Acordo ortográfico aumenta as diferenças ortográficas entre Portugal e o Brasil

NAO2cOs criadores e os defensores do chamado acordo ortográfico (AO90) procuram vender, desde o início do processo, a ideia de que o dito AO90 veio trazer ao mundo da lusofonia a uniformização ortográfica, o que permitiria acabar com a angústia da escolha de uma ortografia em instituições internacionais e operaria o milagre das edições únicas de livros nos países aderentes.

Não é, portanto, invulgar, ouvir a frase “Agora, escrevemos todos da mesma maneira.” Ora, isso não é verdade sob nenhum aspecto, o que inclui o sintáctico, o lexical e, surpreendentemente, o ortográfico. Fazendo de conta que os dois primeiros não têm importância, é importante ir repetindo e demonstrando o último: mesmo depois do AO90, Portugal e Brasil não têm a mesma ortografia, o que deveria constituir prova suficiente do falhanço do chamado acordo.

No Público de hoje, surge um texto de Maria Regina Rocha, professora e consultora do Ciberdúvidas, em que são apresentados alguns factos que surpreendem mesmo os que já estavam surpreendidos: a autora, recorrendo ao Vocabulário de Mudança, informa-nos de que, com o AO90, aumentam as diferenças ortográficas entre Portugal e o Brasil. Deixem-me, apenas, realçar: aumentam.

Sem prejuízo da aconselhável leitura integral do texto de Maria Regina Rocha, leia-se este excerto: “antes do Acordo – e exceptuando as palavras com alteração do hífen, as palavras graves acentuadas no Brasil e não em Portugal (como ‘idéia’ – ‘ideia’) e as palavras com trema (pelo seu número residual e por tais situações afectarem sobretudo a ortografia brasileira) –, havia 2691 palavras que se escreviam de forma diferente e que se mantêm diferentes (por exemplo, ‘facto’ – ‘fato’), havia 569 palavras diferentes que se tornam iguais (por exemplo, ‘abstracto’ e ‘abstrato’ resultam em ‘abstrato’), e havia 1235 palavras iguais que se tornam diferentes.” (sublinhados meus). É só fazer as contas: antes do AO90, havia 3260 palavras que se escreviam de forma diferente; com o AO90, esse número aumenta para 3926.

De qualquer modo, convém assinalar que o texto de Maria Regina Rocha aborda, ainda, outras questões que comprovam ou afloram outros problemas decorrentes do AO90.

Chega-se, entretanto, à estranha conclusão de que mesmo os que defendem a necessidade de um acordo ortográfico deverão ser contrários ao AO90.

Comments

  1. É caso para dizer que o tiro saiu pela culatra.

  2. Atenção, não se trata de “palavras”, mas sim de “lemas” (entradas de dicionário não flexionadas – infinitivos dos verbos e não todas as formas conjugadas, masculino singular de nomes, etc.), pelo que essa diferença é, na realidade, ainda maior do que a apontada nos números referidos. Por outro lado, trata-se de palavras com uma “taxa de frequência de utilização” importante, o que torna essa discrepância ainda maior, na prática, no uso quotiano da língua…
    De resto, essa é uma verificação que todos fazemos facilmente, empiricamente, mas é muitíssimo útil que seja quantificada com rigor, como fez Maria Regina Rocha.

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