Abandono escolar: uns desistem, outros aldrabam

escolaDavid Justino descobriu que os jovens prolongam a escolarização quando o desemprego aumenta, o que parece ser inquestionável, face aos números apresentados. Logicamente, quando havia mais emprego e a escolaridade obrigatória terminava no ensino básico, havia mais jovens a abandonar a escola, sendo que, na opinião de David Justino, se tratava “de um abandono sem que os jovens adquirissem as competências mínimas para uma inserção qualificada no mercado de trabalho.”

Se estas conclusões de David Justino fazem sentido, em grande parte, é necessário ver, por outro lado, que o mercado de trabalho não costuma estar disposto a absorver qualificações de que não necessita, o que quer dizer que as baixas habilitações literárias de muitos dos estudantes que abandonaram a escola foram consideradas suficientes para quem lhes quis dar emprego.

Na actual conjuntura, por várias razões, incluindo as aduzidas por David Justino, os jovens tenderão a prolongar a sua escolarização e a retardar a busca de emprego. Qual assaltante emboscado, o antigo ministro da Educação diz que é tempo de saltar ao caminho dessa juventude: “faça-se um esforço por proporcionar uma escolarização qualificante, mantendo a aposta no ensino vocacional, independentemente do modelo mais ou menos alemão ou mais ou menos compulsivo, apesar das carpideiras …”

Podia perder algum tempo a tentar perceber o que é uma “escolarização qualificante” ou “ensino vocacional”, mas detesto areia nos olhos. David Justino é só mais um teórico a insistir no ensino profissionalizante como solução milagrosa e, se for preciso, compulsiva, que os jovens não têm nada que andar a escolher e os críticos não passam de carpideiras. Debaixo deste aparente marialvismo, é, na realidade, um defensor da desistência. Acrescente-se, ainda, sem prejuízo de reflexão e debate posterior, que pode equacionar-se a importância de uma educação mais aberta, quanto mais não seja porque os futuros trabalhadores têm de ter capacidade de adaptação suficiente para encarar as alterações do mercado de trabalho, o que não acontece nos cursos de cariz profissionalizante que, devido ao seu carácter especializado, podem causar limitações.

Encantada com as referências que David Justino faz à descida do abandono escolar entre 2006 e 2011, a rapaziada corporativa, saudosa do emigrante parisiense, republica, lacrimejando, uma fotografia de Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues, apontando-os como pais dessa mesma descida, como se não tivesse sido tudo resultado de muita maquilhagem (já então, o ensino profissional era usado como uma espécie de banha da cobra que resolvia muitos dos males do ensino e servia, ainda, para tratar a caspa e os bicos de papagaio).

A Educação, em Portugal, esteve, durante os seis anos de José Sócrates, nas mãos de prestidigitadores estatísticos que fizeram de conta que o sucesso educativo era um facto interclassista. Actualmente, Nuno Crato e uma série de apaniguados estão sobretudo preocupados em afastar o Estado da Educação, deixando a sociedade e as famílias entregues à sua sorte: quem tem dinheiro tem Educação; quem não tem acabará por frequentar um curso profissional, nem que seja compulsivamente. No fundo, são dois métodos diferentes de deixar tudo na mesma.

Comments

  1. Acho que o David Justino não descobriu nada. Na verdade, paraece ser uma tendência transversal às sociedades que as pessoas prosseguem estudos em momentos de crise. Acho até uma reacção lógica.

    • António Fernando Nabais says:

      O erro é meu: o “descobriu” pretendia ser irónico. Concordo consigo: é uma reacção perfeitamente lógica.

  2. Zé Maria says:

    Oh Nabais, aquilo que Crato vai fazer, penso que não há ninguém que saiba. Nem ele mesmo. Depois comparar o incomparável e ainda por cima mentir é MUITO FEIO. O emigrante de Paris -como escreves – pode ter feito muinta merda mas deixou OBRA para a posteridade no que toca à educação. Opiniões valem o que valem mas a minha é que Maria de Lurde Rodrigues, foi a melhor Ministra da Educação que este país conheceu. Lamentavelmente do Justino tenho memória, quiando Ministro, que houve um ano em que as “aulas nunca mais abriam”.
    O abandono escolar baixou CINCO, VIGULA, NOVE, 5,9 pontos percentuais, em cerca de CINCO ANOS. Não foi nem um nem dois mas sim 5,9 – repito.
    Dizeres que são resultado de maquilhagem faz-me entender porque “não gostas de areia nos olhos”: Já lá tens muita!

