Vou enveredar pela carreira do crime

Da maneira como andam as coisas, o trabalho está sujeito a cada vez mais e mais impostos e,  se já dantes não era a trabalhar que se enriquecia, não há-de faltar muito para que nem dê para comer. O que fazer então? Olhei para as possibilidades e descartei a emigração. Raios, este é o meu país, é aqui que tenho um quadrado onde cair por terra, se for caso disso. Outra possibilidade adviria do facto de dinheiro gerar dinheiro mas falha logo pela falta do vil metal. Depois haveria o jogo e a eventualidade da sorte grande, caso não me lembrasse sempre desta velha piada: «Qual é a melhor forma de fazer uma pequena fortuna ao jogo? Começar com uma grande fortuna.»

Neste contexto, decidi enveredar pela carreira do crime. Pensei cuidadosamente nos riscos e nos atractivos de cada sub-sector. Procurava uma actividade que me permitisse ter casa sem a pagar, carro, telefone e refeições à borla e que me proporcionasse em pouco tempo uma reforma acumulável com outra actividade que eventualmente venha a desempenhar. Deve permitir-me nunca ir a julgamento mesmo que as suspeitas quanto aos meus negócios sejam mais do que fortes e que, se por algum azar acabar na barra do tribunal, consiga chegar à prescrição mesmo que o tribunal me declare culpado. Como não quero ser demasiado ganancioso, aceito que os meus rendimentos não sejam muito elevados durante uns anos desde que, depois, possa capitalizar em algum outro lugar todo o meu investimento.

Perante estes requisitos, escolhi o sector da política. Como já tenho licenciatura,  espero que isso não seja um entrave à coordenação política de um governo. Nunca fui empregado de balcão num banco mas acredito não será por isso que um dia não vare caminho até chegar a ministro. E como até escrevo num blog, acho que não será blasfémia alguma dizer que, no mínimo, poderei chegar a deputado. É certo que, sendo quarentão, não posso aspirar a assessor ou especialista, já que ultrapasso o apertado critério de não ter mais de vinte e oito anos para ocupar estes chorudos lugares. Mesmo assim, encontro-me optimista e absolutamente confiante quanto à meteórica ascensão da minha carreira, até porque já tive o cuidado de remover do meu currículo toda a  formação técnica-profissional especializada e nem uma réstia dos cargos não executivos nele deixei.

Só tenho uma dúvida e por isso vos escrevo. Onde é que se arranjam as fichas de inscrição no Partido certo?

Comments

  1. Sandra Bernardo says:

    É só escolher o partido, mas cuidado, tem de ser um dos “do arco da governação”. Acho que agora já as mandam por correio electrónico.

    • jorge fliscorno says:

      Ah, muito bem visto, que para aquecer continuo na faina diária.

  2. Bem visto. Proponho uma pequena aliança, para confundir os civis podemos dizer que criamos uma Oficina de Marcenaria, a coisa será assim: eu vou para um partido, tu vais para outro. Tudo tem de ser feito por forma a não nos incompatibilizarmos. Assim, quando eu estiver no poder, ajudo-te no que for possível (não te exonero do cargo de chefia que possas exercer, arranjo-te um canto onde possas passar o deserto confortavelmente), quando a situação se inverter, tu fazes o mesmo por mim. Seremos os artífices do nosso sucesso.

    Isto bem feito, até dá para abrir oficinas pelo país inteiro…

    Os nossos símbolos, o formão e o maço, que é como quem diz, metem-se connosco e acabam com um formão no coração ou um maço nos cornos.

    Penso que temos sistema.

    edição: gralha

    • jorge fliscorno says:

      Oba, oba, já antevejo o sucesso. De ferramenta na mão, vamos a isto. Quanto às nossas oficinas, o moto pode ser “Esculpindo o futuro”.

  3. Infelizmente deve ser esse o desejo íntimo do pessoal que vota nos partidos do “vira-o-disco-e-toca-o-mesmo”, pois por incrível que pareça as últimas sondagens, como não podia deixar de ser, já dão maioria ao partido alternante…e pensar que andam uns milhares na rua a contestar! É muito frustrante e chega-se à conclusão que afinal tudo isto uma grande dor de cotovelo por não poderem também pôr a mão no prato…

    • Américo Gonçalves says:

      Ana A. Deixe-me discordar um pouquinho de si . Se as máfias no POTE baixam e todos os outros sobem, é um sintoma de vontade de mudança. E graças à inqualificável conduta daquela tropa fandanga, a cada dia as pessoas vão evoluindo na sua posição.Na política não há vazios. Se amanhã aparecesse um partido que falasse em Português e não Novilíngua, e com propostas concretas para problemas concretos,ia rapidamente apanhar muitas dessas pessoas. O Tempo Real está a andar bem mais depressa que “eles” pensam…

      • Maquiavel says:

        Veremos a vontade de mudança é no dia das eleiçöes, porque pelo que se viu na Grécia ou Holanda…

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