O Vendaval passou. Ao início da manhã de sábado tentei ligar para os meus pais, que moram numa aldeia com nome de erva para pastagem, ali ao lado do Louriçal, a segunda maior freguesia desse concelho-charneira que é Pombal. Foi lá que eu cresci. Quando era menina a luz eléctrica ainda não era ainda para todos, nas aldeias à volta. E muitas vezes a fragilidade do sistema deixava-nos serões de lareira e candeeiro a petróleo. A água chegava às torneiras através do poço no quintal, o telefone era quase exclusivo do posto público e nem nos filmes a preto-e-branco se falava de internet. Portugal, década de 70, portanto.
Na cidade, a luz, a água, o telefone e a internet foram-se nas primeiras horas da manhã. A maioria das estradas ficou intransitável e pejada de troncos de árvore, tombadas pelo vento. Desta vez, o resto não foi o que se sabe, porque se sabe muito pouco do que aconteceu. Na era dos contactos, os jornalistas souberam muito pouco, pois que sem telemóvel nem net, não se vai a lado nenhum. Mas à medida que passaram as horas e voltaram as comunicações foram pingando fotografias por toda a parte, e então foi possível perceber o estado de calamidade, anunciado desde sexta-feira.
Em mais de 20 anos a trabalhar nos jornais acreditei que serviam para alguma coisa os planos municipais de emergência, os estudos, os simulacros, os planos nacionais disto e daquilo. Estava certa de que os alertas eram levados a sérios nas autarquias, até que a realidade de sábado me mostrou que era eu, outra vez, que estava enganada: ouvi funcionários municipais a desdramatizem o alerta (“eles avisam sempre mas depois nunca é nada”) e depois, como afinal desta vez era verdade, não vi no terreno nada além do improviso, maioritariamente levado a cabo pelas populações. Foi a solidariedade que funcionou nas aldeias, como nos anos 70. Percebi-o ontem quando finalmente cheguei a casa dos meus pais e os vi atarefados a ligar um cabo ao gerador do vizinho, depois de terem varrido o lixo, de terem subido ao telhado a colocar as muitas telhas que voaram na fúria de sábado. Os estragos são tantos, senhores!
Antes, ainda passei noutros locais, para poder dar notícias via Facebook às famílias que voltaram a emigrar, como nos anos 70. E depois esperei, sentada, que algum governante deste país praticamente imaginário fosse à televisão dizer alguma coisa, pois que me parecia estarmos em estado de calamidade. Ledo engano.
Pergunto-me agora para que servem os alertas, se nem os contentores do lixo somos capazes de proteger. Para que servem os Planos de Emergência, hum? Como é que a EDP não mobilizou tudo quanto era funcionário para trabalhar no terreno a partir da manhã de sábado? Como é que essa mobilização não aconteceu em todos os serviços que fazem partes dos encadernados Planos? Ah, claro, falhou a rede! E se fosse um sismo? Se houvesse muitos mortos e muitos feridos? E se houvesse desalojados? Pelos vistos, umas rajadas de vento bastam para vergar esta ilusão de progresso e desenvolvimento.
É quase meio dia de segunda-feira. O vendaval passou mas há milhares que continuam sem luz, sem água, sem telefone. Pior: sem previsões de regresso à dita normalidade. Diz que os números oficiais da tempestade vão ser contabilizados. Pensando bem, talvez ainda seja 1977 ou coisa assim. Juro que ontem à noite até a Gabriela passou na Tv.
excelente retrato
A resposta é: as edps as pts e outras, não são mais empresas de técnicos e com técnicos, mas apenas empresas de gestores financeiros. Um dia vamos arrepender-nos de termos posto o nosso destino na mão destes políticos! Até lá vamo-nos queixando…
Partilhei no fb. Se um dia houver uma calamidade séria, morremos todos. Descalços.
Boa malha!
Uma visão assim, tão apocalíptica quanto real, só nos pode fazer pensar. Como se pensar bastasse.
Com prioridades como aquelas que nos vendem a cada hora que passa, esta nunca será uma prioridade. Embora a defesa das populações devesse ser uma das três prioridades: a primeira, a última e a única.
São empresas cheias de gestores engravatados a ganhar balurdios, que depois nestes momentos têm um serviço incompetente, porque não dá para dar emprego a técnicos, que são os que realmente fazem falta. A maioria dos gestores que lá estão não serve para nada.
Bem me parecia que ainda não tínhamos deixado o século XX! Sempre estamos lá mais atrás, apesar de estarem sempre a comparar-nos em pé de igualdade. O nosso pé não tem sapato lá está! E o sapato da UE está grande demais 😀
É mesmo isso, Sarah.
Portugal=Lisboa, Porto e às vezes Coimbra. Em vez de descentralizarem extinguiram freguesias. Que fazer?
Quanto mais anos vivo, mais acredito: os seres humanos, porque inteligentes, pensam-se donos do universo!! Quanta ilusão!!!
e ainda por cima deu a Gabriela e tudo… quem teve eletricidade pode esquecer tudo isto por um pouco. Faz lembrar decretos-lei aprovados em dia de jogos da seleção Nacional…
Hoje dia 25, uma semana depois esse poste esta exatamente na mesma, espera-se de certo que o vento o termine de partir…ha, ja temos luz elétrica por vezes falha…mas 5 dias depois temos eletricidade…parabens pelo texto…o nosso presidente da CMP bem se esforçou para colocar os mais altos responsaveis do pais a falar…mas não foi facil…