    • António Fernando Nabais says:

      Perdoe-me não o tratar por tu, mas tenho este hábito de não abusar da confiança de quem não conheço.
      Nuno Crato sabe bem o que anda a fazer, porque a Educação não é nenhuma das suas prioridades e não há dúvida de que, por este caminho, há-de conseguir reduzir o orçamento do Ministério. Desse ponto de vista, será um sucesso, não tenho dúvida.
      Quanto a avaliar o valor das opiniões, penso que há uma grande diferença entre nós, Zé Maria: um trabalha numa escola, o outro não. O que trabalha numa escola sabe que houve várias medidas legislativas que serviram para disfarçar o abandono: se se tivesse dado ao trabalho de ler uma das hiperligações, teria percebido que, mesmo que um aluno faltasse às aulas o ano todo, as escolas eram obrigadas a inventar “planos de recuperação” para esse mesmo aluno, ao mesmo tempo que não podiam comunicar às instâncias superiores que, na realidade, esse aluno, tinha abandonado a escola. As estatísticas de abandono são uma treta.
      A única obra que Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues deixaram na Educação foi a recuperação de escolas e, mesmo aí, gastaram muito mais do que o necessário, com vantagens para gabinetes de arquitectura, empresas de construção civil e importadoras de estantes italianas, para além de ter contribuído para aumentar o consumo energético de várias escolas. Se não estivessem tão preocupados com propaganda, o dinheiro poderia tger sido gasto com critério e não iria sobrecarregar os futuros orçamentos.
      A quantidade de areia que tem nos olhos já dá para construir um prédio, Zé Maria. Peça um descongestionante e pode ser que comece a perceber alguma coisa.

  3. Zé Maria says:

    Caro Dr. António F Nabais, peço desculpa pelo abuso do trato que lhe terei infligido.
    Lendo os seus bem alinhavados textos – digo-o sem ironia – vem-me á ideia uma “ceguinha” que se fazia acompanhar nas cantorias com ferrinhos, que ainda hoje actua na Rua Augusta, em Lisboa e que conseguiu gravar um CD que ainda há pouco tempo vendia. Escusado será dizer que a invisual cantava mal e NUNCA lhe compraria nada mas era bem capaz de lhe dar algo, não por ser deficiente, mas porque mo pedia.
    Há peditórios que quando dou têm a função de encerrar as “coisas”. A tagarelice NUNCA me agradou. Gostos.
    Revendo o inicio deste post fico na duvida se não terei antes de o tratar por Engenheiro. Isto a avaliar pela facilidade com que calcula a cubicagem de areia na construção civil. Se assim for, aceite as minhas reiteradas desculpas e votos de boas festas.

    • António Fernando Nabais says:

      Não me preocupam os títulos, embora não me causem nenhuma alergia. Seja como for, está à vontade para me tutear, se isso o fizer feliz. De qualquer modo, e para bem do país, não sou engenheiro: se o fosse, tendo em conta a minha incapacidade para essa área, seria mais um a contribuir para a ruína nacional, sem a benesse de poder, depois, emigrar para Paris.
      Com a senhora da Rua Augusta tenho em comum o facto de ficar cego de frustração diante da destruição progressiva do tecido educativo do país. Embora nada peça para mim, uma vez que tenho, ainda, o privilégio de ter emprego e de desempenhar a nobre profissão de professor, peço, como um ceguinho, para que as pessoas acordem para os problemas da Educação, que são crescentes. Enquanto acreditarem que Maria de Lurdes Rodrigues ou Nuno Crato são ministros virtuosos, a demolição da Escola continuará.
      Boas Festas para si, também.

  4. Clara Gomes says:

    Face à situação social que atravessamos não me parece que os nossos jovens invistam na sua escolarização, pois se o fizerem será por sua conta, já que estão a ir trabalhar, (os poucos que conseguem), para ajudar a sustentar a casa de família.
    Em conclusão não há escola nem há trabalho.
    Vamos regredir para valores de escolarização dos meados do século passado.

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