacas há uns anos e agora). Permite divulgação de informação (verdadeira e falsa, é de ver) com custos quase nulos e a uma escala potencialmente planetária.

    Neste cenário, a União Europeia tem tido uma vergonhosa actuação em defesa da liberdade de informação. Sob a cínica capa da alta moralidade, o facto é que a UE tem ciclicamente lançado propostas que se traduzem em menos liberdade para os utilizadores. Por exemplo:

    – O polémico Pacote de Telecomunicações que permitiria transformar o acesso à Internet numa espécie de pacotes comerciais de sites, à semelhança dos pacotes de canais de TV:

    – Parlamento Europeu: vitória da liberdade e do direito dos utilizadores de internet

    -Votação dos eurodeputados portugueses (daqui):

    A Favor (dos internautas portugueses)

    GUE/NGL: Ilda Figueiredo (PCP), Miguel Portas (BE), Pedro Guerreiro (PCP)
    PPE-DE: Ribeiro e Castro (PP)
    PSE: Ana Gomes, Armando França, Edite Estrela, Elisa Ferreira, Emanuel Jardim Fernandes, Francisco Assis, Jamila Madeira, Joel Hasse Ferreira, Manuel dos Santos, Paulo Casaca (PSs)

    Contra (os internautas portugueses)

    PPE-DE: Assunção Esteves (veja-se só onde ela agora está), João de Deus Pinheiro, Vasco Graça Moura (PSDs)

    Abstenções (na prática, um voto contra os internautas portugueses):

    PPE-DE: Duarte Freitas, Luís Queiró, Sérgio Marques, Silva Peneda (PPs e PSDs)

    – A recente ACTA, por enquanto derrotada (apesar do voto a favor do Professor  Doutor Vital, de Coimbra, ó meu deus de Coimbra, Moreira)

    – Agora, este “coiso” Clean IT

    [edição: formatação e revisão]

  3. Fernando says:

    Mas a União Europeia não é boa, e os estados-nação maus? Não querem tudo centralizado? Não querem facilitar ainda mais a vida aos lobbies? Se é isto que querem, estão no bom caminho…

  4. jorge fliscorno says:

    Nós temos representantes em Bruxelas, pergunte-lhes porque motivo gastam o nosso dinheiro com projectos que nos cerceiam a liberdade.

    Vejo que o Professor Doutor Vital, de Coimbra, ó meu deus de Coimbra, Moreira ainda é eurodeputado. Adivinho qual será a contribuição dele.

  5. Bruno Miguel says:

    Esta proposta, que tem por detrás, lá bem escondido, a questão dos direitos de autor, devia ter em conta um estudo feito na Austrália. De acordo com os autores, diminuir as restrições do copyright tem benefícios para a economia. Na própria Austrália, por exemplo, os autores estimam um ganho de $600 milhões na economia.

    O estudo está aqui:
    http://www.digital.org.au/content/LateralEconomicsReports

  6. Lagartices says:

    Petição Internacional que se pode assinar aqui: https://www.accessnow.org/page/s/itu

    “To the ITU and its member states,

    The internet belongs to all of us – not to governments, and certainly not to the ITU. We call upon you to release your preparatory documents; recognize the role of the user, and reject any proposals that might centralize control of the internet. “

  7. Reblogged this on Azipod.

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