Diz que há autores mais actuais do que Camilo

Edviges Ferreira, presidente da Associação de Professores de Português, entre alguns comentários acertados acerca das discrepâncias entre as metas curriculares e os programas de Português, comenta a possibilidade de Camilo Castelo Branco voltar a ser estudado na disciplina de língua materna: “Durante muitos anos esteve no Secundário, mas as pessoas acharam que tinha de sair. Não me chocaria que voltasse a aparecer nos currículos, embora eu ache que há escritores mais actuais.”

Em primeiro lugar, é necessário notar que “as pessoas” constitui uma expressão demasiado vaga. Seria mais rigoroso afirmar que isso foi da responsabilidade dos autores autores dos programas de Português, programas esses que, goste-se ou não, reduziram o peso da literatura portuguesa e, concomitantemente, da história da literatura portuguesa.

Depois, o que quererá dizer Edviges Ferreira com o achamento de que existem autores mais actuais? Se o adjectivo tiver sido usado num sentido neutro, por assim dizer, não é possível discordar: depois de Camilo, muitos outros escreveram. Aliás, também não seria errado, desse ponto de vista, dizer que há escritores mais actuais que Eça ou Saramago, autores que integram os programas de Português.

É claro que existe, ainda, a hipótese de que Edviges Ferreira tenha usado o termo “actual” num sentido infelizmente usual entre muitos professores de Português, que tentam limitar a análise de obras de outras épocas à busca de comportamentos ou problemas que permanecem “actuais”, retirando-lhes historicidade e diferença. No fundo, trata-se de uma atitude pretensamente pedagógica, que consiste em pensar que os jovens não devem ser obrigados a contactar com o Outro, devendo os programas e os professores irem em direcção aos “interesses dos alunos”, numa visão empobrecedora da Educação.

O contacto com a literatura de outros tempos e de outras latitudes é enriquecedor, mesmo que seja incómodo e trabalhoso. E também é enriquecedor, se for incómodo e trabalhoso, porque educar é, também, incomodar e obrigar a trabalhar. Olhar para textos de outras épocas é descobrir outros mundos no mesmo mundo em que vivemos, é perceber melhor o país em que se vive, é abrir horizontes: por que razão o futebol, a internet, a televisão e Camilo hão-de ser incompatíveis?

A discussão sobre o regresso de Camilo ou de muitos outros autores expulsos do programa de Português do Ensino Secundário deve basear-se em dados rigorosos, em verdadeiros debates, e não estar dependente de achamentos ou de invenções curriculares contínuas, defeitos que são a consequência inevitável da flutuação constante das políticas educativas, decididas por políticos e outros levianos.

Comments

  1. xico says:

    Ainda estou para encontrar um escritor que tenha inovado em relação a Homero. Volte o Camilo às escolas que os miúdos agradecerão. Se não entenderem o seu vocabulário, nas férias, dirijam-se as aldeias dos avós e bisavós, e atentem às conversas nos cafés, nos adros das igrejas e na feira. Sobretudo adentrem os lagares e as cortes e oiçam a rabugice da avó e o vernáculo do avô.

    • Lamento desiludi-lo mas Homero nunca existiu. Existiram sim aedos, trovadores que foram cantando estórias, acrescentado detalhes e peripécias. É certo que alguém as passou para escrito, e esse alguém podia chamar-se Homero, mas não as criou. Infelizmente manuais e professores de História que mantêm a lenda abundam por aí.

      • xico says:

        João Cardoso,
        nem vou discutir consigo a existência de Homero. De facto eu, que nada percebo de literatura, acho desigual a Ilíada e a Odisseia. Poucos serão os escritores que inventam histórias. Contam as que apanham no ar e no vento. Fosse quem fosse, alguém há-de ter escrito a Ilíada, com as histórias que ouviu, mas escreveu em versos de pasmar. Fosse o seu nome Homero ou Maria Luísa, o que é certo é que na Ilíada está lá tudo. Mais actual que aquilo não há. Alguém disse que toda a literatura não passa de um remake da Ilíada. Eu estou de acordo. Foi isso que quis dizer.

