Hora de escolher

A Europa sofreu muito até conseguir estabelecer o Estado Social. Portugal, apesar do seu vasto e rico império colonial, não escapou a esse sofrimento por lhe ter faltado o golpe de asa que fizesse o seu próprio sistema de vida.

Através da palavra escrita, pudemos saber como foi o calvário dos povos escravizados por um sistema económico-financeiro que por completo estava nas mãos dos poderosos. Os povos não tinham direitos, apenas podiam beneficiar da caridade que era função da variável do carácter de quem a praticava. O trabalhador, por muito talentoso e esforçado que fosse, era tratado por esmola na hora da doença, do desemprego ou da velhice. A prova de que a situação era insuportável e revoltante está nos inúmeros barcos que levaram milhões de pessoas aos países do Novo Mundo. Talvez esse Novo Mundo construído pelos desesperados e injustiçados seja tão céptico em relação à Europa precisamente por ter recebido os despojos humanos de um egoísmo oligárquico que a História julga sem contemplações nem desculpas.

A miséria deu em revolta. Depois de revoluções, guilhotinas, guerras, prisões, exílios, gulags, a Europa rendeu-se à evidência: os trabalhadores eram seres humanos que não tinham só deveres, também tinham direitos. O Estado Social estabeleceu-se pouco a pouco com toda sua panóplia de salários justos, feriados, férias pagas, fins de semana para descanso, horários de trabalho, pensões de reforma, direito à greve, assistência na doença e desemprego, serviços de saúde universais e gratuitos, etc. etc. A própria Igreja Católica estabeleceu a Doutrina Social, no século XIX, assente na pedra de toque: a economia estava ao serviço do homem e não o contrário. Nenhum país teve coragem para pôr em prática, de forma total, essa Doutrina. Foi pena. Tinham-se evitado muitos dissabores. Mas o preconceito tem força. Em todo o caso, muitos dos fundamentos do Estado Social passaram a ter lugar nas constituições dos vários países europeus. E porque a miséria e tratamento indigno dos povos levou a guerras, um grupo de figuras democráticas lançou as bases da hoje União Europeia para que a paz pudesse ser uma garantia.

A liberdade, contudo, exige vigilância sem tréguas por parte do povo, pois ela tem inimigos declarados e tenazes: não apenas o fascismo, o nazismo e o comunismo, mas também o liberalismo radical com o seu cortejo de corrupções e crimes. E, antes de mais nada, uma informação exaustiva, uma governação transparente, uma total solidariedade entre quem governa e é governado. A certeza de que o Estado Social tem de ser totalmente sustentado pelo aparelho produtivo da nação, o que implica uma planificação inteligente, moderna, justa e imune às sabotagens. Infelizmente, essa vigilância falhou na União Europeia e nos países, designadamente em Portugal. A União Europeia é, nos dias que correm, um clube tomado de assalto pelo obscurantismo que não morre e daí as desigualdades e injustiças que impõe. Portugal está economicamente destruído e financeiramente desacreditado por governos que partidos corruptos apoiam com descaro. Em quase 40 anos de regime erguido contra uma ditadura obsoleta e criminosa, há partidos irreconhecíveis por se terem deixado dominar pelas bastardas cliques do liberalismo radical. O resultado é o desastre nacional em que Portugal está mergulhado.

Esta é a hora de escolher entre a escravatura e a liberdade, entre a dignidade e a indignidade, entre o trem de vida razoável e justo e a mão estendida para a esmola, entre o direito ao trabalho e a imposição do desemprego por credores estrangeiros e seus lacaios nacionais. Esta é a hora de nos assumirmos portugueses de corpo inteiro, dispostos a todos os sacrifícios por um Portugal Livre. Esta é a hora de transformarmos as pedras em pão para garantirmos a soberania nacional.

Esta é a hora de limparmos a casa lusitana, de sermos nós, serenamente, sem medo, mas com toda a firmeza.

