Acordo ortográfico: os dislates de Evanildo Bechara

Evanildo Bechara é um importante linguista brasileiro e uma das figuras de proa do acordismo, ou seja, um defensor daquilo a que alguns chamam acordo ortográfico (AO90). Que um amador profira disparates sobre assuntos que não domina é coisa que não me espanta, espantando-me, no entanto, a facilidade com que os amadores dão opiniões, usando de uma pose profissional que não é mais do que leviandade. Desgosta-me muito, no entanto, que um especialista debite disparates sobre a área que domina ou devia dominar.

Evanildo Bechara, para defender o AO90, prescinde de ser linguista e nada diz ao senso comum, acumulando vários dislates numa entrevista ao Estadão. Citarei e comentarei alguns deles, porque a entrevista está exaustivamente analisada aqui.

 Dos seus hábitos de escrita, os portugueses só foram obrigados a abandonar a consoante não articulada, aquela que se escreve, mas não se pronuncia. No novo sistema, o que não se pronuncia não se escreve.

 Os portugueses foram obrigados a abandonar outras coisas, como, por exemplo, o acento em “pára”. Graças à ideia peregrina de que “o que não se pronuncia não se escreve”, os portugueses foram obrigados a ver aumentado o número de grafias duplas, dependentes do modo como pronunciam.

 Começamos a aprender a língua pelo ouvido, quando crianças. Depois, aprendemos pelos olhos, porque lemos as palavras. O sistema fonético é anterior ao sistema gráfica [sic]. Ao abolir o trema, tiramos um peso dos ombros de quem escreve. A falta do trema, longe de ser um prejuízo, é um lucro. Deixamos de escrever o trema, mas podemos pronunciar as palavras da maneira como estamos acostumados a ouvi-las.

 As relações entre a oralidade e a escrita estão muito longe da simplicidade com que Bechara as trata nestas declarações. A aprendizagem (também) da pronúncia consolida-se e prolonga-se através da leitura, graças a factores como a analogia. Para além disso, basta ter a percepção de que é diminuto o vocabulário aprendido até se começar a aprender a ler. Finalmente, há que perceber verdadeiramente a importância da escrita, mesmo que isso obrigue a ler e a pensar.

 O valor econômico e político da língua foi um dado importante para a unificação ortográfica. Em qualquer área em que seja usada, tanto no Brasil, como em Portugal ou na África, a língua portuguesa será grafada de uma só maneira. Isso significa que um livro editado em português pode correr todos esses países, porque a ortografia é a mesma.

Trata-se de uma mentira descarada que não resiste a uma análise rápida e honesta: depois do AO90, a língua portuguesa continuará a não ser “grafada de uma só maneira“, mesmo sem ter em conta outras diferenças. Querem um exemplo? O adjectivo “econômico”, presente na resposta de Bechara, continua a grafar-se “económico”, em Portugal. Pois.

Comments

  1. palavrossavrvs says:

    Essa paneleirice da uniformização só poderia ser parida pelas mentes brilhantes da Capital. Nunca tal ocorreria a Londres ou a Madrid. Competiria aos labregos que caucionam estas pimbalhices acordeão interrogar-se porquê.

  2. O problema do português não são as lusas palavras, mas a falta de palavras em inglês, falta nos faz: branding, rebranding, road show, game changer, etc etc e, também, como pedir dinheiro em alemão.

  3. Uma mariquice, este AO… e inconstante. Não se escreve as consoantes “mortas”? Mas “hábito” continua com o “h”… Sim, porque “humidade” ou “húmido”, ficaram sem “h”.
    E muitas outras…

    • São consoantes mortas apenas para gente de poucas letras…
      OC AC EC OP são grafemas da língua portuguesa tal como é escrita e falada em Portugal, Moçambique ou Angola.

  4. E pensar que eu já defendi o acordo. Por alguns longos anos acreditei que valia a pena ceder, unir, ampliar e integrar. Acreditava ser uma vitória de todos, o fato de centenas de milhões de brasileiros continuarem falando Português.

    Mas como tudo muda, eu mudei. Hoje adoraria desunificar a minha língua. Afinal, a língua de Portugal é uma língua quase morta, uma língua que gosta de ser insignificante, a língua de um país pequeno, de gente conservadora e retrógada. Gente que renega sua própria história e seu passado grandioso. Eu detesto gente sem consciência histórica, gente apegada a coisas pequenas como acentos e letras mudas. Por isso, hoje, eu não quero mais chamar de minha a língua Portuguesa. Eu tenho vergonha da língua de Portugal. Hoje eu quero falar Brasileiro, a língua do Brasil, a língua de uma gente feliz e corajosa. Gente que assume seu passado, seu presente e está disposta a escrever um novo futuro. Gente que briga para nascer e crescer, gente que não se encosta em acentos. A lingua Brasileira será uma língua linda como sua gente, será a mais linda das línguas latinas, de musicalidade romântica e atitude revolucionária. A língua Brasileira será uma língua que aceita sua história e sua origem opressora. A língua Brasileira vai continuar mudando e se transformando pois será uma língua historicizada. A língua Brasileira vai ser tudo o que a língua Portuguesa se recusa ser.

