Férias vencidas e subsídio de férias

Os funcionários públicos e pensionistas (incluindo empresas com participação estatal maioritária, institutos, etc.) com salários superiores a 1100 euros por mês, não receberam o subsídio de férias (13º mês) nem o subsídio de natal (14º mês) em 2012.

Mas, quanto ao subsídio de férias, houve excepções para aqueles que começaram a trabalhar em 2011. É justa a excepção, como pretendem o governo e o PSD ou uma benesse a uns quantos como defende o PS? Foi o que procurei perceber e aqui partilho.

Antes de mais, vejamos o que diz o Código do Trabalho. O enquadramento geral para os trabalhadores é o seguinte:

Artigo 237.º
Direito a férias
1 – O trabalhador tem direito, em cada ano civil, a um período de férias retribuídas, que se vence em 1 de Janeiro.
2 – O direito a férias, em regra, reporta-se ao trabalho prestado no ano civil anterior, mas não está condicionado à assiduidade ou efectividade de serviço.
(…)

Artigo 239.º
Casos especiais de duração do período de férias
1 – No ano da admissão, o trabalhador tem direito a dois dias úteis de férias por cada mês de duração do contrato, até 20 dias, cujo gozo pode ter lugar após seis meses completos de execução do contrato.
2 – No caso de o ano civil terminar antes de decorrido o prazo referido no número anterior, as férias são gozadas até 30 de Junho do ano subsequente.
3 – Da aplicação do disposto nos números anteriores não pode resultar o gozo, no mesmo ano civil, de mais de 30 dias úteis de férias, sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
4 – No caso de a duração do contrato de trabalho ser inferior a seis meses, o trabalhador tem direito a dois dias úteis de férias por cada mês completo de duração do contrato, contando-se para o efeito todos os dias seguidos ou interpolados de prestação de trabalho.
5 – As férias referidas no número anterior são gozadas imediatamente antes da cessação do contrato, salvo acordo das partes.
6 – No ano de cessação de impedimento prolongado iniciado em ano anterior, o trabalhador tem direito a férias nos termos dos n.os 1 e 2.
7 – Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 1, 4, 5 ou 6.

Artigo 240.º
Ano do gozo das férias
1 – As férias são gozadas no ano civil em que se vencem, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
(…)

Artigo 264.º
Retribuição do período de férias e subsídio
(…)
3 – Salvo acordo escrito em contrário, o subsídio de férias deve ser pago antes do início do período de férias e proporcionalmente em caso de gozo interpolado de férias.
(…)

O esquema seguinte ilustra graficamente o disposto no articulado supra.

Momento em que se adquire o direito de férias versus momento em que esse direito por ser usufruído

No caso de primeiro contrato, as férias só podem ser gozadas após 6 meses de trabalho, o que implica que contratados depois de Junho de 2011 só terão direito a gozar as férias de 2011 em 2012 (até Junho de 2012). Mas atendendo a que nunca se pode ter mais do que 30 dias úteis de férias num ano, conclui-se que os que entraram após Junho de 2011 (e só esses) teriam direito a 8 dias úteis de férias pagas em 2012. Para estes, face a este limite de 30 dias úteis de férias no mesmo ano, os restantes 22 dias de férias seriam as férias de 2012 e que venceram a 1 de Janeiro de 2012 e que foram cortadas. É também de notar que “o subsídio de férias deve ser pago antes do início do período de férias “.

Em artigo no Público, é apresentada uma explicação legitimadora da decisão governativa:

« É um daqueles casos em que o direito parece cometer uma injustiça: os 131 assessores do Governo e mais 1323 trabalhadores da administração pública, dos quais 1231 contratados pelo Ministério da Defesa e pelas Forças Armadas, receberam subsídio de férias relativo a 2011, sem se enquadrarem nas excepções legais. Tudo porque foram contratados no ano de 2011, e isso faz toda a diferença.

É o que explicam ao PÚBLICO dois especialistas em Direito do Trabalho, Jorge Leite, professor da Universidade de Coimbra, e João Santos, da Miranda Advogados: o código laboral prevê que um trabalhador tenha direito a férias – e respectivo subsídio – no ano em que é contratado. Esse direito vence-se no próprio ano, e portanto quem foi contratado em 2011 goza de uma prerrogativa diferente da dos contratados anteriormente, que só vêem o seu direito a férias vencer a 1 de Janeiro do ano seguinte.

Aquele direito, que já estava consagrado na lei anterior, está previsto no artigo 239.º do Código do Trabalho e representa uma verdadeira bonificação para o primeiro ano de contrato de qualquer trabalhador. Isto porque a pessoa em causa tem direito, no primeiro ano, a dois dias de férias (e subsídio) por cada mês de trabalho, e no ano seguinte volta a poder gozar o mesmo período de férias (e subsídio) relativo ao ano anterior. A lei prevê apenas uma cláusula de salvaguarda de modo a que esse período nunca exceda os 30 dias de férias úteis em cada ano.

“Pode não parecer justo, mas a moral é a moral e a lei é a lei”, comenta João Santos. Jorge Leite chama-lhe uma “ficção legal” a favor do trabalhador. Uma ficção que, no caso concreto, beneficiou ainda mais as pessoas abrangidas, já que acabaram por receber o subsídio de férias relativo a 2011, enquanto os outros funcionários públicos o viram suspenso. Na verdade, estes contratados em 2011 também não receberam o segundo subsídio, aquele que se venceu naturalmente a 1 de Janeiro.»

Esta explicação não tem em conta o disposto no n.º 3 do artigo 239 e portanto, na minha leitura, está errada.

Concluo que

  • quem entrou antes de Junho de 2011 teve direito a férias em 2011 e, portanto, não devia ter recebido qualquer subsídio de férias em 2012
  • e quem entrou depois de Junho de 2011 tinha direito a 8 dias de férias pagas em 2012.

Assim sendo, as explicações do PSD não encontram “aderência” (para usar a expressão do próprio PSD! Ó pobreza de espírito!) na realidade. Pelos dados que são conhecidos publicamente, esses pagamentos de férias em 2012 foram muito superiores a 8 dias úteis de férias. Quanto à leitura do PS, cavalga a onda da indignação sem procurar (ou querer) perceber os meandros da legislação.

Comments

  1. Maquiavel says:

    Assim sendo, as explicações do PSD não encontram “aderência” (para usar a expressão do próprio PSD! Ó pobreza de espírito!) na realidade.

    Bem, mas esta frase já se tornou um meta-pleonasmo! 😀
    E esta aplicaçäo da lei é mais um sintoma da doença!
    Pois é… “aderência”… nem com Araldite as patranhas do PSD… aderem!

    • jorge fliscorno says:

      Meta-pleonasmo lol

      Como se não bastasse, quando convém há aplicação escrupulosa da lei e… quando não convém, não.

  2. edgar says:

    Este governo é um verdadeiro exemplo de rigor, tranparência, equidade, sensatez, patriotismo (veja-se a bandeirina na lapela) e de muitas outras coisas mais.

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