Comments

  1. Sarah Adamopoulos says:

    Uau! Que grande texto. É isso mesmo, é a hora de escolher.

  2. Observador says:

    Parabens. É disto que o país precisa. Mas os portugueses têm que se compenetrar que não lhes aparece tudo feito. Temos que ter personalidade e agirmos. Como isto está é que não pode continuar.Unamo-nos e esforcemo-nos para que este combate se faça com energia e força de vontade e olhos bem abertos.

  3. Fernando says:

    Recuperar soberania significa que os portugueses vão ter que se comportar como adultos, assumir as responsabilidades, e sofrer as consequências, ora, a população deste país (e não só) tem vindo a ser infantilizada, e continuam assim muito por culpa dos media.
    Que essa hora que o autor se refere chegue rápido, mas será que os portugueses estão mentalmente preparados para assumir as suas responsabilidades individuais e colectivas?

  4. Observador says:

    Os portugueses tem que assumir essas responsabilidades mas também exigir a quem tem levado o país para esta situação que seja responsabilizado por tudo isso. Os portugueses não podem é continuar a viver como estão e só com a miséria à vista.

  5. Cisfranco says:

    Falta o verdadeiro timoneiro(s) que galvanize os portugueses para a tarefa de os fazer acreditar: nós somos capazes!

    • Maquiavel says:

      Falou o típico português:
      haja *alguém* que se chegue à frente, haja um *gajo providencial* que lidere.

      Os portugueses têm de se começar a mexer *por si mesmos*, como fizeram outros povos!
      Mas vejam no 25 de Abril, que é o exemplo mais recente: veio tudo para a rua berrar pela queda do governo fascista, mas tudo acoitado atrás do Salgueiro Maia.
      Antes andaram 50 anos de bolinha baixa sem se queixar (a näo ser os “prevaricadores” do costume)…

      Näo leve a mal… a culpa näo é sua.

  6. Observador says:

    Exacto. Mas ele aparecerá de certeza.

  7. edgar says:

    Da homenagem de “O Militante”, permitam-me que relembre o poema de Papiano Carlos.

    “ITENERÁRIO

    os milhares de anos que passaram viram
    a nossa escravidão.

    NÓS carregámos as pedras das pirâmides,
    o chicote estalou,
    abriu rios de sangue no nosso dorso.
    NÓS empunhámos nas galés dos césares
    os abomináveis remos
    e o chicote estalou de novo na nossa pele.
    A terra que há milhares de anos arroteámos
    não é nossa
    e só NÓS a fecundamos!
    E quem abriu as artérias? quem rasgou os pés?
    Quem sofreu as guerras? quem apodreceu ao abandono?

    E quem cerrou os dentes, quem cerrou os dentes
    e esperou?

    Spartacus voltará: milhões de Spartacus!

    Os anos que aí vem hão-de ver a nossa libertação.”

    Papiniano Carlos faleceu no início do mês passado, em Pedrouços, na Maia.

  8. João Riqueto says:

    Somos dez milhões de homens e mulheres capazes de resolver o problema do país; que ninguém tenha dúvidas disso. Mas uma vez por todas é necessário saber se tal desafio é em benefício de todos os portugueses, para o Estado Social ou para beneficiar os mesmos do costume.
    O Estado que temos é o Estado Novo em versão pós-colonial, sem o Ministério do Ultramar.
    Vejam o Palácio de Belém e o Palácio de São Bento, os mesmos edifícios a mesma funcionalidade de antigamente.
    Mudaram as moscas!
    Agora até parece que querem atribuir o Palácio Foz à Sociedade Civil.
    São instituições conotadas com o antigamente e o hábito faz o monge, vamos partir para outra. É por aqui que a Reforma do Estado deve começar, para romper com a coisa velha, o Governo tem de descer à terra, mergulhar na nossa realidade e subir ao céu quando todos juntos subirmos, à custa do trabalho de todos, com os nossos projectos e os nossos valores.
    .

  9. E as hienas, como nos livramos delas????????

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