    O meu sonho hoje é ver oficial a minha língua mãe, a língua Brasileira. Uma língua mestiça como seu povo e, como ele, fruto do cruzamento forçado entre uma língua imposta com milhares de línguas indígenas e africanas. E que a língua Portuguesa descanse em paz como mais uma língua a caminho do túmulo pois esse é o destino que sua gente insiste em escolher para ela…

    • 75% de analfabetismo, 32 milhões de pessoas com fome
      “a língua de uma gente feliz” …

    • nulo says:

      Querida Claudia,
      É sem esforço que a apoio no afirmar-se com lingua própria e o mais de que você se poderá e quererá reclamar. Já não achei muito bonito (eufemismo) a justificação que vomitou fruto da indisposição que resulta, estou em crer, do sentir-se obrigada a faze-lo limitada a só esse lado do charco.
      Pois nós por cá com todos os defeitos que apontou tambem queremos manter a nossa identidade cultural, de que a língua Portuguesa (tal como NÓS a queremos) é parte integrante e importante.
      Eu sei que no inconsciente Brasileiro existe um grande ressentimento por as Vossas origens estarem manchadas com a nossa presença, qual pecado original.
      Reza a história que as Entidades Superiores na asáfama da criação da Terra não se aperceberam que onde é hoje o Brasil tinham acumulado riquezas naturais e condições paradisíacas, verdadeira situação de previlégio. Pausaram e naturalmente surgiu o consenso no murmúrio: “Deixem lá, já vão ver a gente que lá vamos pôr”. Coube-nos a nós Portugueses, ser o instrumento da sua vontade.
      Força Claudia vá em frente, olhe junte-se à Maítê Proença bom regresso ao sertão do seu contentamento.

    • António Fernando Nabais says:

      A Cláudia está muito baralhada e, portanto, é natural que acerte ao lado do debate.
      Em primeiro lugar, vê-se que acredita que o chamado acordo ortográfico serve para acabar com as diferenças entre o português falado e escrito dos dois lados do Atlântico. Se lesse com atenção (ou se lesse), descobriria, rapidamente, que isso não acontece, com ou sem acordo.
      Depois, confunde defesa de aspectos ortográficos fundamentais com conservadorismo, ignorando qualquer aspecto do debate linguístico, o que é apenas uma manifestação de leviandade. Ainda assim, contradiz-se, quando afirma, se bem entendo, que não
      devemos renegar o passado e que não devemos apegar-nos a coisas pequenas. Seja como for, repito: a crítica ao AO não é (ou não deve ser) uma insistência em conservar, é uma crítica a um instrumento deficiente.
      Há muitos brasileiros que criticam o alegado acordo ortográfico, porque o leram e porque pensaram sobre ele.
      Gosto muito de História e sinto-me bem na minha pele de cidadão do meu país, mesmo que passe a maior parte do tempo a criticar aquilo que aqui se passa. Não tenho uma visão épica de nenhum país, porque não pode haver países perfeitos. Procuro que o meu pensamento sobre a História e sobre a Língua assente em dados o mais rigorosos possível. Não me/nos considero melhor(es) do que ninguém e, mesmo que o fizesse, nada disso interessaria para o assunto em debate.
      Há muita cultura brasileira na minha formação, desde a música à literatura. No entanto, se pensa que o Brasil é o paraíso na terra e que, por isso, todos os que falam e escrevem em português deviam imitar os brasileiros, que lhe faça muito bom proveito. De resto, não tenho nada contra a possibilidade de o brasileiro passar a ser outra língua: há vários linguistas que, cada vez mais, defendem essa hipótese (ou realidade).
      No momento em que a sobrevivência da minha língua e da minha cultura consistir em ser obrigado a falar brasileiro (ou espanhol ou inglês), a verdade é que a minha língua e a minha cultura, na realidade, morreram, como é evidente.
      Emocione-se menos e pense mais.

    • Não seja tola, Cláudia.

      Todos os povos têm encardidos. Nós temos os nossos, vocês os vossos. Vc acha que se deve confundir um povo com os seus encardidos?

      O AO em Portugal faz o seu caminho em Portugal. Está em plena aplicação em todo o Estado, na maioria dos jornais e revistas, em todas as TVs, e em todas as Universidades e escolas públicas e privadas, a igreja católica está a aplicá-lo, a maioria das principais empresas portuguesas também, os livros que atualmente não são impressos segundo o AO são uma exceção, todos os filmes são legendados em ortografia atualizada.

      Em Portugal, o que ainda resta de oposição ao AO é protagonizado por um punhado de xenófobos e pelo lobby dos maus tradutores. Não confunda os portugueses com essa gentuça.

      E não esqueça o ditado árabe “os cães ladram e a caravana passa” e, o ditado português “cão que ladra não morde”. E aqui e ali, quando vale o esforço, atira-se-lhes uma pedrada e eles fogem com o rabo entre as pernas.