      • Tito Livio Santos Mota says:

        ninguém sabe se existiu o não existiu o Homero, essa é que é essa.
        Lendas coligidas?
        Mas há algum romance que não parta disso, precisamente? dum mito qualquer?
        As obras de Homero são mitos, mas mitos fixados literariamente e transmitidos assim, por escrito, mesmo se, durante muitos séculos o foram de cor.

        De qualquer maneira a questão da existência ou não do Homero é tão secundária, tão residual, tão sem interesse literário que muitos escolhem ignora-la.

        e fazem bem.

  2. Tito Livio Santos Mota says:

    Homero?
    O dos Simpson?
    é que se for o dos Simpson talvez estes “Doutores Relvas” o considerem actual.
    Para mim, o que acham “desactualizado” no Camilo é o facto de ele os retratar lindamente nas suas obras.
    Onde eu poderei estar de acordo é que Amor de Perdição não é nada o melhor romance para se dar a estudar a adolescentes. Mas, aviso aos Doutores, o Camilo escreveu quase 300. Têm por onde escolher.

    • xico says:

      O Amor de Perdição, não? E porquê? Se for pelo estilo e pelo texto, ainda vá. Se for pelo assunto, o que direi dos Maias do Eça? E do Romeu e Julieta? E do Werther?

    • rui esteves says:

      Plenamente de acordo no que diz respeito ao Amor de Perdição — uma obra escrita quando Camilo estava preso pelo adultério com a d. Ana Plácido e em que se imaginava um grande mártir do amor.
      Aquilo, o Amor de Perdição, é intragável, choradinho, chato mais chato não há.
      Foi o romance mais popular na 1.ª metade do sec XX, honra que divide com outro “grande” romance, A Rosa do Adro (vide Ernesto Guerra da Cal, Língua e Estilo de Eça de Queirós). Esta popularidade diz muito da população portuguesa nesse tempo.
      Pelas nossas aldeias, aqueles poucos que sabiam soletrar, liam e choravam com as desventuras da Rosa do Adro e com o perdido amor do Simão Botelho, da menina Teresa e da desgraçada da Mariana.
      Obrigar os nossos adolescentes a ler o Amor de Perdição é perder mais umas gerações para a nossa literatura.
      Se lhe querem dar Camilo, então a Queda de Um Anjo será bem mais apreciada e até mais atual.

  3. Maquiavel says:

    É bom que as pessoas passem a ler mais deste Camilo, e ignorar o que diz o outro, o Lourenço!

  4. luisp says:

    Essa tal edviges e o que ela diz, eis prova bastante da actualidade de Camilo.

  5. palavrossavrvs says:

    Camilo é eterno, mas a vulgaridade dos desestabilizadores pedagógicos armados em inventores da roda [sucessivos ME(C) de sucessivos Governos, com as comissões chorudas pagas a comissionistas revisionistas técnicos de linguística complexística e a técnicos em literatura light], inventores de perturbação metalinguística, construtores de uma Babel lá, onde é pecado simplificar, esses, sim, são actuais. Actuais como um arroto oloroso a alho, vinho e café , actuais como os dejectos de cada dia entre um par de orelhas de abano.

    País brioso que é País brioso mexe o mínimo possível na sua sagrada literatura a constar nos Programas de Português, conservam os seus monstros de génio e produtividade genial, como Camões, Camilo, Eça, o meu querido e amado Aquilino [sim, paradoxalmente ou não amo Aquilino apesar da sua ferocidade contra o porventura Cavaco, ou Passos ou Sócrates da sua época, o Rei!]. Fosse eu seu coetâneo, seria um subversivo do Regime por ter capitulado na bancarrota e no Ultimato.

