O brilho da Lua é diferente em Março

lua

Maria Cantante tem 74 anos. Não sabe ler. Não sabe escrever. Exibe a licença de condução de velocípedes tirada em Setembro de 1960 (que ainda guarda na carteira).

Não foi à escola. Aprendeu a escrever o nome porque o seu irmão queria que ela fosse a sua madrinha de casamento. Copiou várias vezes até ser legível. É isso que sabe escrever. Assim, aprendeu a escrever o seu nome aos 21 anos. Tem o seu B.I. e o cartão de Eleitor assinados.

Não foi à escola porque teve que tomar conta dos irmãos mais novos.

Ditava frases para a menina que tomava conta e para a própria filha: “O pão é um alimento que aparece na mesa de toda a gente. O pão é feito de milho, trigo e até de cevada”; “ O amor de mãe encerra tudo quanto pode haver de generosidade e sacrifício. A mãe é santa que nos adormece, embalando-nos com ternura nos passos vacilantes de criança”.

As contas que sabe fazer são só as de somar.

Nunca comprou fiado; “não tinha dinheiro, não comprava”. Nunca quis «esmola». Diz que sempre fez um controlo do dinheiro. Não gasta se não tiver dinheiro. Não compra fiado, repetia-me.

Antes de ter o segundo filho não tinha nem uma cadeira. Comprou-a para que a parteira se pudesse sentar quando fosse o parto.

Conta que teve que vender porcos de forma a conseguir dinheiro para poder visitar o marido que esteve 2 meses internado no Porto com um enfarte (perdeu um pouco da visão). “Aguentei muito; não recebíamos fundo de desemprego… Maria foi e é uma mulher do campo, mas sentiu necessidade de angariar dinheiro, fazendo serviço de mulher a dias. Desta forma conseguiu o abono para os filhos.

Adora andar no campo (mas dá prejuízo, repara). Dá-lhe prazer apanhar os produtos da terra e debulhar o milho à mão.

Gosta muito de passear e conhecer sítios diferentes. Fez referência a Monção, onde visitou uma capela de uma quinta: nessa capela, os empregados ficavam separados dos patrões…por uma parede. Mas não pretende fazer mais passeios, pelo menos para breve: tem que ajudar o filho de 48 anos que se encontra desempregado e não recebe qualquer subsídio.

Terça-feira é dia de folga, porque quer ir à missa com boa disposição.

Não gosta de estar em casa o dia todo. Não pára.

Perguntei a Maria o que de mais importante ensina aos seus netos.  «- Que trabalhem e que poupem, porque, talvez, ainda vão viver pior que nós.»

Não deixa de ter as coisas, apesar das dificuldades: sabe escolher, selecionar e procura fazer o máximo de coisas em casa, evitando comprar.

“Temos que guardar para ter… Ter uma vida económica”.

«Fale-me das fases da Lua… gosto de a ouvir…»-pedi. «- O Senhor morre na lua cheia de Março e nasce na lua Nova como nascem os animais e as meninas. Os homens nascem na Lua Velha».

Maria disse que às vezes se põe a olhar para a Lua, que tem outro brilho na altura da Páscoa (para iluminar o Senhor).

Maria tinha o sonho de ser cozinheira profissional. Deixou perder a oportunidade de fazer um curso em idade adulta porque teve vergonha de se dizer analfabeta.

Não vai à cabeleireira. Foi apenas uma vez, mas sentiu-se mal depois. Pintava o cabelo sozinha, agora é a filha que a ajuda e lhe compra os produtos.

Serviu-me um chá de cidreira com as folhas que ela própria apanhou e colocou a secar. Um sabor único … (na casa da minha avó?)

Esteve sempre com um sorriso nos lábios, feliz, durante todo o tempo que durou o nosso encontro nesta véspera de Natal.

Comments

  1. norma7 says:

    Oi, Ma do Céu!
    É Norma do Rio de Janeiro, p/ mais uma vez te contar o prazer que me dá ler você. Ficou tão redondinho o texto acima que parece que eu estou ai, ao teu pé ( tive uma avó portuguesa – Pisc*) e você a me contar o teu feliz encontro com a Sra. Ma. Cantante (outro lindo nome!).
    Aproveito para desejar que os novos ventos de 2013 tragam mais que esperanças para todos. Tragam soluções para o vosso Solo Amado.

    Boa Sorte, Norma

    • Maria do Céu Mota says:

      Muito obrigada e tudo de bom para este Natal e 2013. Um abraço forte aqui de Portugal. Boa sorte.

  2. Júlio says:

    Obrigado pelo texto.

  3. MAGRIÇO says:

    Belo retrato! Felicito-a!

    • Maria do Céu Mota says:

      Muito obrigada a todos. É a verdade portuguesa. E também a beleza das pessoas que vivem ao nosso lado. Maria é minha vizinha e eu gosto muito dela!

  4. Muito bom.

    Feliz Natal!

  5. Obrigado pelo excelente texto, tão lindo e puro!

    Feliz Natal, para si e para a Maria.

  6. maria celeste ramos says:

    Não há sol como o de maio nem cravo como o regado nem luar como o de janeiro mas lá virá o de agosto que lhe dará pelo rosto (que me ensinou minha mãe)

  7. maria celeste ramos says:

    esta incompleto – não há sol como o de maio nem cravo como o regado nem amor como o primeiro nem luar como o de janeiro mas lá virá o de agosto que lhe dará pelo rosto – creio que é assim

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