    • António Fernando Nabais says:

      Como vê pelo Silva, Cláudia, em Portugal, há quem não tenha recebido educação em pequenino: segundo ele, quem não concordar com o AO90 é encardido, xenófobo e não passa de um cão. Argumentos, elegância, sabedoria, pedagogia? Zero. Coitado do Silva, tão cheio de si e, portanto, tão vazio.

      • Nabais,
        Excesso de linguagem à parte (no caso, o meu), a questão não está em não estar contra o AO. A questão está no combustível feito de racismo, xenófobia, “antibrasileirismo”, presunção, ignorância e interesses comerciai de gente incompetente feridos que o alimenta.
        De resto, e a respeito de elegância, nada como atirar uma pedra maior a quem atirou pedras primeiro para que quem atirou pedras primeiro perceba que “é mau” andar a atirar pedras.
        Em todo o caso, convenhamos que isto é vela a que sobra pouco pavio, e na fase em que está, apontar-lhe a agonia é dar-lhe a importância que ela já não tem. E é basicamente por isso que o meu comentário deveria ter contido apenas a parte em que mostra à Cláudia em que ponto estamos nesta altura da aplicação do AO.

        • António Fernando Nabais says:

          Agora, o Silva arvora-se em geólogo e julga que sabe medir o tamanho das pedras, enquanto volta a atirar quase exactamente as mesmas, fugindo sempre a argumentar verdadeiramente. Do Silva conheço o defensor do AO e é nessa qualidade que o caracterizo como cheio de si e, portanto, de nada, exactamente porque se limita a proferir acusações que nada têm que ver com o debate, o que é natural em quem não tem, verdadeiramente, argumentos. O único arremedo de argumento consiste no facto de haver quem aplique o AO, o que, para virtude, é pouco. Faz tanto sentido como afirmar que é bom haver turmas com 30 alunos porque há turmas com 30 alunos. Os seus comentários são inúteis, porque ou lhes falta educação ou informação. Vejo, no entanto, que, ao reconhecer excesso de linguagem, pode haver esperança de que seja capaz de algum civismo. Parabéns, Silva.

  5. Vá sonhando Cláudia, é para isso que servem os sonhos. Assim como assim, talvez um dia venha realmente a esquecer a sua língua, o português do seu nascimento, e venha a só lembrar alguma língua estranha das terras frias do mundo. .. ou o tupi, já que quer uma “língua” brasileira.
    O “acordo” é horrível, sim, mas não por esses complexos nazi-linguísticos de que a Cláudia sofre: é horrível porque não percebeu a grandeza de uma língua que se fala de muitas maneiras por esse mundo fora (sabe quantos milhões além dos brasileiros e dos portugueses falam português?) e é mesmo a 3ª língua do planeta.

    • Esperemos que crismem aquilo que falam de brasileiro, e que nos deixem em paz. Não interessa que língua é a 3ª ou a 4ª ou a 90ª, mas os conteúdo. Deve haver mais gente a tocar samba do que árias de Mozart.
      E?

  6. maria celeste d'oliveira ramos says:

    A Claudia anda com pesadelos – em que lingua ??

  7. O Bechara não diz dislates. O Bechara mente, com aquela facilidade de quem está habituado a falar a idiotas ou aos lacaios.
    Bechara é um mentiroso. Aliás este “acordo” depende da mentira reles e rasteira.

  8. Erratum:
    Evanildo Bechara é um ignorante linguista brasileiro…

  9. Mais:
    « Dos seus hábitos de escrita, os portugueses só foram obrigados a abandonar a consoante não articulada, aquela que se escreve, mas não se pronuncia. No novo sistema, o que não se pronuncia não se escreve.»
    O cê de «facto» pronuncia-se. Em Portugal. Porque é que os brasileiros o não escrevem?

  10. « Isso significa que um livro editado em português pode correr todos esses países, porque a ortografia é a mesma.»
    Pode pode. Os dicionários da Porto para Angola é que já não são «livros editados em português». É por isso… (http://biclaranja.blogs.sapo.pt/643409.html)

  11. .

    Ora, ora, não é que temos aqui um debate apaixonado, mesmo que apenas isso, vez ou outra? O AO90 é uma boa ideia, mas é uma mudança e toda mudança gera reações, isso não é nenhuma novidade. Particularmente, odiei o fim do trema e a nova hifenização, mas como bem frisei no “particularmente”, se não gostei, problema meu – a AO90 não foi feito para agradar a mim nem a ninguém em particular. Tem objetivo nobre e desmerecer Evanildo Bechara com comentários que se querem apenas maldosos é injusto, para dizer o mínimo.
    No mais, creio que apontar é mais fácil que propor, e propor é coisa que vejo raramente dos dois lados do Atlântico.
    Abraços.

    .

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  4. […] porque aproximação ortográfica já existia. Seja como for, pessoas com a responsabilidade de Evanildo Bechara não hesitaram em anunciar que, no Brasil e em Portugal, os livros passariam a circular em […]

  5. […] a destapar de um lado e tapar do outro. Nada disto, no entanto, tem servido de impedimento para que pessoas investidas de autoridade continuem a mentir, anunciando um futuro em que deixará de haver versões diferentes do mesmo texto ou edições […]

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