    Em suma, Fernando, está tudo errado. Insisto que muito antes de esta semibancarrota económico-financeira e, na tentativa de desnaufragar o País, antes deste pré-descalabro social, há uma tragédia e uma falência cultural portuguesas em sentido lato. A decapitação e desvalorização, nos Programas de Português, de parte dos nossos clássicos sintomatiza ou sinaliza essa falência.

  6. maria celeste d'oliveira ramos says:

    COPIEI-COPIEI-País brioso que é País brioso mexe o mínimo possível na sua sagrada literatura a constar nos Programas de Português, conservam os seus monstros de génio e produtividade genial, como Camões, Camilo, Eça, o meu querido e amado Aquilino [sim, paradoxalmente ou não amo Aquilino apesar da sua ferocidade contra o porventura Cavaco, ou Passos ou Sócrates da sua época, o Rei!]. Fosse eu seu coetâneo, seria um subversivo do Regime por ter capitulado na bancarrota e no Ultimato-FIM DO COPIADO.- ja sei que os sábios aventares me dão na cabeças mas aqui vai-ANDAR sempre a mudar não tarda que os meninos leiam o parvalhão do Saramago e do Lobo Antunes e da Monica psicóloga da cáca – não como eu que para saber piis que são as jóias da corôa da literatura portuguesa Li Alexandre Herculano (que nasceu perto de onde nasci eu no vale de Santarém) e Júlio Dinis e Camões e Aquilino e Almeida Garret e nunca mais parei de ler porque não basta ler o jornal )que por acaso também lia o Mosquito e o Papagaio – E já não sei que mais porque já lá vão 60 anos – Li as pedras da fundação da nossa cultura literária e ainda hoje sei de cor cantos dos Lusíadas e poesias em Francês para “amenizar” e dar um chocolate à nossas cabecinhas – ler mais e/ou mais modernos tudo bem desde que vão à raiz e arquétipos da literatura ficamos no Lobo antunes e não tem nada a ver com literatura clássica e origens consistentes da cultura literária – IR ATRÁS para ir à frente claro e já agora que não se traduzam com o novo OA e não amacaquem mais as raízes culturais – hoje vejo na rua os meninos de 17/16 anos que nada destes autores conhecem e lêm a Sophia e não sei que mais que devem ler sim depois de fazerem o lastro cultural – até podem ler anedoras e o correio da manhã e Record – saber ler não é apenas saber ler como saber contar não é apenas saber usar a máquina de somar ou fazer raís quadrada – primeiro é PENSAR e fazer ginástica mental é a “tabuada” de tudo- e não fazia mal ter como tive o latim suficu«iente para saber a cnstrção da minha lingua e um pouco menos, mas também, de grego – nos 5 anos de colégio (1º ao 5ª) – depois fiz ciências de que era também a melhor aluna porque tinha aprendido a ler e pensar e interpretar – modernives é macaquice e o Alberto Helder não foge nem FP – e sem ir ao passado e origens hohe é o que ?? Dia de furacão ??

  7. maria celeste d'oliveira ramos says:

    É como aprender música sem ter aprendido as escalas – e sem aprender portugu~es como aprende outra lingua qualquer ?? só brasilês

  8. Ponham os meus alunos, que adjetivam com “giro” tudo o que acontece no real e no virtual a ler Camilo, no secundário, e verão como é ” giro”! Bom, eu conheço mais seis ou sete sinónimos, não vá alguém duvidar…
    Quanto à Queda de um Anjo, estou de acordo. É bem mais ” giro”! É que há tantos deputados que entram no figurino que o ” pessoal” se ia divertir ” à bessa”! Atenção: apesar desta ligeireza semântica, concordo com a máxima de que só improvisa quem já conhece a escala toda. Quanto a Homero, ou fosse lá quem fixou em escrita as epopeias, foi brilhante. Portanto, vamos lá comer uma entremeada: uns clássicos, para aprender a escala, e uns menos, para saboreá-la!

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